Ongs temem que Covid repita outras doenças e dizime aldeias
Quatro indígenas já morreram por conta do coronavírus; dois deles eram bebês
BIANCA FUJIMORI
DA REDAÇÃO
A Federação dos Povos e Organizações Indígenas de Mato Grosso (Fepoimt) teme pelo extermínio de aldeias em decorrência do coronavírus, como ocorreu com outras epidemias.
"A gente teme que possa ocorrer um genocídio, como houve no sarampo, meningite, febre amarela. Eles [indígenas] estão se sentindo abandonados e sem controle da doença", alerta a assessora institucional da federação, Eliane Xunakalo.
Estas doenças acometeram as aldeias sobretudo na década de 70, durante as chamadas "frentes de atração" do Governo Militar, cujo objetivo era contatar e pacificar povos indígenas. Segundo a ong ISA (Instituto Socioambiental), os nambikwaras, por exemplo, chegaram a perder 90% de sua população em decorrência de doenças levadas pelo homem branco.
Mato Grosso possui 43 povos indígenas, além de nove que estão isolados, vivendo em situação ainda mais vulnerável durante a pandemia, conforme a Fepoimt.
O coronavírus já atingiu alguns povos de Mato Grosso, como os xavantes, na região de Barra do Garças, e kalapalos, no Parque Nacional do Xingu, onde já houve mortes de bebês por conta do vírus.
Em maio, um bebê de oito meses faleceu em decorrência do coronavírus. Da etnia xavante, a criança era neta do cacique da terra indígena Marãiwatsede, em Alto da Boa Vista.
No dia 13 deste mês, um bebê de 45 dias, do povo kalapalo, também morreu por Covid-19. Um dia depois, uma auxiliar de enfermagem, também xavante, foi vítima do coronavírus.
Na última quarta-feira (17), morreu um xavante de 45 anos, que estava internado havia uma semana em Barra do Garças.
Apesar disso, a instituição encontra dificuldades para monitorar os números de casos de infectados nas aldeias, portanto ainda não há dados exatos sobre quantos indígenas já contraíram a doença.
"Todos são vulneráveis, mas quem está passando por uma situação bem complicada é o povo xavante, já que começou por eles. Outras terras indígenas já estão acometidas pelo coronavírus", relata Eliane.
Já o coordenador geral da ong Operação Amazônia Nativa (Opan), Ivar Busatto, relembra os casos em que doenças infectocontagiosas dizimaram aldeias e faz um comparativo com a Covid-19. Ele afirma que os indígenas estão com medo.
"Há 50 anos, a situação era terrível. Eram doenças mais conhecidas, mas mais letais para a população indígena. Acontece que agora a gente tem mais informação de que essa pandemia está chegando, mas ela ainda é desconhecida. Traz o medo, um certo apavoramento, porque há na lembrança ainda aquelas histórias das gripes, sarampo, rubéola", revela.
Falta de estrutura
Segundo a Opan, a Secretaria Especial de Saúde Indígena (Sesai) não tem estrutura suficiente para dar conta da pandemia.
"A Sesai está fazendo um esforço grande, mas fica mais difícil durante a pandemia. Tem algumas limitações, as estruturas não estão muito bem adaptadas para esse tipo de situação. É algo fora dos padrões", expõe Ivar.
De acordo com dados do Distrito Sanitário de Saúde Indígena (DSEI) Xavante, apenas 8,5% das aldeias contam com uma Unidade Básica de Saúde Indígena (UBSI). Diante disso, cerca de 91,5% dos indígenas ficam sem medidas de vigilância à saúde, prejudicando a detecção a tempo dos casos de Covid-19.
Ivar explica que a Sesai, que conta com profissionais indígenas e não indígenas, faz um trabalho de atendimento de saúde primária. Quando o caso é uma pouco mais grave, o paciente é transferido para os hospitais regionais ou para a Capital.
Eliane ainda cita dificuldades de acesso às aldeias e deslocamento de pacientes. Ela diz que não há políticas públicas voltadas para esse tipo de problema na pandemia.
"Sabemos que grande parte da população indígena está em aldeias com difícil acesso, com deslocamento muito complexo e a gente não sabe como vai ser. Estamos está bem apreensivos com as coisas que estão surgindo".
A Federação também se diz preocupada com o esgotamento dos leitos de Unidade de Terapia Intensiva (UTI) no Sistema Único de Saúde (SUS).
"A situação não é boa e a gente está muito preocupado porque sabemos que as UTIs já estão lotadas nos hospitais. Muitos questionamentos, mas sem respostas", aponta Eliane.
Ações emergenciais
Por conta das famílias serem muito grandes e, geralmente, morarem cerca de 20 pessoas em uma mesma casa, o risco de transmissão do vírus é muito alto e dificulta a possibilidade de isolamento social.
Diante do descaso e do medo, algumas aldeias estão tomando suas próprias medidas para evitar a disseminação do vírus.
"Eles também estão fazendo a barreira sanitária. Com apoio das autoridades, evitam ir para a cidade e estão por conta própria construindo casas de apoio para aquelas pessoas que estão com sintomas leves nas aldeias, para isolar".
Já a Funai tem reforçado esse trabalho feito pelas aldeias, mas enfrenta dificuldades financeiras e falta de pessoal para dar conta da demanda, segundo Eliane.
Além disso, a Fepoimt tem reforçado na orientação dos povos indígenas sobre o coronavírus. Mas Eliane diz que isso não é o suficiente e cobra medidas mais enérgicas das autoridades governamentais.
"Além da informação, é necessário medidas de enfrentamento. A gente precisa disso com urgência. Os números são altos. O Estado tem a oportunidade de pensar junto com outras autoridades, com a sociedade civil, estratégias para evitar isso. E não esperar que aconteça para poder agir".
https://www.midianews.com.br/cotidiano/ongs-temem-que-covid-repita-outras-doencas-e-dizimem-aldeias/378008
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