Anac abre processo para apurar 'possíveis irregularidades' de empresa de táxi aéreo suspeita de atuar em garimpo ilegal

O Globo - https://oglobo.globo.com/brasil - 13/07/2020
Anac abre processo para apurar 'possíveis irregularidades' de empresa de táxi aéreo suspeita de atuar em garimpo ilegal
Icaraí Turismo continuou prestando serviço ao Ministério da Saúde e transportando índios e equipes, apesar de suspensão do certificado de operador aéreo. História foi revelada pelo GLOBO

Vinicius Sassine

A Agência Nacional de Aviação Civil (Anac) abriu um processo para apurar "possíveis irregularidades" cometidas pela Icaraí Turismo Táxi Aéreo, empresa que já recebeu R$ 24,3 milhões do Ministério da Saúde e que tem um sócio suspeito de ceder pequenos aviões ao garimpo ilegal de ouro na terra indígena ianomâmi, a maior do Brasil. Os contratos com a pasta, vigentes desde 2018, são para o transporte de índios e de equipes de saúde que atuam em seis distritos sanitários especiais indígenas (DSEIs), entre eles o Ianomâmi. Desde o último dia 17, a Icaraí está proibida de operar voos, por decisão da Anac, e mesmo assim a empresa seguiu transportando indígenas e equipes dos DSEIs.


As informações foram reveladas em reportagem publicada pelo GLOBO nesta segunda-feira. No começo da noite, a Anac informou que instaurou um processo para verificar as "possíveis irregularidades" referentes a normas de aviação civil.

A Icaraí está proibida de voar porque a Anac suspendeu cautelarmente o certificado de operador aéreo da empresa. O empreendimento "não demonstrou possuir controle sobre a qualificação de seus tripulantes, permitindo que estes tripulem aeronaves sem estarem aptos", conforme a decisão da Anac. Mesmo assim, a Icaraí continuou transportando indígenas e profissionais dos DSEIs, segundo informação confirmada ao GLOBO pelo próprio sócio da empresa, Rodrigo Martins de Mello.
A decisão da suspensão cautelar, adotada pela Anac em razão da falta de treinamento de pilotos e tripulantes, foi publicada no Diário Oficial da União. Helicópteros da Icaraí transportaram ainda empregados da estatal Companhia de Desenvolvimento dos Vales do São Francisco e do Parnaíba (Codevasf), vinculada ao Ministério do Desenvolvimento Regional. O pagamento foi feito no último dia 9.

O pagamento mais recente foi feito no último dia 1o, no valor de R$ 600 mil. Somente a gestão do general Eduardo Pazuello, ministro interino da Saúde, pagou mais de R$ 1 milhão à empresa. Contratos seguem vigentes até 2021.

O inquérito da Operação Tori da PF - o mesmo que resultou, no último dia 3, na prisão de Pedro Emiliano Garcia, condenado por genocídio de ianomâmis na década de 90 - traz a ordem de apreensão de uma aeronave de Mello. O processo também contém as fotografias e a denúncia formulada pelos indígenas. Um relatório da PF de 2017 afirma que o avião fazia voos para abastecer o garimpo ilegal às margens do Rio Uraricoera. Ainda segundo a PF, uma outra aeronave, de um dos presos na operação, estava no nome de Mello. Aviões de sua propriedade foram encontrados por policiais em pista de pouso usada por garimpeiros. Além disso, o empresário foi sócio de um dos acusados presos por operar pistas ilegais para o garimpo, conforme a PF.
Em abril deste ano, o empresário se envolveu em mais um episódio que aponta para a suspeita de ligação com o garimpo ilegal no território ianomâmi. O outro sócio da Icaraí acusou Mello de ter roubado dois helicópteros - levados do Pará e de Santa Catarina - e formalizou a acusação à Polícia Civil de Roraima, que obteve um mandado da Justiça para apreender as aeronaves. O sócio afirmou que temia o uso dos helicópteros em áreas de garimpo. Depois de dois meses de investigação, a polícia concluiu que não houve roubo. E as aeronaves seguem apreendidas.
Investigados por garimpo ilegal pela PF estavam por trás de uma outra empresa de transporte aéreo que prestava serviço aos DSEIs, a Paramazônia Táxi Aéreo. A empresa, porém, mudou de nome e de sócios em 2018, e virou a Voare Táxi Aéreo, conforme aprovado pela Anac. A Voare já recebeu R$ 197 milhões do Ministério da Saúde entre 2014 e 2020 (até 2 de julho) para transportar indígenas e profissionais de saúde às terras ianomâmi e à reserva Raposa Serra do Sol. A empresa também recebeu recursos de outros órgãos federais, como Exército e Fundação Nacional do Índio (Funai).

Uma segunda empresa de Mello, a Cataratas Poços Artesianos, prestou serviços a DSEIs e ao Exército e recebeu R$ 8,6 milhões entre 2014 e 2018. Documentos do inquérito da PF apontam ainda que ele foi sócio em uma terceira empresa, juntamente com um investigado que chegou a ser preso na Operação Tori. A empresa é a Tarp Táxi Aéreo, que recebeu R$ 29 milhões do Ministério da Saúde entre 2016 e 2018. O empreendimento já tem outros sócios.

A Icaraí enviou uma nota à reportagem assinada pelo sócio Paulo Brittes Martins. Segundo ele, Mello vem realizando "atos imprudentes na administração da empresa". Por haver um "desacordo sobre a integralização do capital social", uma ação de dissolução da sociedade foi ajuizada na Justiça em Araucária (PR), onde está sediada a empresa, em 20 de abril, diz a nota. Ao GLOBO, Mello afirmou que já prestou um depoimento à Justiça. A aeronave apreendida pela PF, por determinação da Justiça Federal, foi vendida, mas sem a conclusão do procedimento da venda junto à Anac, conforme o empresário.
Procurado pelo GLOBO, o Ministério da Saúde limitou-se a dizer que "a atual gestão da Secretaria Especial de Saúde Indígena tem sido rigorosa no cumprimento de pré-requisitos legais para contratação de serviços e atua com mecanismos de controle para evitar que irregularidades aconteçam". "As contratações só são efetivadas após apresentação de documentos exigidos pela Lei 8.666".



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