Roraima: decreto federal vai prever pagar a indígenas por linha de energia em reserva, diz governador
Objetivo de obra do Linhão de Tucuruí é ligar Roraima ao Sistema Nacional de Energia. Senado adiou votação nesta terça de projeto que autoriza passagem da linha pela terra Waimiri-Atroari.
Por Pedro Henrique Gomes e Letícia Carvalho, g1 - Brasília
03/05/2022
O presidente Jair Bolsonaro se reuniu nesta terça-feira (3) com o governador de Roraima, Antonio Denarium (sem partido), ministros, senadores e deputados federais do estado para tratar da passagem pela reserva indígena Waimiri-Atroari do Linhão de Tucuruí, uma linha de transmissão para interligar Roraima ao Sistema Nacional de Energia (SNE).
O objetivo é levar energia a Roraima por meio do Sistema Nacional de Energia. O estado é o único não conectado ao sistema. Desde 2001, Roraima recebia energia da Venezuela, por meio do Linhão de Guri. Mas, em março de 2019, o país cortou o fornecimento.
Após a reunião, o governador afirmou que Bolsonaro assinou um decreto prevendo a destinação de R$ 90 milhões ao povo Waimiri-Atroari. O dinheiro seria uma compensação pelo impacto ambiental que a construção do Linhão de Tucuruí deve causar.
Apesar da destinação desse valor, os indígenas Waimiri-Atroari ainda vão deliberar sobre o valor definido pelo governo federal. Segundo Denarium, a empresa responsável pela construção do Linhão de Tucuruí arcará com eventuais custos extras das compensações que envolvem o projeto. O valor total previsto é de R$ 123 milhões.
Na noite desta terça-feira (3), o "Diário Oficial da União" publicou em edição extraordinária decreto que autoriza o Comitê Gestor do Pró-Amazônia Legal a "destinar recursos para reembolso de valores, a título de compensação por impactos socioambientais irreversíveis em terra indígenas", relacionados ao Linhão de Tucuruí. O texto do decreto não estipula valor.
A obra do Linhão de Tucuruí foi licitada pela Agência Nacional de Energia Elétrica (Aneel) em 2011. No entanto, o Instituto Brasileiro do Meio Ambiente (Ibama) só liberou a execução do projeto no ano passado. Isso porque estima-se que dos 715 km da linha que ligará Boa Vista e Manaus, 122 km de torres do Linhão devem passar pela terra indígena Waimiri-Atroari (veja mais abaixo).
Além de Bolsonaro e do governador Antonio Denarium, também participaram da reunião desta terça deputados e senadores de Roraima; o presidente da Fundação Nacional do Índio (Funai), Marcelo Augusto Xavier; e quatro ministros: da Casa Civil, Ciro Nogueira; da Justiça, Anderson Torres; de Minas e Energia, Bento Albuquerque; e da Família, Mulher e Direitos Humanos, Cristiane Britto.
Votação no Senado
O Senado tinha previsão de votar nesta terça-feira (3) um projeto de lei que autoriza a passagem do linhão pela terra Waimiri-Atroari. Mas a votação da proposta, de autoria do senador Chico Rodrigues (União Brasil-RR), acabou sendo adiada para esta quarta (4). O texto classifica as linhas de transmissão como "de relevante interesse público da União".
A Constituição Federal só autoriza a exploração de terras indígenas em casos de interesse público e desde que as comunidades afetadas sejam ouvidas.
Em nota técnica, o Instituto Socioambiental disse que "o Senado tem o dever de consultar as instâncias representativas dos povos indígenas brasileiros antes de deliberar sobre o projeto, sob pena de nulidade formal e material do processo legislativo".
Ainda, segundo o instituto, o projeto é inconstitucional porque delega a um decreto do presidente da República o poder de autorizar a construção de linhas de transmissão de energia que passem por terras indígenas.
De acordo com a entidade, a Constituição prevê que o Congresso Nacional analise caso a caso esse tipo de exploração das terras indígenas.
"[O projeto] tenta autorizar, no atacado e de forma genérica, toda e qualquer linha de transmissão em terras indígenas, sem explicitar qual seria, de fato, o relevante interesse público da União, a justificar a mitigação do usufruto exclusivo dos indígenas", diz a nota.
Linhão de Tucuruí
O Linhão de Tucuruí foi licitado pela Agência Nacional de Energia Elétrica (Aneel) em 2011, ainda no governo de Dilma Rousseff (PT).
Desde então, a obra foi parar na Justiça, em um impasse. Os indígenas que vivem na reserva Waimiri-Atroari cobram do governo federal um plano de compensações socioambientais por causa dos impactos irreversíveis que terão na floresta.
A obra terá 721,4 km de extensão entre Manaus e Boa Vista. Desses, 122 Km atravessam a reserva Waimiri-Atroari, onde serão erguidas 250 torres de transmissão de energia, ligando Roraima a energia do país. A maior parte da obra, cerca de 425 km, será em Roraima.
Em 2019, o governo federal, por meio do Conselho de Defesa Nacional, reconheceu que a obra linhão se enquadrava no "escopo da soberania e da integridade nacional" e, por isso, seria acelerada.
Depois, as tratativas seguiram até que, em junho deste ano, a Associação Indígena Waimiri-Atroari (ACWA) pediu a saída Fundação Nacional do Índio (Funai) das negociações após o órgão afirmar que os indígenas estavam agindo, com ajuda externa, para atrasar o trabalho.
Após isso, a Associação propôs ao governo um acordo de compensação para que a obra fosse liberada pelos indígenas. As regras foram enviadas a órgãos federais, como Ibama e Ministério Público Federal (MPF).
Associação diz que não foi consultada
Segundo a Associação Waimiri-Atroari, a liberação das obras do Linhão ocorreu no dia 28 de setembro de 2021 sem que a comunidade estivesse de acordo. O Ibama alega, no entanto, que recebeu aval da Funai para liberar a instalação.
A licença para construção foi liberada para a empresa Transnorte Energia S.A. A obra deve durar 36 meses -- três anos -- e vai custar cerca de R$ 1,5 bilhão.
Com liberação do Ibama, a empresa está autorizada a iniciar a fase obras. Para isso, será necessário realizar mobilização para instalação de canteiros de obras e ações definidas no Plano Básico Ambiental do Componente Indígena (PBA-CI), abrindo caminho para as atividades de campo.
Os indígenas afirmam que souberam da liberação pela imprensa e, até então, ainda aguardavam uma resposta do governo federal e da empresa sobre a compensação socioambiental, mas isso não ocorreu. Desta forma, para eles, as tratativas não foram concluídas.
Já a Funai, garante que o processo de licenciamento atendeu às regulamentações nacionais e internacionais, o que incluiu a consulta livre, prévia e informada às comunidades afetadas, além do cumprimento do Protocolo de Consulta Waimiri-Atroari estabelecido pelos indígenas.
Por conta da liberação das obras sem uma resposta sobre a compensação, os Waimiri-Atroari apresentaram uma denúncia ao Ministério Público Federal (MPF) no Amazonas. O órgão diz que irá apurar a situação para avaliar a adoção de eventuais medidas cabíveis.
https://g1.globo.com/politica/noticia/2022/05/03/bolsonaro-recebe-politicos-de-roraima-para-tratar-do-linhao-de-tucurui.ghtml
PIB:Roraima/Mata
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