Andujar elegeu como pátria palco de drama que se mantém vivo

Folha de S. Paulo https://www1.folha.uol.com.br/ - 14/12/2018
Há algo dramático no fato de as fotografias da luta pela sobrevivência dos ianomâmi, feitas por Claudia Andujar, estarem tão atuais agora quanto há 40 anos, quando a ditadura militar a proibiu de continuar fotografando o infortúnio dos índios.

Como Prometeu, a cada vez que o trabalho dessa fotógrafa, de indiscutível potência estética, parece ganhar o papel de registro histórico, quando as feridas poderiam cicatrizar, um novo golpe faz jorrar novamente o sangue. Nessas oportunidades, as imagens de Andujar recuperam o calor jornalístico, como retrato de um desastre presente.

Nos últimos anos, mais uma vez, uma invasão garimpeira invade a terra, destrói as florestas, contamina os rios de mercúrio e espalha malária e outras doenças.

Em junho passado, veio à luz a notícia de um enfrentamento entre garimpeiros e um grupo de índios isolados. Ali, a história se repete sempre como tragédia.

Andujar foi expulsa de Roraima em 1977, quando o projeto faraônico de um conjunto de estradas projetado pelo governo militar, uma fortuna jogada no ralo, destruía a floresta e ameaçava acabar com os ianomâmi.

Levantamento da época indica que, até o final dos anos 1980, cerca de 15% dos índios morreram principalmente por doenças que, nos brancos, são benignas ou têm tratamento.

Afastada do epicentro do drama, Andujar despejou sua energia na formação da Comissão pela Criação do Parque Yanomami, uma pioneira ONG que se tornou referência internacional de militância indigenista.

Dez anos depois, sua causa retornava ainda mais intensa quando uma corrida do ouro atraiu para a região 40 mil garimpeiros, duas ou três vezes mais gente do que toda a população indígena.

Por vários meses, o aeroporto de Boa Vista foi líder de tráfego aéreo no país. Era o garimpo financiado pela elite de Roraima e de todo o Brasil, que não se importou em ser coadjuvante de um genocídio, até virar manchete negativa no mundo todo.

Em 1991 veio uma vitória, quando o governo do presidente Fernando Collor, atento aos olhos do mundo, às vésperas da reunião da ONU chamada Rio-92, homologou a criação da Terra Indígena Yanomami como um território contínuo, na totalidade do que a Constituição determina.

O governo, com o Exército e a Polícia Federal, expulsou os garimpeiros. Parecia que as fotografias de Claudia Andujar se tornariam o retrato de uma desgraça superada.

Mas o garimpo se manteve, reduzido e discreto, até explodir novamente com a hipervalorização do ouro após a crise mundial de 2008. Até meados deste ano, o número de garimpeiros subiu a 5.000 pessoas, com a inação da Funai e a ativa participação do establishment local.

A curva só se reverteu em agosto, quando o Exército tomou para si a tarefa de expulsar os garimpeiros e estabelecer postos de vigilância permanente em locais estratégicos.

Desde então, pelo menos 2.000 garimpeiros deixaram a área. A Justiça Federal acaba de determinar que a Funai exerça a vigilância e que a União garanta os recursos orçamentários para o exercício da missão constitucional de proteção. Ela não é uma opção do governo de plantão, mas uma imposição da Carta Magna. Foram duas boas notícias em uma lista de retrocessos e ameaças.

Andujar nasceu na Europa conturbada do entreguerras, de pai judeu húngaro e mãe cristã, suíça; cresceu numa cidade, Oradea, que ora era território da Hungria, ora da Romênia. Com a mãe, conseguiu fugir do Holocausto, em 1944, atravessando a fronteira da Suíça. Depois da guerra, morou nos Estados Unidos e no Brasil, adotou a nacionalidade brasileira e recentemente disse em uma entrevista à Folha que se considera ianomâmi. Os índios também a consideram sua parente.

Nacionalidade é destino e escolha. Depois de tanto penar as desventuras da Europa do século 20, Andujar elegeu como pátria o palco de um drama que se mantém vivo no século 21. E é assim que retorna, com suas fotos, para denunciar uma tragédia atual.




https://www1.folha.uol.com.br/ilustrada/2018/12/andujar-elegeu-como-patria-palco-de-drama-que-se-mantem-vivo.shtml
Produção Cultural:Fotos e Ilustrações

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