Militares levam Covid-19 a terra indígena remota da Amazônia, afirmam lideranças

FSP - https://www1.folha.uol.com.br/cotidiano - 06/06/2020
Militares levam Covid-19 a terra indígena remota da Amazônia, afirmam lideranças
Os dois primeiros casos foram de indígenas que trabalham em uma empresa de limpeza terceirizada a serviço da Aeronáutica

Fabiano Maisonnave
MANAUS

Lideranças indígenas responsabilizam os militares e um órgão do Ministério da Saúde por ter levado o novo coronavírus à Terra Indígena Parque de Tumucumaque (PA/AP), na remota fronteira com o Suriname, só acessível por via aérea. Há ao menos 23 infectados, incluindo uma mulher grávida de cinco meses transferida em estado grave a Macapá.

De acordo com essas lideranças, os dois primeiros casos foram de indígenas da aldeia Missão Tiriyó que trabalham em uma empresa de limpeza terceirizada a serviço da Aeronáutica.

No local, funciona o 1o Pelotão Especial de Fronteira (1o PEF), onde atuam cerca de 50 militares do Exército e da Força Aérea Brasileira (FAB). A base está a 10 km da fronteira com o Suriname e a 940 km em linha reta de Belém.

"Com certeza, os militares levaram", afirma Angela Kaxuyana, da região de Missão Tiriyó e membro da Coiab (Coordenação das Organizações Indígenas da Amazônia Brasileira).

Kaxuyana relata que um militar do Exército foi removido em estado grave para Belém, com diagnóstico da Covid-19. Procurado, o Comando Conjunto do Norte (CCN), sediado em Belém, confirmou a informação. Disse que ele está recuperado e que regressará a sua guarnição no Comando Militar da Amazônia (CMA), com sede em Manaus.

Em nota, o Ministério da Defesa afirma que "não é possível afirmar, com segurança, a origem do contágio na região, sendo contudo, muito pouco provável que seja a transmissão por militares da Força Aérea Brasileira".

"O que nos preocupa é que os indígenas tiveram contato com as outras aldeias do entorno. Há uma possibilidade de ter um número muito maior", afirma Kaxuyana. "As aldeias mais distantes têm interligação, eles visitam a família, transitam."

Ela afirma que, apesar do avanço da Covid-19, a presença do Dsei (Distrito Sanitário Especial Indígena) Amapá e Norte do Pará, órgão vinculado ao Ministério da Saúde, é mínima, e os testes rápidos para o coronavírus acabaram. Além disso, o Exército não tem brindado apoio.

"A aldeia está com um técnico de enfermagem do Dsei, um profissional indígena e um padre que está correndo pra cima e pra baixo. Não tem uma equipe que está fazendo frente a essa situação", afirmou Kaxuyana.

A Coiab está preocupada também com a Terra Indígena Paru d'Este, localizada abaixo de Tumucumaque. Há relatos de vários indígenas com sintomas da Covid-19, mas ninguém havia sido testado até esta sexta-feira (5).

Juntas, as duas TIs têm 4,3 milhões de hectares nos estados do Pará e do Amapá e abrigam nove povos indígenas em 63 aldeias. A população é de cerca de 3.200 pessoas.

DOIS FOCOS
Segundo Aventino Nakay, presidente da Associação dos Povos Indígenas Tiriyó Kaxuyana e Txikityana (Apiticatxi), além dos casos na base aérea, o novo coronavírus também foi detectado em indígenas que estavam em Macapá para tratamento médico e foram trazidos de volta pelo Dsei.

Esses casos foram registrados na aldeia Tuhaentu, a cerca de 2 km de Missão Tiriyó. A contaminação teria acontecido na Casai (Casa de Apoio à Saúde Indígena) de Macapá, a 600 km em linha reta. Mantida pelo Dsei, é o local de hospedagem para quem precisa de atenção médica na cidade.

"O Dsei deveria fazer os testes no pessoal. Mas acho que eles não tiveram esse controle e mandaram esse pessoal de volta já com vírus", afirma Nakay.

Segundo ele, a mulher grávida, que mora próxima à aldeia Tuhaentu, chegou a ficar em estado gravíssimo e só não morreu por causa de um tubo de oxigênio cedido pelo Exército. Removida em uma UTI aérea, ela está melhor e se recupera na Casai, isolada dos outros indígenas.

Boletim diário da Coiab contabiliza 2.463 casos de Covid-19 entre 68 povos indígenas da Amazônia até esta sexta (6). Os óbitos já somam 207 casos, em 37 povos indígenas.

A reportagem entrou em contato com o secretário de Saúde Indígena (Sesai), do Ministério da Saúde, o coronel do Exército Robson Silva. Via WhatsApp, ele solicitou que as perguntas fossem enviadas por e-mail. Até o fechamento desta edição, não houve resposta aos questionamentos.
Em nota, o Ministério da Defesa afirma que "mais de 32 mil militares das Forças Armadas integram a Operação Covid-19, apoiando a população e realizando diariamente diversas missões em todo o país para enfrentar a pandemia, auxiliar os profissionais de saúde e preservar vidas.

"Exemplo disso são os transportes de profissionais e materiais de saúde para a Amazônia Legal, ao longo dos últimos três meses, como as missões para Manaus, São Gabriel da Cachoeira, Tabatinga e os respectivos Pelotões Especiais de Fronteira (PEFs)", diz o ministério.

O CCN afirma que adota "cuidados criteriosos em assistir aldeias indígenas": "O CCN planeja as ações e executa de acordo com as solicitações de órgãos competentes como a Funai e Sesai, que cuidam das reservas.

"O Comando reitera que tem atuado com a doação de máscaras, kits de higiene, cestas básicas e outros donativos. Também tem dado atenção principalmente na construção e apoio logístico e operacional de centros de saúde em aldeias, na região do Pará", afirmou, via assessoria de imprensa.


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