Peritos buscam assinatura química do ouro Yanomami

Valor Econômico - https://valor.globo.com/brasil/noticia/2023/02/27/ - 27/02/2023
Peritos buscam assinatura química do ouro Yanomami
O programa tem atualmente cerca de 300 amostras de ouro

Por Marcos de Moura e Souza
De São Paulo 27/02/2023

Peritos da Polícia Federal esperam reunir nas próximas semanas amostras de ouro de garimpos ilegais abertos na terra indígena yanomami, em Roraima. O objetivo é descobrir quais são as características químicas do metal dessa região.
A identificação dessa "assinatura" do ouro yanomami poderá ser um elemento chave para autoridades apontarem se ouro supostamente de origem legal veio, na verdade, dos garimpos clandestinos daquela área.
É o que afirma o perito criminal federal, Fábio Salvador, um dos coordenadores do programa Ouro Alvo, criado em 2020, pela Polícia Federal.
O programa tem atualmente cerca de 300 amostras de ouro, vindas do Amapá, do Mato Grosso e do Paraná. Havia uma expectativa de que amostras de regiões de garimpo do Pará fossem colhidas no fim do ano passado. Os planos, no entanto, foram adiados. E as atenções se voltaram então para o território yanomami.
A região, assolada por garimpeiros de ouro, entrou em estado de alerta em janeiro com indígenas doentes e subnutridos, atingidos pela pressão dos invasores que atuam na extração ilegal do metal. O governo federal mobilizou forças de defesa para a retirada dos garimpeiros.
Segundo Salvador, com a crise vivida pelos yanomami, os peritos da PF que atuam no programa Ouro Alvo devem ir para a terra indígena em março para colher amostras de ouro de garimpos locais.
O Ouro Alvo tem como meta a criação de um grande banco de dados que contenha características isotópicas e químicas de ouro extraído em todo o país. E numa etapa posterior, de ouro de outros produtores na América Latina.
A intenção é tornar o ouro extraído e comercializado no país e na região um artigo quimicamente rastreável. Para isso, além das 300 amostras atuais, o programa precisaria várias milhares de amostras, segundo Salvador.
Ele afirma que com os devidos rigores metodológicos e desenvolvimento científico nacional, bastariam alguns gramas de ouro de cada região produtora para a identificação das características isotópicas e químicas.
Isótopos são átomos que podem ser analisados para pesquisas em diversas áreas: na datação de rochas e fósseis, na medicina, na indústria nuclear e também nos trabalhos de criminalística. No caso do ouro, existem resíduos de outros elementos, como o chumbo. E as proporções de diferentes isótopos no ouro funciona como assinatura isotópica do ambiente geológico de formação. O método usado no programa Ouro Alvo foi elaborado com ajuda da cientista Barbara Beck, da Universidade de Lausane, na Suíça.
Hoje, autoridades e empresários que atuam na cadeia do ouro admitem que os controles sobre a procedência do metal - especialmente na Amazônia - são muito frágeis. E que isso abre brechas para que ouro extraído onde não pode haver garimpo, como as terras indígenas e outras áreas protegidas, seja facilmente "esquentado" como sendo ouro extraído de garimpos em áreas permitidas.
Na avaliação de Salvador e de outros peritos da PF, não basta a criação de novos mecanismos burocráticos ou cartoriais para regular o comércio. Um dos mecanismos em discussão seria a imposição de notas fiscais eletrônicas a serem emitidas pelas distribuidoras de valores (DTVMs). Esse tipo de empresa é regulada pelo Banco Central e é a única com autorização para adquirir ouro bruto diretamente dos garimpos que operam regularmente.
O problema, conhecido há anos pelas autoridades e pelo setor do ouro, é que as DTVMs não têm como atestar se o ouro que adquiriu de uma área de garimpo legalizada veio mesmo dessa área ou de um garimpo ilegal - por exemplo, da terra yanomami.
"Controles burocráticos e cartorários devem ser aperfeiçoados, mas o sistema vai sempre se confrontar com a criminalidade que vai encontrar meios de burlar esses mecanismos. Então, não adianta, apenas, termos uma rastreabilidade documental, como a nota fiscal eletrônica e certificações mais rigorosas. Tudo isso, em algum momento, a criminalidade burla", argumenta Salvador. "Por isso, estamos trabalhando no processo de rastreabilidade física, química e isotópica do ouro."
Um banco de dados com características isotópicas e químicas do ouro tem, no entanto, limitações. A "assinatura" do ouro de determinada região poderá ser encontrada com precisão, por exemplo, em um lote de ouro em bruto.
No caso de uma barra de ouro semiprocessada, seriam necessários mais conhecimento científico e mais pesquisas para que uma identificação de origem daquele ouro também fosse precisa. Quando se trata de uma barra que tenha passado por um processo de ultra refino - ou mesmo em uma joia - o grau de precisão da "assinatura" química é ainda desconhecida, diz Salvador.
Para além do território brasileiro, especialistas da PF envolvidos no programa Ouro Alvo têm mantido conversas com integrantes do governo da Guiana Francesa. Lá, a atividade de extração ilegal de ouro também representa um desafio para o Estado. Há anos, autoridades locais reportam a presença de milhares de garimpeiros brasileiros que cruzam a fronteira.
Com financiamento da Capes e em parceria com pesquisadores da UnB, peritos da PF vêm trabalhando no projeto Gold Rush, que tem como alvo a identificação de assinaturas químicas dos depósitos de ouro da Guiana. Salvador diz que conversas preliminares estão avançando com vistas a uma futura entrada controlada de especialistas brasileiros para coletar amostras de referência das regiões produtoras de ouro neste e outros países vizinhos.

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PIB:Roraima/Mata

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