70 milhões sem luz

O Globo, Economia, p.21 - 22/03/2018
70 milhões sem luz

MANOEL VENTURA, RAMONA ORDOÑEZ, BRUNO ROSA LUIS GUILHERME JULIÃO E economia@oglobo.com.br

RIO E BRASÍLIA- Uma falha na recém-inaugurada linha de transmissão que leva eletricidade da usina hidrelétrica de Belo Monte, no Pará, para o restante do país interrompeu ontem o fornecimento de energia em 14 estados das regiões Norte e Nordeste, atingindo cerca de 70 milhões de pessoas. Também houve cortes isolados em outras partes do Brasil, inclusive no Rio. Ao todo, as regiões afetadas correspondiam a 22,5% da carga total do Sistema Interligado Nacional (SIN) no momento da falha. Foi o maior apagão a afetar Norte e Nordeste desde 2010, quando praticamente todos os estados dessas regiões ficaram sem luz.

A falha do sistema, que ocorreu no meio da tarde, teve reflexos ainda em estados do Sul, CentroOeste e Sudeste por causa de um mecanismo previsto no sistema para evitar que um blecaute atinja todo o país. No Rio, pelo menos 533 mil consumidores ficaram sem energia em 16 municípios. Na capital, segundo a Light, 321 mil clientes em bairros das zonas Norte e Oeste, como Jacarepaguá, Campo Grande, Penha e Inhaúma, ficaram sem luz por três minutos. Nas áreas da Região Metropolitana, como Niterói e São Gonçalo, abastecidas pela Enel, foram cerca de 12 minutos.

O apagão causou mais transtorno para quem vive no Norte e no Nordeste. Na maioria das cidades dessas regiões, durou mais de três horas. Segundo o Operador Nacional do Sistema (ONS), o incidente ocorreu às 15h48m. Até as 20h de ontem, 40% do Nordeste permaneciam sem energia. Em estados como Pará e Rio Grande do Norte, todos os municípios foram atingidos. Todos os estados nordestinos foram afetados. Na Região Norte, apenas Roraima e Acre, que não integram o SIN, não foram atingidos.

Segundo o governo e o ONS, o motivo para o blecaute foi falha técnica na linha de transmissão da concessionária Belo Monte Transmissora de Energia (BMTE). O problema foi num disjuntor de uma das estruturas de transmissão na subestação Xingu, que recebe a energia da hidrelétrica.

- Recebemos informações de que houve tomada de carga de Belo Monte, que vinha operando em 2 mil megawatts e iria para 4 mil megawatts. Essa linha saiu (do sistema). No momento, a carga no país era de 80 gigawatts e o sistema perdeu 18 gigawatts, uma perda bastante significativa. Logo após o incidente, a carga começou a ser restabelecida. Mas como a perda foi significativa, isso leva um tempo - disse o ministro de Minas e Energia, Fernando Coelho Filho.

A empresa Norte Energia disse que o apagão não tem relação com a usina de Belo Monte. Já a BMTE disse que o motivo do desligamento está em análise, mas atribuiu a falha a um "mal funcionamento da proteção do disjuntor" na subestação Xingu.

FALHA EM MOMENTO DELICADO PARA O GOVERNO

O apagão vem em um momento em que o governo tenta alterar as regras do setor elétrico, tenta privatizar a Eletrobras (principal empresa da área no país) e discute a sucessão no Ministério de Minas e Energia. Coelho Filho filiou-se ontem ao PMDB para tentar se reeleger como deputado federal por Pernambuco este ano.

O chamado linhão de Belo Monte entrou em operação em dezembro do ano passado, antecipando em dois meses o cronograma inicial. A linha, orçada inicialmente em R$ 5 bilhões, tem 2.076 quilômetros de extensão e passa por quatro estados. A construção foi interrompida em 2015 após a espanhola Abengoa abandonar as obras alegando dificuldades financeiras. Após atrasos, o projeto foi assumido pela chinesa State Grid, que já era responsável, com a Eletrobrás, por outra parte da linha de transmissão.

A falha aconteceu no projeto que a State Grid assumiu da espanhola Abengoa. A linha estava em testes desde o fim de semana e aumentando gradativamente a sua potência. A queda ocorreu por conta de erro na calibração do disjuntor, equipamento que faz o controle automático da energia que passa pela linha. Segundo fonte no governo, o componente estava calibrado para receber até 3.700 megawatts (MW) de potência, em vez de mais de 4 mil MW, como previsto inicialmente. Quando a transmissão atingiu volume mais alto, o disjuntor simplesmente desligou, paralisando o resto da rede.

No fim de janeiro, esse mesmo linhão sofreu outro desligamento que afetou alguns estados de maneira isolada. Apesar disso, o ministro das Minas e Energia disse que a linha não é frágil: - A linha tem condições de suportar isso. Roberto Pereira D'Araujo, diretor do Instituto de Desenvolvimento Estratégico do Setor Energético (Ilumina), avalia que apagões como o de ontem refletem os problemas estruturais do sistema elétrico brasileiro. Ele critica a construção do linhão de Belo Monte de forma fragmentada, envolvendo diferentes fornecedores:

- Quem mais sofre é a Região Nordeste, que está vulnerável a isso tudo, pois enfrenta uma grave crise hídrica. Por isso, a região demorou mais para ter sua energia restabelecida.

O efeito dominó na queda de energia ocorre porque a rede de Belo Monte está conectada por essa linha de transmissão ao SIN, que interliga todos os estados do país. O fornecimento demora para ser restabelecido porque precisa ser feito aos poucos, para não sobrecarregar o sistema ou deixá-lo com excesso de energia. O governo, contudo, diz que não há risco de novos apagões.

- O sistema hoje tem condições de atender a toda carga sem risco. Todos os indicadores que temos é que o sistema vinha atuando com bastante robustez - disse o diretor-geral do ONS, Luiz Eduardo Barata. - A relação entre capacidade de geração e demanda era bastante folgada.



O Globo, 22/03/2018, Economia, p.21


https://oglobo.globo.com/economia/apagao-atinge-estados-do-nordeste-norte-22512506
Energia:Política Energética

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