Viaje com o Google Earth pelos locais sagrados dos povos da Amazônia

Revista Galileu - https://revistagalileu.globo.com - 19/06/2018
Viaje com o Google Earth pelos locais sagrados dos povos da Amazônia
Experiência interativa conta a história dos povos tukano, que habitam o Alto do Rio Negro há cerca de 3 mil anos

19/06/2018 - 13H06/ atualizado 14H0606 / por Felipe Floresti

Antes da chegada dos invasores europeus, a Amazônia era densamente povoada. Um estudo publicado em março de 2018 estima que entre 8 e 10 milhões de indígenas conviviam de forma harmoniosa com a floresta, não só tirando seu alimento, como contribuindo para o aumento da biodiversidade e fertilidade do solo. Parte da beleza natural da Amazônia foi plantada por mãos indígenas.

Como já sabemos, a história não favoreceu as complexas civilizações nativas. Em alguns cantos, porém, o difícil acesso manteve vivos alguns desses povos e com eles as crenças e tradições que os fazem manter essa relação simbiótica com o mundo em que vivem.

Foi atrás dessas histórias que embarcou uma equipe liderada pela antropóloga Aline Scolfaro, do programa Rio Negro do Instituto Socioambiental (ISA), em duas expedições em que percorreu mil quilômetros dos rios Negro e Uaupés, da foz em Manaus até a nascente, já na Colômbia.

Com ela, integrantes dos povos Tukano, Desana, Piratapuia, Tuyuka, Bará e Barasana, descendentes daqueles que habitam o Alto do Rio Negro há pelo menos 3 mil anos. "Muitos só conheciam esses lugares no plano espiritual, ou nas narrativas transmitidas pelos antepassados. Fizemos um registro audiovisual do processo e das histórias que eles iam narrando", contou à GALILEU Aline Scolfaro.

Foram visitados 60 lugares sagrados pelos povos, que além das crenças dividem a mesma
família linguística: Tukano Oriental. Resultou em 300 horas de filmagens que viraram o documentário "Pelas Águas do Rio de Leite", lançado em março deste ano, em que contam a história do tempo da criação do Mundo.

Segundo a cosmovisão dos tukano, antes de do mundo existir, havia somente o Avô do Universo, sozinho no escuro da "Maloca do Céu". Até que um dia resolveu criar águas, terras, matas, dias e ar, nuvens e ventos, e seres humanos para habitar esse novo mundo. Por último fez surgir a Gente da Transformação, ancestrais dos tukanos.

Foi no ponto de início da jornada da Gente da Transformação em direção ao centro da Terra que partiu a expedição da antropóloga. Foz do Rio de Leite, ou Ohpekõ Diá Pitó na língua local, é como chamam o ponto de encontro das águas escuras do rio Negro com o marrom do Rio Solimões, que não se misturam por seis quilômetros. Foi ali, no extremo leste, onde o Sol Nasce, que o Avô do Universo transformou uma grande cobra em canôa e mandou que os ancestrais tukanos embarcassem.

Ao longo do trajeto pelo "caminho de leite", a cobra-canoa fez diversas paradas. Em cada uma delas, os ancestrais tukanos adquiriam os poderes e conhecimentos que até hoje compõem sua cultura. Em uma delas, Wihõ Wii, ou casa de Paricá, utilizaram uma substância alucinógena extraída de uma árvore de mesmo nome. "Com isso adquiriram o poder de enxergar as doenças e, assim, curá-las," explica no documentário Ercolino Alves, conhecedor Desana.

O ponto final da jornada é a cachoeira de Ipanoré, onde o Avô do Universo disse aos ancestrais para que emergissem para esse mundo. Até então a Gente de Transformação eram espíritos sem uma forma definida. Um buraco próximo à cachoeira, chamado Pamuri Pe em tukano, que quer dizer buraco da transformação, foi o ponto em que emergiram do mundo subaquático para se transformarem em seres humanos.

A partir desse momento, os ancestrais de cada povo seguiram para os territórios destinados pelo Avô do Universo, nas cabeceiras dos rios Uaupés, Papuri, Tiquié e afluentes, munidos dos conhecimentos obtidos no trajeto. Agora, três mil anos depois, a preocupação é que esses poderes ancestrais não se percam.

"Os mais velhos se ressentem que essas tradições, tão importantes para a vida deles hoje, para o manejo ambiental, a medicina tradicional, todo esse arcabouço de conhecimento, esteja sendo esquecido pelas gerações mais novas, formadas na escolarização formal", revela Aline Scofaro. "O Rio Negro tem uma história antiga de contato. Uma atuação forte de missionários, então as transformações culturais foram profundas no último século".

Para ajudar a preservar toda a sabedoria do Avô do Universo, o Google Earth, em parceria com o ISA, transformou parte do conteúdo do documentário "Pelas Águas do Rio de Leite" em uma experiência interativa. Lançado nesta terça-feira, 19 de junho, traz uma viagem virtual por onze pontos sagrados pelo caminho da cobra-canoa.

"O registro é importante para eles, mas para a gente também. Os não-indígenas têm oportunidade de aprender a relação especial que esses povos têm com seu território. Esses conhecimentos profundos que formam a prática da vida hoje em dia", concluiu a antropóloga.

https://revistagalileu.globo.com/Sociedade/noticia/2018/06/viaje-com-o-google-earth-pelos-locais-sagradas-dos-povos-da-amazonia.html
PIB:Noroeste Amazônico

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