Desmatamento, grilagem e greenwashing da Ferrogrão
Aumento de grilagem e conflitos fundiários, desmatamento e violação dos direitos de povos indígenas estão entre danos ambientais, sociais e financeiros do projeto da Ferrogrão.
Mara Gama
Colunista do UOL 29/07/2021
Aumento de grilagem e conflitos fundiários, desmatamento e violação dos direitos de povos indígenas estão entre danos ambientais, sociais e financeiros do projeto da Ferrogrão. É o que aponta uma carta enviada a instituições financeiras no começo do mês e que alerta também sobre custos subestimados e problemas logísticos para a implantação da ferrovia. Entre eles, o risco de não atingir metas de desmatamento zero para as empresas agropecuárias que pretendem romper com a imagem negativa do agronegócio brasileiro nos mercados internacionais. A carta é uma forma de pressionar contra a construção da ferrovia, que terá 933 km de extensão, ligando a cidade de Sinop, em Mato Grosso, a terminais portuários de Miritituba, às margens do rio Tapajós, no estado do Pará. Segundo o documento, se as instituições que vão investir no projeto não avaliarem esses pontos, podem ser corresponsáveis pelos danos socioambientais da ferrovia. O documento foi produzido pelo grupo GT Infraestrutura, que reúne 40 organizações socioambientais, pesquisadores e cientistas na defesa de políticas de energia e infraestrutura na Amazônia e no Brasil. Além dos quatro riscos já citados, a carta aponta que o projeto ignora critérios internacionais de sustentabilidade, subestima o desmatamento de mais de 2 mil km² de floresta e aumenta a pressão para diminuir unidades de conservação. Segundo a carta, a ferrovia forçaria o avanço da fronteira agrícola sobre uma região da Amazônia onde os mecanismos de fiscalização ambiental são frágeis. Como riscos financeiros, o documento assinala que a ferrovia tem custos de construção subestimados dadas as dificuldades dos terrenos, em área de difícil acesso da floresta. A Ferrogrão é obra de infraestrutura prioritária do governo federal e do agronegócio. Faz parte do Programa de Parceria de Investimentos (PPI). Os recursos viriam da iniciativa privada e o prazo de concessão seria de 69 anos.
A ferrovia foi desenhada para escoar a soja produzida no estado de Mato Grosso para exportação. No ponto final da linha, há estação de transbordo de onde os grãos são levados aos terminais portuários do chamado Arco Norte, como Itacoatiara (AM), Santana (AP), Barcarena e Santarém (PA). A linha férrea acompanha o traçado da BR-163, que cruza parte do Parque Nacional do Jamanxim, a quinta unidade de conservação mais desmatada do Brasil, e está próxima a 16 terras indígenas dos povos Munduruku, Panará, Kayapó e do Território Indígena do Xingu. De acordo com uma convenção da Organização Internacional do Trabalho (OIT) e com a Declaração Americana sobre os Direitos Indígenas, povos indígenas e populações tradicionais têm direito ser consultados a respeito de decisões legislativas ou administrativas que afetem seus territórios e seu modo de vida. Mas as populações das terras próximas não foram consultadas durante a fase de planejamento da obra. Em outubro de 2020, o Ministério Público Federal e associações indígenas de povos do Xingu enviaram representação ao Tribunal de Contas da União (TCU) requerendo a devolução do projeto até que os povos impactados sejam consultados. Em março de 2021, o ministro do STF Alexandre de Moraes suspendeu os efeitos da lei 13.452/2017, resultante da Medida Provisória 758/2016, que modifica os limites do Parque Nacional do Jamanxim, no Pará, o que parou a tramitação do projeto da Ferrogrão. O ministro considerou que a ferrovia cruzaria a unidade de conservação e que a alteração nos limites da área para possibilitar a obra não poderia ser tratada por MP. O pedido foi do PSOL e a decisão ainda tem de ser analisada pelo plenário do STF. Além do GT Infraestrutura, são signatários da carta Observatório do Clima, Greenpeace, Instituto Socioambiental (ISA), Instituto Climainfo, Instituto Brasileiro de Defesa do Consumidor (IDEC), Comissão Pastoral da Terra (CPT), 350.org e Fórum de Mudanças Climáticas e Justiça Socioambiental, entre outros.
No último dia 20, o ministro da Infraestrutura, Tarcísio de Freitas, afirmou que a Ferrogrão é sustentável, que as discussões sobre seus impactos são "bobagem" e que os grupos que se opõem à ferrovia não conhecem a região. De acordo com o ministro, a Ferrogrão funcionaria como uma barreira à pressão fundiária ao limitar a abertura de ramais rodoviários em região de floresta. O governo defende que a construção da ferrovia vai consolidar um corredor capaz de reduzir custos de frete e de exportação de soja e milho. Como promessa verde, é a apontada a potencial redução de emissões de carbono que viria da substituição de caminhões movidos a diesel, que atualmente realizam o transporte de grãos pela BR-163. Não é o que pensam os signatários da carta de alerta aos investidores. Nem os ambientalistas que consideram a ferrovia como a nova usina de Belo Monte, pelos impactos ambientais óbvios e de grande escala. Para esses grupos, tratar a Ferrogrão como projeto sustentável é greenwashing, ou seja, apenas marketing enganoso. Críticos do projeto dizem que a Ferrogrão é fruto de um lobby de produtores de grãos que vai se beneficiar justamente do desmatamento e da grilagem de terras no coração da Amazônia e chamam o projeto de Ferrogrilo. Um estudo do Centro de Sensoriamento Remoto da Universidade Federal de Minas Gerais aponta que mesmo antes de terminada, as obras para a construção da Ferrogrão poderiam dividir de vez o corredor ecológico do Xingu, área que serve de proteção à região. Segundo o estudo, os impactos gerados pela obra se estendem por uma dimensão muito maior do que os previstos pelo governo, de 10 km para cada lado do trajeto. A construção pode interromper de vez a conectividade do corredor ecológico do Xingu, 26 milhões de hectares de florestas que formam um escudo de proteção à região. Sua divisão coloca em risco regime de chuvas e afeta o aquecimento global.
O tema mobiliza também ativistas de fora do Brasil. A convite da Apib (Articulação dos Povos Indígenas do Brasil), uma comitiva da Internacional Progressista deve vir ao Brasil a partir do dia 15 de agosto para pressionar contra a construção da ferrovia, em reuniões com lideranças indígenas, representantes de partidos e movimentos sociais. Fazem parte da Internacional Progressista Bernie Sanders, o ex-ministro grego Yanis Varoufakis, Noam Chomsky e Naomi Klein, além do ex-prefeito de São Paulo e ex-candidato à presidência Fernando Haddad.
https://www.uol.com.br/ecoa/colunas/mara-gama/2021/07/29/desmatamento-grilagem-e-greenwashing-da-ferrograo.htm
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