Comissão de ética abre processo para apurar contratação de ex-presidente da Funai por mineradora

O Globo (Rio de Janeiro - RJ) - 31/07/2018
BRASÍLIA - A Comissão de Ética Pública da Presidência da República decidiu abrir processo para apurar a conduta do general da reserva Franklimberg Ribeiro de Freitas, que assumiu cargo de presidente do conselho consultivo para assuntos indígenas da mineradora canadense Belo Sun menos de três meses depois de ser demitido da presidência da Fundação Nacional do Índio (Funai). O general foi contratado pela Belo Sun sem cumprir quarentena de seis meses, prevista na lei de conflito de interesses, e sem nem mesmo ter consultado a Comissão de Ética da Presidência sobre a necessidade ou não do afastamento. A história foi revelada pelo GLOBO no último dia 24 de julho.

Em reunião do colegiado na tarde desta segunda-feira, os integrantes da comissão decidiram instaurar um processo de apuração ética para investigar Franklimberg. O motivo para a abertura do processo foi a "ausência de consulta sobre possível conflito de interesses no exercício de atividade privada nos seis meses subsequentes à exoneração do cargo de presidente da Funai". A informação consta de nota à imprensa da Comissão de Ética Pública divulgada nesta terça-feira e assinada pelo presidente do colegiado, Luiz Navarro.

Diante dos indícios de irregularidade, a Comissão de Ética Pública optou por já abrir o processo. Em outros dois casos analisados pelo colegiado, a decisão foi pela solicitação de informações e esclarecimentos.

A comissão decidiu pedir esclarecimentos ao ex-ministro do Trabalho Helton Yomura, afastado do cargo por decisão do Supremo Tribunal Federal (STF) e demitido logo em seguida. Ele é suspeito de participação no esquema de pagamento de propina para emissão de registros sindicais, objeto da Operação Registro Espúrio, da Polícia Federal (PF). Já o ministro da Secretaria de Governo da Presidência da República, Carlos Marun, deve fornecer informações sobre viagem a Nova York que teria sido custeada pelo ex-prefeito de São Paulo João Doria, candidato do PSDB ao governo de São Paulo.

Franklimberg chegou ao conselho para assuntos indígenas da Belo Sun num momento em que a mineradora tenta derrubar decisão da Justiça que barrou a licença de instalação de um projeto de exploração de ouro ao lado de uma terra indígena. A Belo Sun quer explorar cinco toneladas de ouro por ano, ao longo de pelo menos 12 anos, no sudoeste do Pará, mais especificamente na cidade de Senador José Porfírio.

ENTENDA O CASO

Em dezembro do ano passado, o Tribunal Regional Federal (TRF) da 1ª Região suspendeu a licença de instalação da mineradora, uma vez que os povos indígenas que seriam afetados com o projeto devem ser consultados, seguindo os protocolos internacionais existentes, em especial uma convenção da Organização Internacional do Trabalho (OIT). As comunidades Juruna e Arara, da Volta Grande do Xingu, devem ser consultadas, conforme a decisão da Justiça. Índios da região do Xingu serão afetados pela exploração do ouro na região, conforme entidades que atuam na área.

A mineradora, então, decidiu criar um conselho consultivo para assuntos indígenas, comunitários e ambientais. O presidente do conselho é o ex-presidente da Funai, que se reportará ao presidente e CEO da Belo Sun e ao conselho de administração da mineradora canadense. No comunicado sobre a indicação dele para o cargo, a empresa afirma que Franklimberg foi presidente da Funai até março deste ano. A exoneração foi publicada no Diário Oficial da União em 24 de abril, na verdade.

Devem se submeter à lei de conflitos de interesse ministro de Estado, ocupantes de cargos de natureza especial e presidentes, vice-presidentes e diretores de autarquias, fundações públicas, empresas públicas ou sociedades de economia mista, além de ocupantes de cargos de direção e assessoramento superior níveis 5 e 6 (DAS 5 e 6). A Funai é uma autarquia, e o presidente da Funai ocupa um cargo de confiança DAS 6.

Pela lei, configura-se conflito de interesse a aceitação de "cargo de administrador ou conselheiro ou estabelecer vínculo profissional com pessoa física ou jurídica que desempenhe atividade relacionada à área de competência do cargo ocupado", num prazo de seis meses após a exoneração do cargo. A exceção é se houver uma "autorização expressa" da Comissão de Ética Pública da Presidência da República.

Por terem tido acesso a informações privilegiadas, esses ex-gestores devem consultar a comissão sobre a necessidade de cumprimento de quarentena, antes de aceitar emprego em área relacionada na iniciativa privada. Se a comissão entender haver necessidade, o ex-gestor público deve ficar em quarentena por seis meses e receberem salário durante o período.

A Belo Sun sustenta que o conselho para o qual o general foi contratado tem natureza "estritamente consultiva, opinativa e multidisciplinar". "O papel principal do general Franklimberg Ribeiro é aconselhar o CEO e o Conselho de Administração canadense sobre as políticas e questões de seus investimentos, para viabilizar as ações da Belo Sun em seus projetos na Amazônia, em conformidade com a legislação e a realidade socioeconômica vigente no país", afirma.

Segundo a mineradora, o general ainda não recebeu salário para atuar, apesar de o contrato já ter sido assinado. "A vigência do contrato está condicionada ao término da quarentena ou aprovação da Comissão de Ética Pública do Palácio do Planalto. O comunicado ao mercado foi realizado para atender exigências legais do mercado canadense, uma vez que a empresa possui ações cotadas em bolsa." Franklimberg diz que não fala a respeito por não ter autorização da empresa.

https://oglobo.globo.com/brasil/comissao-de-etica-abre-processo-para-apurar-contratacao-de-ex-presidente-da-funai-por-mineradora-22936027
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