Governo Lula admite dificuldades e promete plano de expulsão de garimpos em terras com cerco a aldeias

FSP - https://www1.folha.uol.com.br/ambiente/2024/01/ - 08/01/2024
Governo Lula admite dificuldades e promete plano de expulsão de garimpos em terras com cerco a aldeias
Territórios onde comunidades foram encurraladas pela exploração de ouro, mostrados na série 'Cerco às aldeias', estão em lista de 10 áreas prioritárias

Vinicius Sassine
Manaus
8.jan.2024 às 19h00

Terras indígenas onde o garimpo cercou aldeias, e para as quais não houve a execução de planos de retirada de invasores durante o primeiro ano do governo Lula (PT), foram incluídas numa lista de dez territórios prioritários e um novo plano operacional de desintrusões -de expulsão de não indígenas- será apresentado ao STF (Supremo Tribunal Federal).
É o que afirmou o MPI (Ministério dos Povos Indígenas) em nota enviada à Folha, em resposta a questionamentos da reportagem sobre a ausência de ações de desintrusão nos territórios. O novo plano está previsto para esta terça-feira (9), prazo final para a entrega do documento, de acordo com decisão do STF.
Na série de reportagens "Cerco às aldeias", publicada ao longo de 2023, a Folha mostrou o cerco do garimpo ilegal de ouro a comunidades centrais das Terras Indígenas Kayapó e Munduruku, no Pará, e Sararé, em Mato Grosso.

Os territórios foram os mais invadidos em 2023 para a exploração ilegal de ouro, com cooptação de indígenas, desestruturação das aldeias, intensificação de doenças como malária e contaminação por mercúrio, com reflexo direto na saúde de crianças, jovens e adultos.

Mesmo assim, o governo Lula não promoveu desintrusão de invasores, apesar da existência de uma decisão do STF ordenando a retirada de garimpeiros nos territórios no Pará. Ao longo do ano, foram feitas ações pontuais de fiscalização e destruição da logística de garimpo, insuficientes para barrar a expansão das invasões.

O governo federal se concentrou nas desintrusões de quatro territórios: yanomami, em Roraima, onde os indígenas vivem uma crise humanitária em razão da invasão de mais de 20 mil garimpeiros até 2022, com explosão de casos de desnutrição; Apyterewa, o mais desmatado do país, e Trincheira Bacajá, no Pará; e Alto Rio Guamá, também no Pará.

No caso da terra yanomami, o governo Lula reduziu de forma "drástica" as ações para retirada dos invasores, como apontou o MPF (Ministério Público Federal) em Roraima. Há retorno de garimpeiros em pontos estratégicos e persistência de surtos de malária e doenças associadas à fome, como desnutrição, diarreia e pneumonia.

De janeiro a novembro de 2023, 308 yanomamis morreram na região. Mais da metade dos óbitos foi de crianças de até 4 anos, segundo relatório do COE (Centro de Operação de Emergências) Yanomami, ligado ao Ministério da Saúde. Entre as principais causas das mortes estão pneumonia, diarreia, malária e desnutrição.
Novo plano operacional

Em 9 de novembro, o ministro Luís Roberto Barroso, presidente do STF, determinou que MPI, Ministério da Justiça e Segurança Pública e Ministério da Defesa, sob a coordenação da Secretaria-Geral da Presidência da República, apresentassem em 60 dias um novo plano para desintrusão de sete terras indígenas.

Esse plano precisa ser executado em 12 meses, conforme o ministro do STF. Barroso é relator de uma ação que pede a retirada de invasores nas Terras Indígenas Kayapó, Munduruku, Yanomami, Trincheira Bacajá, Karipuna, Uru-Eu-Wau-Wau e Arariboia. Já houve decisões pretéritas ordenando a desintrusão.

Segundo o MPI, o novo plano operacional será entregue no dia 9 em cumprimento à decisão judicial.

"O MPI submete ao Judiciário relatórios trimestrais com resultados das ações, incluindo as dificuldades enfrentadas", afirmou a pasta. "Recentemente, o STF determinou novas diligências para suprir essas lacunas, que já estão sendo tratadas no âmbito ministerial."

Um decreto do presidente Lula, de 12 de setembro de 2023, criou o Comitê Interministerial de Desintrusão de Terras Indígenas. O comitê funciona no âmbito do MPI e passou a contar com a participação da Secretaria-Geral da Presidência, que coordena, por exemplo, a desintrusão das terras Apyterewa e Trincheira Bacajá.

"O comitê desenvolveu uma metodologia de critérios para desintrusão e as decisões são tomadas em colegiado pelos representantes de diferentes ministérios", disse o MPI. "Essas terras em voga estão entre as dez primeiras." A pasta não informou a ordem de prioridades nem a lista completa dos territórios com ações previstas porque considera os dados como atos preparatórios sigilosos para operações.

Entre os critérios levados em conta para definição de prioridades e urgências, segundo o ministério, estão presença de povos isolados ou de recente contato, insegurança alimentar, emergência de saúde e potencial conflito interno entre indígenas.

A opção pela desintrusão inicial de Apyterewa e Trincheira Bacajá levou em conta também questões logísticas, conforme o MPI.

A Secretaria-Geral da Presidência disse, em nota, que atua em desintrusões por haver necessidade de interlocução com a sociedade civil, uma atribuição da pasta. "No âmbito do governo federal, as ações de desintrusão são planejadas, coordenadas e operacionalizadas pelo comitê interministerial", afirmou.
Série de reportagens

O primeiro capítulo de "Cerco às aldeias", em junho, mostrou a realidade de duas aldeias da Terra Indígena Kayapó que estão cercadas por garimpos ilegais. A exploração chegou muito perto das comunidades Gorotire e Turedjam. A entrada de escavadeiras e caminhões só ocorre mediante pagamento de taxas a grupos de indígenas.

A terra kayapó é a que possui mais garimpos no Brasil, levando-se em conta a extensão das áreas abertas para a exploração ilegal de ouro num território demarcado.

No segundo capítulo, publicado em outubro, a reportagem mostrou que garimpos desorganizam comunidades da Terra Indígena Munduruku. As invasões geram conflitos internos, engolem roças das aldeias, enlameiam os rios, despejam mercúrio na água e adoecem os indígenas, com avanço de malária e diarreia.

O mais grave, porém, é o aumento de casos de crianças e mulheres com doenças neurológicas, o que pode estar conectado à intoxicação por mercúrio. Meninos e meninas mundurukus têm retardo mental grave e atraso de desenvolvimento, um quadro que pode estar associado à contaminação das mães pelo metal e que precisa de investigação, segundo profissionais de saúde.

O terceiro capítulo da série foi veiculado em dezembro e mostrou que o garimpo ilegal não cerca apenas aldeias de um pequeno território dos nambikwaras em Mato Grosso, mas também o posto de vigilância da Funai (Fundação Nacional dos Povos Indígenas), reaberto na Terra Indígena Sararé dois anos atrás.

A terra Sararé foi o segundo território com mais alertas de garimpo em 2023. Cerca de 2 mil invasores atuam todos os dias em garimpos que são verdadeiras invasões, com restaurantes, prostíbulos, barracos e acampamentos.

Ali, a exploração ilegal do minério conta com modalidades de devastação não vistas em outros territórios invadidos. Além de escavadeiras hidráulicas e dragas, garimpeiros usam explosivos para abertura de túneis na Serra da Borda e moinhos a motor para garimpagem em blocos de pedras desprendidos na serra. A aldeia Serra da Borda é uma das que estão cercadas por invasores.

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