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O desespero tem pressa
Blog do Fausto Macedo
Por José Renato Nalini*
18/04/2023
Quem se angustiou quando assistiu à decadência ecológica do Brasil nos últimos quatro anos tinha a esperança de que a partir deste ano, tudo mudaria. Mas, infelizmente, os dados continuam péssimos. O primeiro trimestre registrou a maior destruição do cerrado e uma das maiores da Amazônia. Procura-se tornar ainda mais vulnerável a Mata Atlântica, o bioma que se tornou o mais frágil, diante da especulação imobiliária e de um crescimento populacional em metástase, diante da ausência de planejamento familiar.
O genocídio continua firme. A Secretaria Especial de saúde Indígena e a Fundação Nacional dos Povos Indígenas registram mortes de crianças kanamaris que ainda não completaram um ano, por diarreia e desidratação resultante das dragas de garimpo numa das regiões até há pouco mais preservadas da Amazônia.
Na região do médio Juruá e do rio Jutai, o skanamaris vivem na aldeia Igarapé Preto, território ainda não demarcado. Já os katukinas estão na Terra Indigena Rio Biá, demarcada desde 1997, entre Carauari e Jutaí. Os óbitos resultam de garimpo ilegal de ouro, que lança mercúrio, resíduos sólidos e outros materiais pesados no rio usado pelos indígenas para a sua sobrevivência.
O Instituto Socioambiental - ISA, em estudo pormenorizado, prova que 397 terras indígenas podem ser impactadas por obras planejadas pelo governo federal, como a construção de rodovias, ferrovias e usinas hidrelétricas. Isso representa 66% ou dois terços dos 599 territórios com algum tipo de delimitação geográfica no banco de dados do ISA. 92 povos isolados podem ser impactados, neste número considerados grupos cuja existência sequer é confirmada pela FUNAI. O estudo consta do livro "Povos Indígenas no Brasil 2017-2022", lançado pelo ISA no final de março. A maior quantidade de obras é de pequenas centrais hidrelétricas: são 419. Depois vêm as usinas hidrelétricas: 85 e 72 rodovias. 44 portos, 12 ferrovias, 9 linhas de transmissão e 7 dutos.
Não é difícil comprovar que usinas afetam o regime hídrico, as vazões de rios e isso ameaça a segurança alimentar das comunidades. Sem falar no fluxo de trabalhadores que trazem atividades ilegais e aumentam o desmatamento. Toda vez que se abre uma estrada, acelera-se a grilagem de terras nos arredores do percurso.
Será que a presença de Rodrigo Agostinho, hoje Presidente do IBAMA e um ambientalista muito sério conseguirá atenuar o potencial risco de acabar com várias etnias, a caminho da extinção há muito e reduzir o crime da devastação ecológica?
Enquanto boa parte dos considerados "lúcidos" condenam a atuação das redes sociais, é interessante observar que o Google anunciou que seu braço Google Earth passou a incluir imagens do avanço do desmatamento na Amazônia até 2022. A atualização da plataforma desde 2020 permitiu acompanhar o nível avassalador da destruição da floresta, que teve índices recordes nos últimos anos.
Esse anúncio foi feito no evento "Sustentabilidade com Google-Amazônia", realizado em Belém. As imagens de satélite utilizadas pelo Google Earth possuem registros desde 1984 e, com a ferramenta timelapse, consegue mostrar em detalhes as modificações perpetradas pelos homens na cobertura florestal. O serviço já é utilizado pelo Mapbiomas, criado em 2019 e capaz de realizar mapeamento anual do uso do solo e da superfície de água, sem prejuízo do monitoramento mensal das marcas do fogo.
Por isso é forçoso reconhecer que existe tecnologia suficiente para detectar os pontos de destruição, até para descobrir início de incêndio. Mas de que vale a informação se não servir para obviar a ação criminosa de organizações que se apoderaram dos vários biomas brasileiros e atuam na certeza da impunidade, porque o sistema Justiça é complexo, burocrático e caótico?
Verdade que o novo governo só completou cem dias há pouco. Mas é preciso atuar com garra e coragem. Em lugar de dar espaço às desgraças ocorridas, é urgente mostrar que os tempos são outros. O mundo inteiro acompanha com interesse tudo o que acontece nos biomas brasileiros, principalmente na Amazônia. Condenar o que se fez no passado recente e permitir que os índices de devastamento continuem a disputar recordes não tranquiliza os que ainda se preocupam com a ecologia, tão negligenciada no Brasil de nossos dias.
O desespero dos ecologistas tem razão em ter pressa. Agora, é passar do discurso estéril para a prática real, cujos efeitos concretos são a derradeira esperança dos homens de bem.
*José Renato Nalini é diretor-geral da Uniregistral, docente da pós-graduação da Uninove e secretário-geral da Academia Paulista de Letras
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