A crise dos indígenas Avá-Guarani desterrados por Itaipu

Agência Pública - https://apublica.org/ - 25/10/2021
Os meses de agosto e setembro foram de reencontros e conversas para indígenas Avá-Guarani que vivem no oeste do Paraná, nas proximidades do lago criado pela construção da usina hidrelétrica de Itaipu. Após o relaxamento das principais restrições impostas pela pandemia do coronavírus, caciques e outras lideranças convocaram a população das aldeias para discutir e tentar entender o sintoma mais chocante da crise que aflige a comunidade: o suicídio de jovens.

O problema iniciado em 2020 se agravou neste ano. Nos primeiros seis meses de 2021, foram registradas 11 mortes e 18 tentativas de suicídio entre Avá-Guarani. A maioria dos casos envolve indígenas de até 20 anos.

Só em aldeias na região do município de Santa Helena, às margens do rio Paraná e na fronteira entre o Brasil e o Paraguai, foram oito mortes e pelo menos 11 tentativas de suicídio de janeiro a setembro. Isso em uma população de 1.821 indígenas registrada no banco de dados da Secretaria Especial de Saúde Indígena (Sesai), ligada ao Ministério da Saúde, e compilada pelo Ministério Público Federal (MPF).

A situação assustou os Avá-Guarani. Mais do que isso. Deixou-os desnorteados ante uma faceta até então desconhecida da realidade contemporânea da juventude da etnia.

"Nossos ancestrais viviam caminhando pela mata, em meio à natureza. Era uma vida completamente diferente", diz João Miri Alves, 54 anos, cacique da aldeia Tekoha Añetete, localizada em Diamante d'Oeste, cidade vizinha a Santa Helena. "Hoje não tem mais mata. O indígena perdeu seu território, perdeu seu modo de vida e surgiram novos problemas."

O território citado por Alves deixou de ser dos indígenas para integrar a área sob controle da usina de Itaipu. Construída durante a ditadura militar, a barragem da hidrelétrica causou a inundação de 1.350 quilômetros quadrados - o equivalente a mais de 150 mil campos de futebol - entre o Brasil e o Paraguai em 1982. Boa parte disso tudo era habitada pelos Avá-Guarani, que perderam seu território.

Hoje, eles se dividem basicamente em duas situações: ou se "apertam" em três terras reservadas a eles após a construção da usina; ou resistem em sete acampamentos às margens do lago que fornece água para as turbinas da hidrelétrica a fim de reivindicar, na base da pressão, a recuperação das terras da etnia.

Improvisos e carências

É justamente nesses acampamentos que a situação dos Avá-Guarani é mais crítica e os suicídios, mais concentrados. Cada assentamento improvisado tem cerca de 20 famílias. O maior, Aty Mirim, em Itaipulândia, tinha 48 famílias no final do ano passado. 

No Aty Mirim e nos outros acampamentos, os indígenas vivem em barracos ou casebres cobertos por lona, dividem o pouco espaço que têm com patos e galinhas, não têm área para plantio e pouco ou quase nenhum auxílio do Estado para suprir suas carências.

A procuradora da República Indira Bolsoni Pinheiro, que acompanha a situação dos Guarani diz que "o suicídio é um sintoma complexo que deve ser investigado e analisado sob vários enfoques". Em relação às condições de vida, ela diz que os indígenas "são carentes de tudo". "Falta o básico: água, alimentos, locais para plantio, saneamento, atendimento médico, transporte e renda."

Também não há escolas indígenas para as crianças acampadas. Quem quer estudar precisa ir à cidade ou distrito rural mais próximo. Isso obriga crianças e jovens a manter contato quase que diário com a população não indígena ao redor. Pior: os obriga a lidar diariamente com os conflitos e a sensação de discriminação que esse contato traz.

"O indígena acampado nem sempre tem emprego, dinheiro para uma mochila, um uniforme, um tênis novo para seu filho", conta Celso Jopoty Alves, 32 anos, liderança dos Avá-Guarani e ex-cacique. "Esse jovem é discriminado, sofre perseguição, e isso tudo acaba contribuindo para a deterioração da saúde mental da comunidade."

Para os Avá-Guarani, aliás, a questão da saúde mental e dos suicídios se relaciona para além do indivíduo. Sua religião tradicional vê a depressão espalhar-se como um vírus suspenso no ar, impulsionada pela falta de rituais, inviabilizados pela pandemia do coronavírus. Sem um funeral adequado, conta Celso, o espírito do morto suicida "contamina" um jovem saudável. Um suicídio, ele diz, teria ligação com o outro.

"O que os jovens dizem é que, de repente, vem uma vontade de morrer. Com minha filha foi assim", confidencia o cacique João, falando da herdeira de 23 anos. "No caso dela, a gente conseguiu conversar, fizemos remédio natural e agora ela está bem. O problema é que nem todo jovem quer conversar com o pajé ou o cacique hoje em dia."

Fonte: https://apublica.org/2021/10/a-crise-dos-indigenas-ava-guarani-desterrados-por-itaipu/
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