A Terra Indígena Manoki está situada a 100 quilômetros da cidade de Brasnorte, no noroeste do Estado, a 625 quilômetros de Cuiabá. Margeada à direita pelo rio Cravari e à esquerda pelo rio do Sangue, o território é formado pelos biomas Amazônia e Cerrado.
Mas como é cercada por inúmeras fazendas que produzem soja e gado, os cerca de 500 indígenas que moram em oito aldeais estão enfrentando a mais grave consequência dos incêndios florestais, provocados pelas queimadas das lavouras do agronegócio.
Os indígenas Manoki denunciam que os incêndios devastaram cerca de 2 mil hectares do território. Grandes árvores, plantas medicinais, frutíferas, animais da caça tradicional foram consumidos pelo fogo. E a fumaça tem provocado doenças respiratórias, principalmente, nas mulheres, idosos e crianças.
É nesse cenário - que desde o mês de junho -, incêndios criminosos têm ocorrido, segundo a liderança indígena Giovani Tapurá. Ele diz que são pessoas ligadas as associações de produtores locais, que disputam judicialmente a terra dos Manoki, que são os responsáveis pelos crimes ambientais.
"Eles estão expandindo a agropecuária em nosso território e não estão respeitando a demarcação, pois há placas de venda de área, novas placas de fazendas e também estão roubando a nossa madeira no decorrer do ano", denuncia.
Giovani, que é filho do cacique Manoel Kanunxi, uma grande liderança do povo Manoki, destaca que a queimada mais grave ocorreu no dia 23 de agosto. A queimada começou em uma pastagem de gado e expandiu para a área florestal do território indígena. "A vegetação que eles estão destruindo é mata amazônica. O que a gente mais usava nesse espaço eram plantas medicinais e também tinham vários frutos por lá. E por ser uma região de mata a gente encontra muita caça ali e essa prática, muito tradicional do nosso povo, está sendo prejudicada, pois eles estão derrubando tudo, botando fogo e colocando o gado", disse a liderança.
Manoki é como se autodenominam os indígenas mais conhecidos como Irantxe, cuja língua não tem proximidade com outras famílias linguísticas, segundo estudo do Instituto Socioambiental. Eles, que hoje formam um grupo de mais de 600 pessoas, vivem em dois territórios. Terra Indígena (TI) Iranxe Manoki, com 45.555 hectares homologados, e a TI Manoki com 206.445 hectares declarados, ambas totalizando 252 mil hectares.
Há outro grupo do mesmo tronco linguístico Irantxe, os Myky (fala Mükü), também chamados de Menky Manoki, que se manteve isolado da sociedade nacional até 1971. Eles têm dois territórios ambos denominados Menkü: um com 47.094 hectares já homologado; e outro com 146.398 hectares, que está identificado pela Fundação Nacional do Índio (Funai). Os Myky são 236 pessoas.
Os Manoki e os Myky sofrem igualmente as consequências do cerco da especulação imobiliária em seu território. No processo de colonização do Brasil "foram praticamente dizimados em decorrência de massacres e doenças advindas do contato com os brancos. Em meados do século XX, a maior parte dos sobreviventes não viu alternativa senão viver em uma missão jesuítica, responsável por profunda desestruturação sóciocultural do grupo. Em 1968, os Manoki receberam do governo federal uma terra fora de sua área de ocupação histórica, cujas características ambientais inviabilizaram o uso tradicional dos recursos", diz o ISA.
É no território Manoki de 206,4 mil hectares que há invasões de terras por fazendeiros e expansão do agronegócio, inclusive, com questionamento judicial contra a demarcação.
Devido a não regularização de todo desse território, a Funai disse ao O Bom da Notícia, em resposta por e-mail, que "acompanhe essa situação [das queimadas na TI Manoki]", mas sua atuação "nessa área é limitada, necessitando de apoio e acompanhamento dos órgãos ambientais estadual.
