O Ministério Público Federal (MPF) em Pernambuco interpôs recursos de apelação para anular sentenças que excluíram as fazendas Serra Negra e Caraíbas, em Floresta e Betânia, no sertão pernambucano, de áreas passíveis de demarcação como terras tradicionalmente ocupadas pela comunidade indígena Pipipã. Os recursos, de responsabilidade das procuradoras da República Carolina de Gusmão Furtado e Mona Lisa Ismail, foram interpostos em ações ordinárias ajuizadas pelos proprietários das fazendas contra a União e a Fundação Nacional do Índio (Funai).
O MPF entende que a tese do marco temporal, fixada pelo Supremo Tribunal Federal (STF) em 2009, no caso da "Raposa Serra do Sol", em Roraima, não pode ser aplicada às áreas das fazendas, conforme as decisões proferidas pela 21ª Vara Federal em Pernambuco.
Segundo essa tese, o direito de demarcação de terras indígenas é limitado à comprovação de ocupação das áreas reivindicadas na época da promulgação da Constituição Federal de 1988. "Desconhece-se, desse modo, que, antes da Constituição de 1988, os indígenas eram tutelados, o que significava, entre outras coisas, que dependiam da ação do Estado para exigir seus direitos perante a Justiça. A isso se soma o fato de que, até pouco antes da promulgação da Carta Política atual, muitas comunidades tinham sua identidade negada pelo Estado brasileiro, impossibilitando-as de comprovar sua posse nas áreas em questão", destaca o MPF nos recursos. Reforça ainda que, com a adoção do marco temporal, são ignoradas todas as expulsões e retiradas forçadas sofridas pelos indígenas, muitas inclusive praticadas durante o período em o país viveu sob o regime de ditadura militar.
"A tese do marco temporal, se aplicada de maneira automática e como critério absoluto, acaba por penalizar e restringir os direitos dos povos indígenas, na contramão do que dispõe a própria Constituição de 1988", considera o MPF, que, em notas técnicas (disponíveis aqui e aqui) da Câmara de Populações Indígenas e Comunidades Tradicionais (6ª CCR/MPF), analisou o regime jurídico das terras tradicionalmente ocupadas pelos índios.
O próprio STF, em duas oportunidades recentes (Ação Civil Originária 362 e Ação Civil Originária 366), reconheceu que a tese do marco temporal de 1988 não é automática, nem se aplica a todos os casos em que se discute a demarcação de terras ocupadas por populações tradicionais, como indígenas e quilombolas.
Perícia - O MPF pede, ao Tribunal Regional da 5ª Região, o recebimento das apelações no efeito suspensivo, além de requerer a decretação da nulidade das sentenças, em virtude do cerceamento de defesa e do direito à produção de provas requeridas pelas partes dos processos, bem como com a consequente determinação de realização de perícias antropológicas, negadas pelas sentenças da 21ª Vara Federal. Para o MPF, a perícia é fundamental para a obtenção de dados pretéritos, podendo esclarecer pontos ainda controvertidos e embasar uma solução justa no caso.
Competência - O MPF também requer que seja reconhecida, para julgar o caso, a competência da 18ª Vara Federal em Pernambuco, situada em Serra Talhada, onde já tramitou ação civil pública para que fosse concluído o processo de demarcação das terras indígenas dos Pipipã. Na decisão judicial expedida em 2014, de caráter definitivo, a Funai foi condenada a finalizar, em até 24 meses, o procedimento de demarcação das terras dos Pipipã, no município de Floresta.
Íntegra do recurso no caso da Fazenda Serra Negra.
Íntegra do recurso no caso da Fazenda Caraíbas.
Processos no 0811413-34.2017.4.05.8300 e 0810726-57.2017.4.05.8300 - 21ª Vara Federal em Pernambuco
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