Brasil vai pagar um milhão de dólares a índios xucuru

Diário de notícias https://www.dn.pt/ - 21/03/2018
A Corte Interamericana de Direitos Humanos (CIDH), órgão judicial autónomo com sede na Costa Rica, decidiu que o Estado brasileiro deve pagar um milhão de dólares (cerca de 820 mil euros) aos índios xucuru, do estado de Pernambuco, por desrespeito e morosidade na demarcação dos seus territórios. Mais do que a quantia, o que preocupa o Brasil, com uma população de 900 mil indígenas de 240 povos diferentes, e outros países latino-americanos com perfil idêntico, é o precedente que se abre.

"O nosso olhar para esta decisão é esse: vai ser positiva para a luta dos índios do Brasil e da América Latina mas estamos, por agora, a encarar a decisão com alegria e prudência", disse ao DN o cacique Marcos Xucuru, líder dos 9000 xucuru que vivem em comunidades rurais no interior do estado de Pernambuco, no Nordeste brasileiro. "Estava agora numa reunião de lideranças na nossa aldeia a planear as estratégias a definir com os nossos advogados", continuou o cacique, de 39 anos.

Para o advogado do Conselho Indigenista Missionário que acompanhou o caso, a decisão foi "histórica" por ter sido "a primeira, em matéria de direitos indígenas, em que o Estado brasileiro foi condenado". Segundo Adelar Cupsinski, "isto vai refletir nos órgãos públicos e nos tribunais brasileiros para que passem a acolher as posições da CIDH".

O cacique não sabe ao certo ainda como vai aplicar o dinheiro que o governo liderado por Michel Temer, ou pelo seu sucessor após as eleições de outubro, tem de pagar. "O dinheiro não é reparatório, nem é nada, tendo em conta os irmãos mortos no processo. Os investimentos a fazer para reparar os danos ambientais são gigantescos. Vamos colocar o milhão de dólares num fundo, ainda não sabemos vinculado a que instituição, talvez à FUNAI - Fundação Nacional do Índio, entidade pública que protege a causa indigenista brasileira."

Uma espera de 15 anos

"Aguardávamos esta decisão desde 2003, foram 15 anos de espera e de luta", continuou Marcos Xucuru. "Têm sido tempos de muita violência e de crimes contra as nossas lideranças, enfrentando adversários poderosos, principalmente com a constituição da bancada ruralista na Câmara dos Deputados [a chamada Bancada do Boi], que escolheu os indígenas como inimigo."

O violento processo de demarcação de terras teve início em 1989. No ano seguinte, argumentando lentidão no andamento do processo, os xucuru iniciaram ações de retomada de território de fazendeiros. Em 1992, um indígena foi assassinado. Em 1995, um advogado da FUNAI morreu em confrontos. Em 2001, mataram o cacique Chico Quelé. Pelo meio, haviam executado o cacique Xicão, pai de Marcos e seu antecessor na liderança da comunidade.

Xicão foi morto a tiro por ordem de um fazendeiro, José Cordeiro de Santana, que se viria a suicidar na prisão. As duas partes brigavam pelas questões de território agora julgadas na CIDH. "Ele foi morto a 20 de maio de 1998. E eu tornei-me cacique a 6 de janeiro de 2000, então com 21 anos. Embora já soubesse, desde os 10 anos, que ia suceder ao meu pai no cacicado", lembra Marcos.

Marcos Xucuru passou infância e adolescência violentas na serra de Ororubá, onde se situam as 24 aldeias xucuru. "Vivi a infância quase toda na aldeia, passei pela cidade [Pesqueira, localidade de 70 mil habitantes mais próxima às aldeias xucuru], onde trabalhei e estudei, e estive dois anos em São Paulo antes de voltar para a minha missão em 1997, um ano antes de o meu pai ser assassinado e três antes de assumir a liderança." Não foi fácil na altura porque era muito novo e tinha 9000 pessoas para gerir. Além disso, estive sempre a sofrer pressão do estado, por um lado, e perseguições e atentados de fazendeiros, por outro", diz.

No dia 7 de fevereiro de 2003, uma emboscada na estrada quase o matou. "Morreram dois irmãos nossos, de 22 e 24 anos, mas eu, graças a eles e aos encantados [antepassados que na cultura indígena assumem papel místico], sobrevivi. Na sequência, entramos com ação na CIDH e na Organização dos Estados Americanos para que eu e a minha mãe tivéssemos direito a escolta policial."

Após a histórica decisão da CIDH, o objetivo de Marcos Xuxuru é deixar um legado de paz aos filhos e netos. "Entretanto, já recuperámos 90% do território e agora esta decisão vai ajudar-nos a recuperar o que falta e encerrar a luta."



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Índios:Direitos Indígenas

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