"No caso da TI Manoki, pelo fato dos focos de calor registrados estarem localizados em áreas ocupadas por não indígenas, a responsabilidade pelo combate, na omissão do próprio ocupante, seria do órgão ambiental estadual. Em casos como este, cabe também ao órgão ambiental estadual realizar a fiscalização e identificação dos responsáveis pelos danos ambientais", diz a Funai.
Mato Grosso, conforme os dados Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (Inpe), é o campeão em queimadas na Amazônia Legal. De janeiro a agosto de 2019, os focos de calor aumentaram 80%: 17.396 pontos; contra 9.639 monitorados no mesmo período do ano de 2018. O Inpe registrou 186 fotos de queimadas na TI Manoki entre 1o. de janeiro a 4 de setembro.
http://queimadas.dgi.inpe.br/queimadas/bdqueimadas
Saúde vulnerável
As queimadas criminosas no território Manoki têm provocado problemas de saúde aos indígenas, diz Giovani Tapura. Ele conta que algumas crianças receberam atendimento médico em um posto de saúde instalado na aldeia. E confirma: as queimadas neste ano foram mais intensas em relação ao ano passado. O monitoramento do Inpe diz que em 2018, de janeiro a agosto, foram 68 focos.
"Nessa época [das queimadas] acontecem muitas complicações respiratórias e as mais vulneráveis são as crianças. A gente acredita que é consequência das queimadas. Estamos ainda em um período longo de estiagem, antes das primeiras chuvas. Então a gente teme que os problemas respiratórios se agravem, apesar da situação ainda estar controlada, sem nenhum problema de saúde mais grave. Aqui no bioma amazônico há muitas árvores medicinais e quando elas são queimadas a gente sabe que elas liberam muitas partículas de fumaça prejudiciais a nossa saúde", revela a liderança.
Giovani disse que enviou um vídeo do incêndio não território ao Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis (Ibama) e para outros órgãos federais de defesa do meio ambiente denunciando as queimadas na TI Manoki. No entanto, não acredita que alguma coisa seja feita para coibir os fazendeiros.
Indignado, a liderança indígena desabafa:
"Não existe fiscalização, é tudo liberado neste país. A mata, está tudo queimado. A gente não sabe se vai ter resposta pra gente, porque atualmente essas entidades responsáveis pela fiscalização estão todas defasadas e não conseguem cuidar do meio ambiente, principalmente dessa área que já tem decreto presidencial [reconhecimento de terra indígenas] desde 2008".
Terra sub judice
Giovani Tapurá explica que ao dar início a demarcação da TI Manoki, a Funai respeitou todos os trâmites administrativos e direito de defesa das associações de produtores. Porém, os fazendeiros não aceitaram os pareceres do órgão e decidiram recorrer na justiça comum travando a última etapa do processo que é a homologação do restante do território, isto é, dos 205,1 mil hectares.
O coordenador geral da Operação Amazônia Nativa (Opan) em Cuiabá, Ivar Busatto, explica que os Monoki esperam há dez anos que União conclua a regularização do território originário. Ele diz que os produtores rurais não poderiam promover a expansão agrícola, já que a terra está sub judice.
Conforme o indigenista, depois que a Funai realizou os estudos antropológicos da área foi que o processo de demarcação se reverteu e ficou comprovado que se tratava de uma terra originária dos Manoki. Por isso, ele entende que os fazendeiros também têm o direito de serem indenizados para saírem do local.
Busatto explica que é por este fato que não dá para dizer que os fazendeiros são invasores, pois estavam na área antes do ano 2000, quando o processo de demarcação se iniciou. Segundo o coordenador da Opan, os posseiros entraram com escritura e posse da terra, legalizada pelo governo estadual, sem saber que se tratava de uma terra indígena. "Existe um impasse nessa história, pois de fato eles precisam sair [os fazendeiros], mas a União também precisa indenizá-los".
Em relação as críticas do presidente Jair Bolsonaro com relação as demarcações de terras indígenas, Busatto ponderou que o governo, na verdade, precisa garantir o fortalecimento da estrutura da Funai para que esses processos "andem logo e atendam às necessidades de todos os envolvidos no conflito".
