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A criação do Parque Indígena do Xingu e sua importância para a diversidade socioambiental na Amazônia
Data: 21 de junho de 2023Autor: Internacional da Amazônia
Victtor Calderaro Yudjá (acadêmico do 3o semestre de RI da UNAMA)
Em 31 de julho de 1961 era fundado, através de um decreto presidencial do então governo de Jânio Quadros, o Parque Nacional do Xingu (PNX), que seis anos depois, com a Criação da Fundação nacional do Índio (Funai), passou a ser chamado de Parque Indígena do Xingu (PIX). Sua criação fez parte uma empreitada iniciada pelos indigenistas Claudio, Orlando e Leonardo Villas-Bôas e representou um marco na história, devido a quase inexistência de políticas de preservação da cultura socio-territorial de povos indígenas à época.
"O Parque Nacional do Xingu, hoje denominado Parque Indígena do Xingu, foi criado em 1961, numa área de aproximadamente 2,7 milhões de hectares, no norte de Mato Grosso. A demarcação do território indígena foi idealizada, entre outros, pelo antropólogo Darcy Ribeiro, pelos irmãos Villas-Bôas e pelo Marechal Rondon" (PONTES, 2023).
Inicialmente, o empenho dos irmãos sertanistas era dedicado ao apoio as comunidades do alto Xingu, de modo que a criação do parque servisse como um santuário para os povos originários, um lugar em que as mais variadas etnias e a riqueza contida em suas culturas pudessem coexistir harmonicamente em um território próprio. Além do mais, o território se insere em um ecossistema riquíssimo em biodiversidade e povoado por diversas etnias que o fazem um local de estrema importância para a geopolítica e a sociopolítica regional (MENEZES, 2009).
Nesse sentido, o entrave mais latente seria conseguir frear a exploração mineral, a extração de madeira e o avanço do extermínio étnico-cultural, que em meados da década de 1960 aconteciam aos milhares, para a preservação não somente da gigantesca biodiversidade, mas principalmente das populações autóctones:
"Na década de 60 os territórios indígenas, principalmente do Norte e centro-oeste, são novamente invadidos, desta vez por colonos e garimpeiros. Apesar dos esforços da Fundação Nacional do Índio (FUNAI) em conter esta invasão, aconteceram ataques e disseminação de doenças que reduziram as populações indígenas que habitavam essas regiões" (DE LIRA, 2016).
Os povos Yudjá/Juruna, por exemplo, uma das etnias que vivem no Parque do Xingu, são prova cabal de que a permissividade exploratória do Estado matava, e ainda mata, aqueles já viviam aqui desde muito antes da chegada dos dominadores europeus. Para efeito de comparação histórica, os Yudjá sofreram uma terrível redução populacional, ao terem suas terras invadidas por garimpeiros e missionários ao longo dos séculos, sofreram com a restrição de práticas culturais e uma forte imposição religiosa que resultaria, em um espaço de 75 anos, na queda populacional de 2000 indivíduos, em 1846, para somente 52 pessoas no ano de 1916 (JURUNA, 2022).
Acerca desse problema, o teórico francês Michel Foucault em seu livro "Nascimento da Biopolítica", ao propor uma visão analítica da sociedade moderna, afirma que esta é movida por uma governamentalidade, sendo o meio pelo qual o estado exerce a biopolítica. Ele argumenta que a mínima intervenção, nesse sentido, a ascensão do liberalismo, move o biopoder, isto é: "O princípio do máximo/mínimo na arte de governar substitui aquela noção do equilíbrio equitativo da 'Justiça equitativa' que ordenava outrora a sabedoria do príncipe" (FOUCAULT, 2008, p. 24). Então, essa governamentalidade exerce dominância política, social e econômica, transformando a utilização do estado e exercendo controle sobre os corpos.
Tal teoria, influenciou o teórico camaronês Achille Mbembe, a formular o conceito de Necropolítica, inicialmente em seu ensaio e posteriormente em seu livro, ambos com o mesmo título. Para Mbembe: "A política só pode ser traçada como uma transgressão em espiral, como aquela diferença que desorienta a própria ideia do limite" (MBEMBE, 2018, p. 16). Dessa forma, a ignorância em torno das decisões estatais, motivadas pelos interesses mercadológicos ou políticos, concentram no estado o poder de escolha sobre quem vive e quem morre.
Dessa forma, é inequívoca a ideia de que a atuação do Estado, diante da necessidade de proteção dessas terras, era pautada na Necropolítica, que foi e ainda é direcionada a essas comunidades, em todo o país, até os dias atuais. Afinal, quando se desmantela a atuação dos diversos órgãos governamentais nas comunidades indígenas, como a FUNAI - que é responsável pela gerência do PIX - e o Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis (IBAMA), sentencia-se a morte as comunidades autóctones, como parte de um Biopoder de morte.
Embora existam avanços significativos na política indigenista do Brasil, nesses mais de sessenta anos desde a criação do PIX, a realidade brasileira demonstra, acima de tudo, a necessidade de que a retórica em favor da bioeconomia e transição para um modo de vida sustentável seja ouvida e repercutida. Afinal, uma das grandes alternativas governamentais para a defesa dessas comunidades, para além do fator histórico-científico-social, seria pelo caminho do desenvolvimento econômico e sustentável, em detrimento do cego incentivo ao agronegócio, incentivando financeiramente à agricultura familiar dentro das aldeias, privilegiando as técnicas de manejo próprias do ambiente amazônico e mantendo a floresta de pé.
