Acre decreta estado de emergência após cheia histórica alagar mais de 20 comunidades indígenas: 'Perdemos tudo'
Com chuvas intensas, enchentes nos rios e plantações alagadas, caciques revelam, ao GLOBO, apreensão diante de uma possível crise de fome nos próximos meses
Giovanna Durães
Daniel Biasetto
26/02/2024
O Acre decretou estado de emergência em 17 municípios, onde ao menos 23 comunidades indígenas foram afetadas pela enchente histórica no interior do estado, após três dias de chuvas fortes neste fim de semana. As aldeias, que sofrem com os efeitos do aumento do nível de rios e igarapés, perderam grande parte das casas, estruturas e plantações. Ao GLOBO, alguns caciques e líderes afirmam temer pela fome nos próximo meses.
De acordo com o Distrito Sanitário Especial Indígena (Dsei) Alto Rio Purus, 395 famílias que vivem em comunidades indígenas foram atingidas até o momento, membros de etnias como Jaminawa, Kaxarari, Huni Kuin e Manchineri. Há registros de aldeias afetadas desde as bacias do Alto Acre, do Alto Purus, Tarauacá/Envira, até o Alto Juruá.
No atual cenário, a Terra Indígena Mamoadate, que abrange Sena Madureira e Assis Brasil, é uma das mais afetadas. Muitas destas comunidades ainda não se recuperaram dos danos causados aos seus roçados e casas pelas enchentes dos últimos dois anos.
A situação na região do Juruá é de extrema urgência, com comunidades indígenas enfrentando enchentes devastadoras devido a um período prolongado de chuvas intensas. Lideranças Kuntanawa, Ashaninka e Noke Koi relatam o avanço preocupante das águas, ameaçando aldeias inteiras e colocando em risco a vida, a segurança e a subsistência de centenas de famílias.
- O rio ainda está enchendo. Já avaliamos por cima, vão ficar só três roçados, o resto está tudo dentro d'água. Vamos passar um tempo sem macaxeira, a plantação afundou. Está muito feia a situação da aldeia, todo mundo passando uma dificuldade grande. Ninguém sabe como explicar isso - desabafou Enison Pyãnko, da comunidade Ashaninka, ao GLOBO. A comunidade contabilizou 54 roçados de mandioca comprometidos pela inundação.
O estado de emergência foi decretado nas cidades de Assis Brasil, Brasileia, Capixaba, Cruzeiro do Sul, Epitaciolândia, Feijó, Jordão, Mâncio Lima, Marechal Thaumaturgo, Plácido de Castro, Porto Acre, Porto Walter, Santa Rosa do Purus, Sena Madureira, Tarauacá, Xapuri e a capital, Rio Branco. A medida tem duração de 180 dias.
Em resposta ao pedido de ajuda das comunidades, o governo do Acre anunciou a criação de uma força-tarefa específica para atender os grupos indígenas. Um informe divulgado pela DSEI-ARJ aponta que no Polo Base da cidade de Jordão foram atingidas as aldeias Xiku Kurumim, Bom Jesus, Nova União e o bairro Kaxinawá. As prioridades nesse primeiro momento, segundo Francisca Arara, titular da Secretaria Extraordinária de Povos Indígenas do Estado (Sepi), são alimentação, água potável e kits de higiene.
- É muito trágico. São três dias de chuva, estamos sofrendo muito. Perdemos todos os materiais que conseguimos, geladeira, fogão, botija, panela. Sobrou apenas a nossa saúde. Perdemos todas as nossas sementes, melancia, feijão, amendoim - disse Ibã Salles ao GLOBO, cacique da aldeia Xiku Kurumim, que reúne 150 pessoas.
Jordão: 40% do município alagado
O município de Jordão, no Vale do Tarauacá/Envira, a mais de 450 km da capital Rio Branco, já havia decretado situação emergência na sexta-feira por conta da cheia do Rio Tarauacá, que já atinge mais de 5 mil pessoas. O hospital geral do município precisou ser evacuado após as águas do manancial chegarem na unidade de saúde. Pacientes e parte dos equipamentos foram levados para uma unidade montada provisoriamente no prédio da Secretaria de Assistência Social do município.
O governo do Acre, por meio da Secretaria de Estado de Saúde (Sesacre), enviou no sábado, 24, insumos indispensáveis para garantir a continuidade de atendimento aos moradores de Jordão. O município está em Situação de Emergência devido à cheia do Rio Tarauacá, que banha a cidade. Com cerca de 40% da área urbana afetada, até mesmo o hospital de referência no município foi inundado e os pacientes tiveram que ser transferidos para um ambiente improvisado.
A cidade de Brasiléia, no interior do Acre, está isolada por via terrestre desde a manhã desta segunda-feira (26). Na cidade, o rio Acre está com 13,98 metros, quase 3 metros acima da cota de transbordo que é de 11,40 metros. A cidade fica a 232 km da capital Rio Branco.
Enchente do Juruá
O rio Juruá e seus afluentes, como o rio Amônia, estão em níveis críticos, forçando o deslocamento de pessoas e a mobilização de recursos de emergência.
- A situação na região do Juruá é de extrema urgência, com comunidades indígenas enfrentando enchentes devastadoras devido a um período prolongado de chuvas intensas. Lideranças das comunidades Kuntanawa, Ashaninka e Noke Koi relatam o avanço preocupante das águas, ameaçando aldeias inteiras e colocando em risco a vida, a segurança e a subsistência de centenas de famílias - afirmou Francisco Piyãko, coordenador da OPIRJ e Liderança do Povo Ashaninka, durante reunião das lideranças indígenas com o governo do estado.
A situação mais crítica no Juruá está na Aldeia Apiwtxa, na Terra Indígena Kampa do Rio Amônia, em Marechal Thaumaturgo. Famílias já foram acolhidas em outras áreas mais seguras e roçados atingidos.
- Na Apiwtxa, muita chuva, o rio Amônia já está muito cheio e todas as famílias já estão em alerta... Para nós da aldeia, já estamos preocupados porque na fronteira, lá na comunidade peruana também está chovendo muito ainda e o rio já está cheio. Já tivemos 27 roçados alagados e algumas famílias já deslocadas para áreas mais altas - disse Wewito Piyãko, presidente da Associação do Povo Ashaninka, Apiwtxa, que relatou a situação alarmante, também durante a reunião.
https://oglobo.globo.com/brasil/noticia/2024/02/26/acre-decreta-estado-de-emergencia-apos-cheia-historica-alagar-mais-de-20-comunidades-indigenas-perdemos-tudo-video.ghtml
PIB:Acre
Áreas Protegidas Relacionadas
- TI Kampa do Rio Amônea
- TI Mamoadate
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