"Todos os dias tinha algum mensageiro dizendo que alguém havia morrido", diz médica que atende povo yanomami

Gaúcha ZH - https://gauchazh.clicrbs.com.br/geral/noticia/2023/01 - 25/01/2023
"Todos os dias tinha algum mensageiro dizendo que alguém havia morrido", diz médica que atende povo yanomami
Ana Caroline Marques de Souza é a única médica da Unidade Básica de Saúde de Auaris, em Roraima, e chega a atender até cem pessoas por dia

GZH
25/01/2023 - 19h53min

Em entrevista ao programa Gaúcha Mais, da Rádio Gaúcha, nesta quarta-feira (25), a médica Ana Caroline Marques de Souza, que presta atendimento ao povo yanomami na reserva indígena, relata a grave situação na comunidade, após o Ministério da Saúde decretar emergência de saúde pública na última sexta-feira (20).
- Todos os dias eu abria a unidade e tinha algum mensageiro da comunidade dizendo que alguém havia morrido na comunidade - afirma a médica.
Ana Caroline é a única médica da Unidade Básica de Saúde de Auaris, em Roraima, e chega a atender até cem pessoas por dia. Ela conta que são vários casos de pessoas com diarreia, malária e outras doenças que, em uma pessoa saudável, não trariam complicações. Por conta do estado nutricional dos indígenas o tratamento é mais complicado.
- Não é uma situação que aconteceu só agora, mas piorou bastante nos últimos meses. Existe tanto a piora no planejamento quanto na organização das ações. Sempre estamos com quantidade insuficiente de funcionários e medicamentos. São muitas faltas. Se eu for listar vai um dia inteiro falando delas - conta.
Doenças
Após receber relatos de desnutrição e de mortes de crianças no local, o Ministério da Saúde enviou uma equipe para averiguar a situação no último dia 16. Segundo a pasta, o grupo se deparou com crianças e idosos em estado grave de saúde, com desnutrição grave, além de muitos casos de malária, infecção respiratória aguda (IRA) e outros agravos.
O Ministério dos Povos Indígenas divulgou, na sexta-feira, que 99 crianças, entre um a 4 anos morreram, na maioria, por desnutrição, pneumonia e diarreia. Os dados são referentes a 2022. Além disso, foram confirmados 11.530 casos de malária. As faixas etárias mais afetadas estão entre os maiores de 50 anos, seguidas pela faixas de 18 a 49 anos e de 5 a 11 anos.
A pasta estima que ao menos 570 crianças foram mortas pela contaminação por mercúrio, desnutrição e fome nos últimos quatro anos. Ana Caroline acredita que muitas destas mortes estão relacionadas ao garimpo ilegal que ocorre na região.
- O garimpo está muito associado a malária. Na região que eu estou localizada, a malária não era muito recorrente, mas agora tivemos um surto, já são 530 casos em uma população de 3,6 mil habitantes nos últimos 30 dias. Se formos avaliar como surgiu, muitos desses casos vieram do garimpo e acabou se espalhando para o resto da população - destaca.
Garimpo ilegal
O território dos yanomami tem sido alvo de garimpo ilegal, o que, segundo as autoridades locais, dificulta as ações de saúde pública na região. Além disso, a população local vem sendo exposta aos resíduos deixados pela atuação criminosa, principalmente a contaminação por mercúrio.
A presença dos garimpeiros ilegais também levou transmissão de doenças ao povo que vivia isolado geograficamente, principalmente a covid-19. Uma pesquisa da Universidade Federal de Minas Gerais em parceria com o Instituto Socioambiental (ISA), revisada pela Fundação Oswaldo Cruz (Fiocruz), aponta que os garimpeiros são os principais vetores de contaminação do coronavírus. Segundo o estudo O Impacto da Pandemia em Terra Indígena Yanomami, publicado em 2020, quase 40% dos Yanomamis podem ser infectados pelos garimpeiros ilegais.
- Tem regiões que os rios foram bastante comprometidos pelo garimpo, com isso, comprometendo a pesca e a agricultura da região. O que gerou casos de diarreia e intoxicação, agravando ainda mais o estado nutricional. É uma situação bastante difícil e complexa que tem maior ou menor prevalência conforme cada característica das diferentes regiões - completa a médica.


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PIB:Roraima/Mata

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