Povos indígenas reivindicam área no Morro Santana, em Porto Alegre
Bruna Suptitz
06/01/2023
Dois povos indígenas que ocupam desde outubro passado uma área no Morro Santana, em Porto Alegre, aguardam para esta sexta-feira um possível desfecho do pedido de reintegração de posse que tramita na Justiça. São mais de 70 pessoas das etnias Kaingang e Xokleng que estão sob ameaça de despejo desde o início de dezembro, mas se mantêm no terreno devido a uma liminar que suspendeu a urgência da retirada das famílias. O caso pode ser novamente analisado a partir do dia 6, com a volta do recesso do judiciário.
A área é reclamada pela empresa Maisonnave Companhia de Participações. O local, que é coberto por mata nativa e abriga duas nascentes que desaguam no Arroio Dilúvio, é classificado no Plano Diretor de Porto Alegre como área de ocupação intensiva e já tem autorização para a construção de um condomínio de prédios residenciais, seguindo a tendência da região, que fica perto do limite com Viamão.
O caso não é novo: o estudo de viabilidade urbanística (EVU) do empreendimento foi aprovado pela prefeitura em 2012. No documento consta a ressalva que, dos 15 hectares de área, quase 11 compreendem área de proteção do ambiente natural (Apan), definição que se dá quando um local a ser preservado se encontra em terreno particular. A coluna entrou em contato com a empresa, mas não obteve retorno até finalizar esta publicação. O espaço segue aberto para contemplar o posicionamento da Maisonnave.
Também não é a primeira vez que povos indígenas reivindicam o reconhecimento do seu direto ao território do Morro Santana. Alegando relação histórica com a área, um pedido de estudo para identificação, caracterização e definição de terra indígena foi feito em 2009 à Fundação Nacional dos Povos Indígenas (à época chamada Funai). Meses depois, no início em 2010, o povo Kaingang ocupou parte do terreno que pertence à Ufrgs, próximo ao Campus do Vale. O caso foi judicializado e os indígenas tiveram que deixar o local.
Na ocupação de agora, duas características da "Retomada Gãh Ré" (que significa terra e sol) merecem destaque, feito por Prê, uma das lideranças do povo Kaingang: ser multiétnica, com a união das etnias Kaingang e Xokleng para reivindicar o território, e liderada por mulheres. "Há 40 anos minha tia, que é a líder (Cacica Iracema), coleta material para os nossos artesanatos. Sempre existiu a tradição de, quando uma criança da família nasce, enterrar o umbigo aqui no Morro Santana, para ter o vínculo", destaca Prê.
A expectativa para os próximos dias é saber se o pedido da empresa será acolhido ou se os indígenas poderão permanecer no local enquanto aguardam resposta sobre a demarcação (a coluna não conseguiu informação sobre o andamento). Em qualquer cenário, a reivindicação continua a de reconhecimento do direito sobre a área. "Não queremos isso aqui para destruir. Só vamos botar casas onde for limpo, até para proteger os animais", argumenta Prê.
Entenda os termos
Terra Indígena é uma porção do território nacional, habitada por uma ou mais comunidades indígenas, que passou pelo processo de demarcação e foi homologada por Decreto Presidencial. São classificadas em três tipos:
Terras Indígenas Tradicionalmente Ocupadas*: terras habitadas pelos indígenas em caráter permanente, utilizadas para atividades produtivas, culturais, bem-estar e reprodução física, segundo seus usos, costumes e tradições
Reservas Indígenas: terras doadas por terceiros, adquiridas ou desapropriadas pela União (e pertencentes a esta), que se destinam à posse permanente dos indígenas
Terras Dominiais: terras de propriedade das comunidades indígenas, havidas por qualquer das formas de aquisição do domínio, nos termos da legislação civil
* O procedimento demarcatório das terras tradicionalmente ocupadas só é finalizado com a homologação e registro da área em nome da União com usufruto indígena. Contempla as seguintes fases:
Em estudo: período para realização dos estudos antropológicos, históricos, fundiários, cartográficos e ambientais, que fundamentam a identificação e a delimitação da área indígena
Delimitadas: quando há a conclusão e a aprovação dos estudos
Declaradas: o processo é submetido à apreciação do Ministro da Justiça, que decidirá sobre o tema e, caso entenda cabível, declarará os limites e determinará a demarcação física da área
Homologadas: fase em que há a publicação dos limites materializados e georreferenciados da área, passando a ser constituída como terra indígena
Regularizadas: quando é feito o registro em cartório da área homologada
Em alguns casos pode se estabelecer restrições de uso e ingresso de terceiros para a proteção de indígenas isolados.
Paralelas
As secretarias de Marina Silva
Marina Silva, que na quarta-feira assumiu o Ministério do Meio Ambiente e da Mudança do Clima (MMA), anunciou a criação de secretarias para tratar de temas específicos da pauta ambiental. O braço do Ministério que tratará do controle do desmatamento, com a meta de zerar a derrubada de mata nativa, e a pasta para tratar da questão climática foram amplamente noticiados pela mídia. Além destas, destacamos a criação de uma secretaria para tratar de gestão urbana e qualidade ambiental, que diz respeito diretamente à vida nas cidades. Também terá espaço no MMA a pauta da reciclagem, atendendo a pedido feito pelo presidente Lula de atenção especial para o movimento de catadores.
Povos Originários
O Brasil conta, desde o dia 1o de janeiro, com o Ministério dos Povos Indígenas (MPI), inédito até o momento. O comando será da indígena Sônia Guajajara, que toma posse na próxima terça-feira, dia 10, de acordo com informação do jornal O Globo. A Fundação Nacional dos Povos Indígenas, novo nome da Funai, será ligada ao novo Ministério. O comando do órgão será de Joenia Wapichana, também representante dos povos originários.
Falando em TERRAS INDÍGENAS
A Fundação Nacional dos Povos Indígenas informa que conta atualmente com o registro de 680 terras indígenas, sendo 443 em locais com processo de demarcação homologado ou regularizado e 237 sob análise. O número diverge de outros levantamentos, a exemplo do feito pelo Instituto Socioambiental (ISA), uma Oscip que atua desde 1994 com comunidades indígenas, quilombolas e extrativistas. De acordo com dados disponibilizados no site "Terras Indígenas no Brasil", existem 731 territórios em diferentes fases do processo de demarcação: 490 homologados e reservados; 124 em identificação; 74 declaradas pelo Ministério da Justiça e 43 identificadas (com relatório de estudo aprovado).
https://www.jornaldocomercio.com/colunas/pensar-a-cidade/2023/01/880061-povos-indigenas-reivindicam-area-no-morro-santana-em-porto-alegre.html
PIB:Sul
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