Sob Trump, EUA aglutinam na COP defensores de combustíveis fósseis

FSP, Ciência, p. B7 - 16/11/2017
Sob Trump, EUA aglutinam na COP defensores de combustíveis fósseis

ANA CAROLINA AMARAL
COLABORAÇÃO PARA A FOLHA, EM BONN (ALEMANHA)

O suspense sobre a participação dos EUA na Conferência do Clima da ONU deu lugar ao espanto nesta semana, quando o país deixou claro seu suporte aos combustíveis fósseis no único evento promovido pela delegação oficial, na última segunda (13).
Até então, a expectativa sobre a participação americana nas negociações climáticas se dividia entre o receio de um possível bloqueio de agendas e a aposta na discrição dos diplomatas. É a primeira vez que os países se reúnem para discutir o clima desde que o presidente
Donald Trump anunciou que o país deixaria o Acordo de Paris, em junho.
O painel "O papel de combustíveis fósseis mais eficientes e da energia nuclear na mitigação climática" reuniu representantes do governo Trump e executivos de empresas de gás natural, carvão e engenharia nuclear.
Sem rodeios, defendeu-se abertamente no evento que os países não deixem de investir nessas fontes de energia, sob argumentos como o baixo custo, a ampliação do acesso e a segurança energética.
Em uma sala para apenas 200 pessoas em uma Conferência de mais de 20 mil participantes, o evento chegou a sair da programação oficial, mudou de local e causou filas e tumultos à porta.
Do lado de dentro da sala, a tensão e o receio dominavam as expressões dos presentes. As apresentações foram recebidas com vaias, risadas, protestos e comentários hostis, enquanto as perguntas do público eram aplaudidas com vigor. "Não existe carvão limpo!", interrompia um estudante na plateia quando o termo "carvão mais limpo" era usado no palco.
"Sim, vamos financiar combustíveis fósseis nos países em desenvolvimento", disse Barry Worthington, diretor da Associação de Energia dos EUA, confirmando os rumores sobre o interesse americano em transferir tecnologia de carvão para países em desenvolvimento.
Representante da carvoeira Peabody, a engenheira Holly Krutka defendeu no evento americano que a implementação do Acordo de Paris equilibre o investimento entre energias fóssil e renovável. "A Austrália é um bom exemplo de equilíbrio por investir em ambos", citou.
O ministro do Meio Ambiente da Austrália, Josh Frydenberg, confirmou à reportagem que o país defende investimentos em combustíveis fósseis, porque "fornecem estabilidade à matriz energética", justifica, com ressalvas. Questionado sobre a possível aproximação do país da posição americana ao defender a participação do setor de fósseis no Acordo de Paris, o ministro não nega. "Deixo para sua interpretação".
Com a meta de zerar as emissões de carbono até 2050 para manter a média do aquecimento global abaixo dos 2oC, o Acordo de Paris desafia frontalmente o setor dos combustíveis fósseis, cujo lobby, no entanto, tinha presença discreta nas negociações do clima, por meio de associações e fundações mantidas pelo setor.
O evento desta semana, no entanto, indica a investida do setor em uma participação explícita nas negociações. "Acho que todos precisam ter um lugar na mesa", defendeu Lenka Kollar, da nuclear NuScale Power, que ainda afirmou ser contra a saída dos Estados Unidos do Acordo de Paris. Worthington, da Associação de Energia, concordou com a permanência do país no Acordo. "Assim que a saída foi anunciada, publicamos nossa posição de que Trump deveria renegociar Paris."
DELEGAÇÃO ALTERNATIVA
"Como é uma administração nova, ainda não temos ações para mostrar, por isso não construímos nosso pavilhão na COP", justificou Brooke. Pela primeira vez na história da conferência, o pavilhão nacional foi construído e operado por uma "delegação alternativa", formada por ONGs, universidades, empresas, parlamentares, governos estaduais e municipais dos EUA.
O espaço reúne uma programação que mostra como o país segue implementando suas ações climáticas a partir dos governos locais.
O ex-prefeito de Nova York Michael Bloomberg, o governador da Califórnia, Jerry Brown e o ex-governador Arnold Schwarzenegger participaram dos eventos lembrando a importância da aliança formada por 14 Estados e mais de 2.500 cidades americanas em defesa do Acordo de Paris -juntos, equivaleriam à terceira maior economia do mundo.
Embora o modelo federalista americano permita que os Estados avancem nas políticas climáticas a despeito do governo federal, o governador do Estado americano da Virgínia, Terry McAuliffe, respondeu à reportagem que se preocupa com a "enorme influência" de Donald Trump sobre a diminuição do orçamento para políticas relacionadas ao clima.
"Corte de fundos é nosso principal problema, além das mudanças nos impostos, que também podem ser devastadoras", apontou McAuliffe,. "Mas não vamos deixar que Trump traga os combustíveis fósseis de volta para a América", afirmou.
DISCRETOS NA NEGOCIAÇÃO
Diplomatas de diferentes delegações percebem uma atuação discreta dos negociadores americanas nas rodadas da COP-23, que busca avançar na regulamentação do Acordo de Paris. Um dos negociadores ouvidos pela reportagem explica que a posição americana não mudou em relação ao que era no governo Obama. "Embora não se coloquem como protagonistas, não tentam bloquear nenhum item da agenda", define o diplomata. A única diferença seria a maior liberdade para se manifestar contra os itens aos quais o país já era contrário, mas não poderia ser tão enfático nos tempos do governo Obama.
A explicação dos diplomatas é que o Departamento de Estado americano visa ao longo prazo e está ciente de que a posição do governo Trump ainda pode ser revertida, já que o processo de saída do Acordo de Paris leva quatro anos para ser formalmente concretizado, dando a possibilidade do time de diplomatas americanos ser liderado por outro presidente até lá.
Questionado sobre a atuação discreta dos negociadores americanos em comparação com seu evento "despudorado", Brooke sorri ao explicar à reportagem que "não há motivo para bloquear nenhuma agenda nas negociações, já que o Acordo de Paris é genérico o suficiente para permitir que a gente atue".

FSP, 16/11/2017, Ciência, p. B7

http://www1.folha.uol.com.br/ambiente/2017/11/1935687-sob-trump-eua-aglutinam-defensores-de-combustiveis-fosseis-na-cop.shtml
Clima:Política Climática

 

As notícias publicadas neste site são pesquisadas diariamente em diferentes fontes e transcritas tal qual apresentadas em seu canal de origem. O Instituto Socioambiental não se responsabiliza pelas opiniões ou erros publicados nestes textos. Caso você encontre alguma inconsistência nas notícias, por favor, entre em contato diretamente com a fonte.