'A luta Yanomami': exposição com fotos de Claudia Andujar chega à Fundação Cartier, em Nova York

O Globo, Segundo Caderno, p. 7 - 03/02/2023
'A luta Yanomami': exposição com fotos de Claudia Andujar chega à Fundação Cartier, em Nova York
Mostra, que já rodou o Brasil, reúne 200 imagens feitas pela fotógrafa e também 80 desenhos e pinturas de artistas indígenas
Por Janaina Figueiredo e Kathlen Barbosa - Rio de Janeiro

03/02/2023 04h30 Atualizado há 3 dias

Aos 39 anos, Ehuana fez verdadeiro périplo para chegar a seu destino final, uma cidade que jamais imaginou conhecer, onde sente muito frio - sobretudo nas mãos - e tem dificuldade de entender como as pessoas vivem em prédios tão altos. Com seu primeiro passaporte e visto, a jovem artista ianomâmi desembarcou em Nova York para participar junto à fotógrafa Claudia Andujar, de 92, que conheceu em sua aldeia quando era criança, da inauguração da exposição "A luta Yanomami", uma iniciativa da Fundação Cartier e do Instituto Moreira Salles (IMS).

Com curadoria de Thyago Nogueira, do IMS, a exposição abre suas portas nesta sexta-feira (3) no centro de exposições The Shed, e poderá ser visitada até 16 de abril. A iniciativa também contou com a colaboração da ONG brasileira Hutukara, da Associação Ianomâmi e do Instituto Socioambiental. Inaugurada no IMS paulista em 2018, indo depois para a sede carioca da instituição, a exposição já passou por França, Itália, Espanha, Inglaterra e Suíça e, em maio, chega ao México, onde fica até 2024.

A mostra reúne mais de 200 fotografias feitas por Claudia, que nasceu na Suíça há 91 anos, vive no Brasil desde 1955 e convive com o povo indígena há cinco décadas, sendo hoje uma ativista em prol dele. Também inclui mais de 80 desenhos e pinturas dos artistas ianomâmis André Taniki, Ehuana Yaira, Joseca Mokahesi, Orlando Nakiuxima, Poraco Hiko, Sheroanawe Hakihiiwe e Vital Warasi. Por fim, há um vídeo feito pelos cineastas ianomâmis Aida Harika, Edmar Tokorino, Morzaniel Iramari e Roseane Yariana.

A exposição atravessa décadas do relacionamento e das vivências de Claudia em aldeias ianomâmis, a partir da década de 70. Seu trabalho artístico foi o começo de um relacionamento que se aprofundou e levou a fotógrafa nascida na Suíça e que atualmente vive em São Paulo a exercer um papel de ativista política em favor dos direitos dos indígenas ianomâmis. Um de seus grandes parceiros nesse caminho foi Davi Kopenawa, líder ianomâmi.

- Acho que uma das coisas mais importantes é introduzir as pessoas a outros aspectos do mundo. Ao mesmo tempo, este outro aspecto nos permite nos reconhecermos em outros seres humanos, que têm o direito de viver suas vidas como eles quiserem e de acordo com seu entendimento do mundo - diz Claudia.

Ehuana Yaira, uma das artistas indígenas com obras na exposição, nunca tinha saído do Brasil. Ela acaba de receber um convite da Fundação Cartier, ao lado de outros jovens artistas ianomâmis, para passar três semanas na França, este ano. Tudo é novo para Ehuana, que vive numa aldeia na divisa entre os estados de Roraima e Amazonas, onde, afirmou em entrevista ao GLOBO, "as crianças vão começar a morrer de fome se não fizermos alguma coisa".

- Vim até aqui e estou sofrendo, faz muito frio. Mas estou aqui porque temos de lutar - diz a artista, em seu idioma original.

Ela conta com a ajuda da tradutora Ana Maria Machado, formada em Antropologia e que já realizou vários trabalhos com os ianomâmis. Ehuana fala muito, se expressa com seus braços e suas mãos, está visivelmente emocionada e entusiasmada com a possibilidade de mostrar a luta dos ianomâmis numa das cidades mais importantes do mundo. Quando se encontrou com Claudia, recebeu um pedido que não a surpreendeu, e que pretende cumprir ao pé da letra:

- Ela [Claudia] me disse que está muito velha e que agora é a hora dos jovens, que nós temos de lutar pela vida do nosso povo através de nossa arte. E que se não lutarmos vamos sofrer muito. Pensei dentro de mim... isso é verdade.

Ehuana lembra de quando a fotógrafa visitava as aldeias ianomâmis e passava longas temporadas fotografando indígenas e levando ao mundo suas histórias. A artista era criança e nunca sonhou em participar de uma exposição com aquela senhora branca e simpática, que assumiu a luta dos ianomâmis como própria.

- Cresci vendo Claudia trabalhar - afirma Ehuana, que começou a desenhar aos 10 anos e, ao longo do tempo, concentrou seu olhar nas vidas das mulheres ianomâmis, em questões rotineiras e em dramas ainda atuais, como o abuso sexual que sofrem de garimpeiros.

- Quando os garimpeiros se aproximam, morrem muitas pessoas, velhos, crianças... e eles gostam da vagina de nossas mulheres, não queremos isso, não queremos que estraguem nossas mulheres e nossa floresta - frisa Ehuana, que acompanhou de perto a visita do presidente Luiz Inácio Lula da Silva a um hospital que atende ianomâmis, recentemente. Ela diz ter esperança, mas que é preciso esperar para saber o que será feito agora com seu povo.

Para o curador da exposição, "a arte é uma desculpa para dar aos ianomâmis mais espaço, para que eles sejam ouvidos".

- Esta é uma missão diplomática, uma oportunidade num momento sério e dramático. É uma nova plataforma para que os ianomâmis se expressem - afirma Thyago Nogueira. - O que acontece hoje com os ianomâmis faz parte de uma história de 500 anos, e não é um evento isolado. É parte de uma longa história de violência e dominação. De eliminação das pessoas - reforça o curador.

Para a Fundação Cartier, a exposição é mais uma iniciativa de apoio à luta dos ianomâmis.

- Há 20 anos, organizamos uma mostra sobre ianomâmis em Paris. Temos uma relação de longa data, de confiança e cuidamos desta relação - aponta o diretor artístico Hervé Chandès, para quem Claudia Andujar não é apenas uma fotógrafa. - Ela inventou uma nova estética que traduz a cosmovisão dos ianomâmis".

A exposição, dizem Nogueira e Chandès, busca, entre muitas outras coisas, ajudar a entender a beleza, riqueza e visão dos ianomâmis. Busca gerar empatia e ajudá-los em sua batalha para não morrer.

- Não se trata apenas dos ianomâmis, mas de todas as minorias que são eliminadas. Não se trata apenas do Brasil, mas também dos indígenas que estão em Nova York, dos afro-americanos, dos vulneráveis, dos que são assassinados. Se trata de brigar pelo respeito e por outras visões - conclui o curador do IMS.

O Globo, 03/02/2023, Segundo Caderno, p. 7

https://oglobo.globo.com/cultura/artes-visuais/noticia/2023/02/a-luta-yanomami-exposicao-com-fotos-de-claudia-andujar-chega-a-fundacao-cartier-em-nova-york.ghtml
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