Por que a Amazônia está em chamas - e por que vai continuar queimando

Vice Brasil - https://www.vice.com - 05/11/2019
Visitamos as linhas de frente dos incêndios na Amazônia para nossa nova série no Hulu, VICE Investigates.

AMAZÔNIA, Brasil - Os incêndios em Arariboia começaram no final de setembro. Assim que um era apagado, outro começava. O território indígena no estado do Maranhão é lar de centenas de pessoas Guajajara e, nas profundezas da floresta, uma tribo não-contatada.

Daniel Guajajara é um dos "Guardiões da Floresta" de Arariboia, uma equipe de 20 homens que patrulha o território para impedir invasões de madeireiros, caçadores e incêndios. Quando a VICE News se juntou aos Guardiões para documentar as linhas de frente da agora infame temporada de incêndios, eles estavam passando dias inteiros combatendo o fogo.

De um cume com vista para um vale onde as chamas estavam se espalhando pelas árvores e fumaça preta enchia o ar, Daniel e sua equipe avaliaram sua estratégia.

"É um incêndio grande", ele disse. "Chamamos uma brigada de incêndio para nos dar apoio, mas não sabemos se eles virão, então estamos procurando um jeito de chegar atrás das chamas e impedir que elas se alastrem mais fundo na floresta e cheguem na tribo não-contada."

Naquele dia, os Guardiões abriram caminho pela floresta densa para evitar que um muro de fogo, que pode chegar até 4 metros de altura, se espalhasse mais. Armados apenas com facões e pedaços de pau, eles limparam trilhas entre a vegetação rasteira, na esperança de que o fogo se apagasse pelas bordas.

Os incêndios na Amazônia andam de mãos dadas com o desmatamento. De janeiro até o final de setembro, 85% mais floresta foi derrubada do que no mesmo período do ano passado, e como resultado aconteceram mais de 70 mil incêndios, um aumento de 30% de 2018.

Muitos desses incêndios foram começados por pessoas. No ciclo agrícola de desmatamento e queimada, árvores são cortadas, aí os troncos e a vegetação rasteira são queimados para limpar a terra para criação de gado. Alguns incêndios escapam para floresta virgem, ameaçando aqueles que vivem nela, incluindo os Guajajara.

Este ano, o ciclo de destruição não pode ser ignorado. Em agosto, fumaça grossa cobriu São Paulo, escurecendo o céu no meio do dia e causando ultraje nacional e depois internacional. Líderes mundiais se envolveram, oferecendo dinheiro para os esforços de combate ao fogo, e criticando publicamente o presidente populista do Brasil Jair Bolsonaro por não agir.

O presidente francês Emmanuel Macron se tornou um dos principais críticos de Bolsonaro.

Numa entrevista com a VICE News, Macron chamou a Amazônia de "um tesouro com um grande impacto até aqui em Nova York ou em Paris".

"Olha, quando falamos da floresta tropical, estamos falando sobre o melhor elemento natural para reduzir o CO2 e neutralizar parte das nossas emissões, considerando a captura de carbono pela floresta tropical", Macron disse a VICE News. "Essa não é uma questão pessoal. Precisamos de uma agenda de solução agora."

Mas para aqueles que querem explorar a Amazônia, os incêndios não foram fonte de ultraje. Para alguns, eles se tornaram um símbolo de orgulho e desafio patriótico contra uma agenda de conservação que eles acreditam que está atrasando o Brasil.

Em 10 de agosto, na cidade isolada e sem lei de Novo Progresso, no coração da floresta amazônica brasileira, um crime ambiental aconteceu.

Aquele ficou conhecido como o "Dia do Fogo" - uma série de incêndios coordenados e deliberados iniciados como uma demonstração de apoio a Bolsonaro e suas promessas de remover proteções ambientais.

Quando o Dia do Fogo chegou até a imprensa internacional, isso veio a simbolizar um senso perigoso de impunidade entre fazendeiros e invasores de terra no comando dessa nova onda de destruição da Amazônia.

Por todo o país, o lobby do agronegócio do Brasil está cada vez mais empoderado, e eles têm a atenção do presidente. A administração de Bolsonaro prometeu grandes mudanças para diminuir restrições para limpar terras, e tomou uma retórica linha-dura contra as ONGs trabalhando para conservar a floresta.
Cowboys e conservacionismo

A campanha de Bolsonaro foi encampada pela bancada BBB - boi, bala e Bíblia - de políticos rurais em parceria com candidatos evangélicos e de lei e ordem, para construir uma aliança forte na legislatura do país.

Essa mudança é encarnada pela ascensão do locutor astro de rodeios Cuiabano Lima, amigo próximo do presidente, que levou a VICE News para um de seus eventos recentes. Rodeios, competições de laço e música sertaneja estavam no cardápio - o Brasil atualmente tem alguns dos maiores peões do mundo.

"Agronegócio, sem dúvida, é parte da vida dos brasileiros", Lima disse a VICE News. "O Rio, São Paulo, as grandes cidades sempre esquecem que é isso que faz circular o sangue no coração do Brasil. E isso nos dá orgulho do país."

Esse orgulho, e essa mentalidade estilo "America First"/"Brasil acima de tudo" é sentido profundamente na Amazônia brasileira, onde fazendeiros como Jair Oliveira veem Bolsonaro como o homem que vai levar o país para a próxima fase de desenvolvimento. Oliveira é dono de 3 mil cabeças de gado e ranchos em terras que eram cobertas de floresta apenas 15 anos atrás.

Apesar de análises recentes mostrando que pelo menos 172 mil campos de futebol de floresta foram derrubados e queimados em 2019, Oliveira concorda com o presidente brasileiro que os incêndios estão sendo exagerados.

"Isso é política - para tornar algo internacional, para criar problemas para esse presidente. O presidente é muito bom com todo mundo. Ele quer ajudar todo mundo."

Para os líderes mundiais exortando o Brasil a tomar ações mais fortes na Amazônia para ajudar a lutar contra as mudanças climáticas, Oliveira tinha a seguinte mensagem: "Se o clima muda, não é responsabilidade do Brasil; é do mundo todo. Se Macron quer que eu mantenha minha floresta, ele que me pague".

No dia 1 de novembro, Paulo Paulino Guajajara, uma liderança indígena, foi assassinado a tiros na terra Arariboia numa provável emboscada.





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Amazônia:Queimadas

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