Segundo o pesquisador Raimundo Alves (2001), em sua pesquisa para a Empresa Brasileira Pesquisa Agropecuária (EMBRAPA), grande parte das etnias indígenas que habitam a região amazônica, como os kayapós e os mundurucus, detém culturalmente técnicas de manejo sustentáveis que respeitam os ciclos climáticos e garantem a produtividade da terra:
"O modo como alteram a estrutura das roças ao longo do tempo parece seguir um modelo de sucessão natural dos tipos de vegetação da região. Assim, no princípio, cultivam espécies de baixo porte e vida curta (os chamados pura nu); a seguir, plantam bananeiras e grande diversidade de árvores frutíferas {os pura tum); finalmente, introduzem espécies florestais de grande porte (os ibê), como a castanha-do-pará, que legam a netos e bisnetos" (ALVES, 2001).
Outra grande iniciativa, seria expandir os processos de demarcações de Terras Indígenas (TIs), fortalecendo o combate aos crimes ambientais, pelo potencial ganho na garantia da inalienabilidade do bioma. "Por isso, qualquer estratégia de conservação da biodiversidade brasileira, particularmente na Amazônia, deve considerar e potencializar a permanência e criação de novas terras indígenas" (DA SILVA & PUREZA, 2019). Apesar de que, infelizmente, a demarcação de terras não seja uma iniciativa prevista na estratégia de conservação da biodiversidade do país.
Portanto, defender o PIX é impedir a extinção de novas etnias, é cuidar dos portadores vivos de uma ancestralidade riquíssima, que já viviam em simbiose com a natureza a milhares de anos e que tem muito a ensinar para os processos de bioeconomia e desenvolvimento sustentável na Amazônia. Por fim, sua importância se deve ao fato de ser reconhecidamente o maior conjunto de áreas de preservação interconectadas do mundo, abrigar em torno de dezesseis etnias e a representação histórica e estratégica desses territórios, que anseiam nada mais do que sua conservação cultural e linguística, para a manutenção da liberdade de suas organizações sociais.
Diante da temática exposta, recomenda-se a leitura de dois livros sobre a temática. O primeiro se chama "Xingu - Os Contos do Tamoin: Os Contos do Tamoin" (2016), escrito pelos irmãos Cláudio Villas Bôas e Orlando Villas Bôas. Inspirados pela convivência com indígenas que tiveram durante a expedição Roncador-Xingu, os irmãos escreveram um livro infantil imaginando um menino da cidade com meninos indígenas que convivem no Xingu. Ao longo da história infantil, o personagem aprende como é o dia a dia dos indígenas, seus mitos e rituais, além de escutar encantadoras histórias sobre o Parque Indígena do Xingu. Está disponível para a compra no site da Amazon, através do link a seguir:
< https://www.amazon.com.br/Xingu-Os-Contos-do-Tamoin/dp/8596002537 >
O segundo se chama "O Xingu dos Villas Bôas" (2002), um livro fotográfico organizado por Cristina Müller, Luiz Octavio Lima e Moisés Rabinovici. A obra conta a saga dos irmãos no Xingu, através imagens, depoimentos e perfis de todas as comunidades que habitam o Parque do Xingu e a afirmação de que o sonho dos irmãos - de preservar a cultura desses povos e o meio ambiente na região - não foi em vão. Disponível para a leitura através do link a seguir:
< https://livrosdefotografia.org/publicacao/33448/o-xingu-dos-villas-boas >
Por fim, se evidencia a importância do programa Povos Indígenas no Brasil, herança que o ISA - Instituto Socioambiental - recebeu do CEDI (Centro Ecumênico de Documentação e Informação. O programa possui um vasto acervo histórico-social sobre as comunidades indígenas do Brasil, entre elas, os povos que existem no Xingu. Para mais informações, acesse:
Link do programa: < https://pib.socioambiental.org/pt/Povo:Xingu >
Site do ISA: < https://www.socioambiental.org/ >
Instagram: < https://www.instagram.com/socioambiental/ >
Facebook: < https://www.facebook.com/institutosocioambiental >
Twitter: < https://twitter.com/socioambiental >
Referências Bibliográficas
ALVES, Raimundo Nonato Brabo. Características da agricultura indígena e sua influência na produção familiar da Amazônia. Belém: Embrapa Amazônia Oriental, 2001.
DA SILVA, Gustavo; PUREZA, Marcelo Gaudêncio Brito. A demarcação de terras indígenas na Amazônia Legal. Revista NUPEM, v. 11, n. 22, p. 43-53, 2019.
DE LIRA, Keyte Ferreira. Processos Territoriais no Parque Indígena do Xingu (PIX)/Mato Grosso. A construção do Brasil: geografia, ação política e democracia, XVIII Encontro Nacional de Geógrafos, 2016.
FOUCAULT, Michel. Nascimento da Biopolítica: Curso dado no Collège de France (1978-1979). São Paulo: Martins Fontes, 2008. 478 p. ISBN 978-85-336-2402-3.
JURUNA, Karin; WUARÁ, Yanahin Matala; RESENDE, Fernanda Elisa Costa Paulino; FERREIRA NETO, Maria Cristina Nunes. Memórias Indígenas: Legado Histórico-cultural dos povos Wauja e Yudjá. Goiânia: Ed. PUC Goiás, 2022. 144 p. ISBN 978-65-89488-07-1.
MBEMBE, Achille. Necropolítica. São Paulo: N-1 Edições, 2018. 81 p. ISBN 978-8566943504.
MENEZES, Maria Lucia Pires. Parque Indígena do Xingu: efeitos do modo de vida urbano e da urbanização no território indígena. Novos Cadernos NAEA, v. 11, n. 2, 2009.
PONTES, Felipe. Criação do Parque do Xingu não usurpou terras de Mato Grosso, decide STF. Brasília: Agência Brasil, 16 ago. 2017. Disponível em:
PIB:PIX
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