"Interessa a todos, índios e não-índios. É um jeito positivo de encontrar soluções, porque quanto mais a gente criar alguma discussão, piora o ambiente", ressaltou o coordenador da Opan.
De acordo com o líder Giovani Tupará, há quatro processos judiciais de fazendeiros tramitando na Justiça, contra a homologação definitiva das terras dos Manoki.
Das ações, segundo ele, três estão tramitando na segunda instância, no Tribunal Regional Federal da 1ª Região (TRF1), e uma na primeira instância, na Vara Única do município de Juíza (MT), de autoria do fazendeiro Phillip Monteiro Laignier Costa. Tupará disse que o Ministério Público Federal já pediu vistas desses processos e emitiu pareceres favoráveis a finalização da demarcação.
Outro processo é o movido pela Associação de Produtores Estrela D'alva. Em 2017, o TRF1 também determinou a continuidade da demarcação da TI Manoki, que estava suspensa por liminar da justiça de primeiro grau a pedido desta associação, que pretendia anular o processo.
No processo, consultado pelo O Bom da Notícia, a Estrela D'alva argumentou que a demarcação era irregular e deveria ser anulada, pois a Funai "não respeitou os princípios do contraditório e da ampla defesa, além de desrespeitar o posicionamento do Supremo Tribunal Federal (STF), que determinou a impossibilidade de ampliação de áreas já demarcadas, conforme julgamento do caso Raposa Serra do Sol".
Na questão do contraditório, o MPF argumentou que foram dadas todas as oportunidades para que os fazendeiros apresentassem suas defesas no processo administrativo da Funai, e que nesse sentido não houve violação dos princípios constitucionais, já que "a posse de que trata o processo não pode seguir o mesmo processo e diretrizes da simples posse civil, por se tratar de posse de terras indígenas baseada em direito congênito dessas comunidades".
Quanto ao argumento de desrespeito ao entendimento do STF, o MPF argumentou no processo que o julgamento do caso Raposa Serra do Sol não tem efeito vinculante e que no próprio caso foi autorizada a ampliação da demarcação, "respeitando a possibilidade de revisão dos limites de terra indígena já demarcada quando houver desrespeito aos preceitos da Constituição de 1988 no processo de demarcação anterior".
Conforme Giovani Tupará, a decisão favorável do TRF1 contra a liminar da associação Estrela D' alva é considerada uma vitória pelo povo Manoki, que pode contribuir para que as demais ações sejam revertidas na segunda instância.
O que dizem às autoridades?
Procurado pelo O Bom da Notícia, a assessoria de imprensa do Ibama não respondeu sobre o combate aos incêndios florestais na TI Manoki. Há também focos de queimadas na terra indígena Irentxe, com 3 pontos registrados em 4 de setembro.
Segundo a Funai, o Ibama acompanhar as queimadas na TI Manoki, em caráter suplementar, por se tratar de Terra Indígena já delimitada.
As brigadas federais que atuam nas Terras Indígenas são formadas pelo PREVFOGO/IBAMA, com o apoio da FUNAI. Elas são formadas e atuam em algumas Terras Indígenas já regularizadas, selecionadas a partir de critérios técnicos.
Em Terras Indígenas regularizadas que não possuem brigadas atuando em seus territórios, como é o caso do território Manoki.
"A Funai faz o acionamento primeiramente via Prev/Fogo/Ibama. Que então providencia, se possível, o deslocamento da brigada federal mais próxima para realizar o atendimento da demanda, podendo contar ainda com apoio da FUNAI. Caso não seja possível o atendimento, é realizado o acionamento de outros órgãos para apoio ao combate aos incêndios florestais nestas Terras Indígenas."
No caso da TI Manoki, pelo fato dos focos de calor registrados estarem localizados em áreas ocupadas por não indígenas, a responsabilidade pelo combate, na omissão do próprio ocupante, seria do órgão ambiental estadual. "Em casos como este, cabe também ao órgão ambiental estadual realizar a fiscalização e identificação dos responsáveis pelos danos ambientais", disse a Funai.
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PIB:Oeste do Mato Grosso
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