Funai afirma que violação de território Uru-Eu-Wau-Wau está ligada à aprovação do marco temporal no Congresso e à proximidade das eleições municipais
A nova invasão ao território demarcado dos indígenas Uru-Eu-Wau-Wau, no município de Governador Jorge Teixeira, em Rondônia, "é incentivada políticamente para extração ilegal de madeira e especulação imobilíaria", segundo a Fundação Nacional dos Povos Indígenas (Funai). A aprovação do marco temporal e a proximidade das eleições municipais aumentaram a tensão e investidas dos invasores. No dia 21 de janeiro, os indígenas encontraram, próximo a uma aldeia da região Alto Jamari, barracões montados e 50 pessoas, entre homens, mulheres e crianças, dentro do território para dividir os lotes de terras, uma prática da grilagem.
Uma ação de retirada dos invasores foi realizada pela Polícia Federal e Força Nacional de Segurança no fim de semana. Uma pessoa, identificada como líder da invasão, foi presa por acusação de crime de contrabando de produtos veterinários durante o cumprimento da diligência. Os invasores, os adultos, irão responder pelos crimes de associação criminosa, invasão de terras da União e desmatamento. As penas somadas podem chegar a 10 anos de prisão.
"Sabemos que há, além das pessoas que encontramos ali acampadas e invadindo Terra Indígena, um organismo coordenado e patrocinado financeira e politicamente para incentivar essas pessoas nas tentativas de ocupação ilegal de terras públicas", disse à Amazônia Real o chefe da Divisão Técnica da Coordenação Regional de Ji-Paraná da Funai, Ramires Andrade, que não divulgou nomes dos acusados para não prejudicar as investigações, que estão em segredo de justiça.
"Estamos monitorando de perto todos esses movimentos e, assim como agimos pronta e imediatamente para desmobilizar esse acampamento, continuaremos a agir para conter quaisquer outras iniciativas de invasores que tenham por objetivo ingressar, permanecer ou explorar ilegalmente o Território Indígena Uru-Eu-Wau-Wau", completou Andrade.
A recente invasão foi denunciada ao governo federal pela indigenista, historiadora e ativista ambiental Ivaneide Cardozo, que cobrou uma ação do poder público. Ela destaca que a aprovação do marco temporal pelo Congresso Nacional incentivou a nova invasão. "O povo sofria um risco iminente, pois estava próximo à aldeia. Também o desmatamento, a morte de animais ocorriam destruindo o território", afirma ela, também conhecida como Neidinha Suruí, que lembrou o recente conflito no qual foi assassinada Maria de Fátima (Nega Pataxó), por um filho de fazendeiro, na Terra Indígena Caramuru-Catarina Paraguassu, onde vive o povo Pataxó Hã-Hã-Hãe, no sul da Bahia.
Em dezembro, o Congresso Nacional derrubou os vetos do presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) sobre a Lei 14.701 (antigo PL 2903, que resgata a tese do marco temporal). O Supremo Tribunal Federal (STF) já havia decidido pela inconstitucionalidade da tese em setembro do ano passado, durante o julgamento do Recurso Extraordinário 1017365 [de repercussão geral]. O placar final de 9 x 2 contra a tese do Marco Temporal deixou claro que há um entendimento na corte sobre a inconstitucionalidade da matéria.
Com a decisão do Congresso, uma Ação Direta de Inconstitucionalidade (Adin) foi ingressada no STF pela Associação dos Povos Indígenas Brasileiros (APIB) junto com os partidos políticos PT, PSB, Rede Sustentabilidade, PSOL e PC do B. O Marco temporal é uma tese jurídica segundo a qual os povos indígenas têm direito de ocupar apenas as terras que ocupavam ou já disputavam em 5 de outubro de 1988, data de promulgação da Constituição. Leia aqui os vetos de Lula.
A 30 minutos da aldeia
Segundo lideranças Uru-Eu-Wau-Wau, que pediram para manter suas identidades em sigilo, devido às ameaças, o acampamento aberto pelos invasores no território estava distante a cerca de 30 minutos de carro da aldeia Alto Jamari. "A gente sentiu que o trabalho da Polícia Federal, junto com a Funai, foi feito. Mesmo assim, a gente está com medo de retaliação. São coisas que a gente está muito preocupado, por conta de algumas atividades que vêm acontecendo, por conta do que vem acontecendo em outros territórios", afirma uma das lideranças indígenas.
Em outra parte da Terra Indígena, os Uru-Eu-Wau-Wau lutam contra as consequências ao território do Projeto de Assentamento Dirigido (PAD) Burareiro, que assentou mais de 2 mil pessoas nos anos 80. "A gente está sempre preocupado por causa dessa demora, por causa das muitas invasões que vêm acontecendo. O Burareiro é um dos principais pontos, então a gente tem uma preocupação muito grande", disse outra liderança Jupaú.
Na década de 1980, as disputas pelo território Uru-Eu-Wau-Wau ficaram mais intensas após o processo de colonização e expansão de fronteiras agrícolas e pastoris no interior do estado de Rondônia. Apesar do reconhecimento dos direitos e da homologação da Terra Indígena, os conflitos territoriais não acabaram, e os invasores utilizam diferentes formas para promover crimes como: desmatamento, caça, garimpo, incêndios, roubo de castanhas, entre outras atividades ilícitas.
O filme mundialmente premiado "O Território", do qual Neidinha Suruí é protagonista, conta como é a luta dos indígenas na defesa dessa área e também mostra a ação dos invasores. O filme também relata como foi o assassinato de uma das principais lideranças dos Jupaú, em 18 de abril de 2020, Ari Uru Eeu Wau Wau. Ele era um dos responsáveis pelo monitoramento do território. A família suspeita que sua morte tenha relação com o combate às invasões da terra indígena.
Os indígenas Uru-Eu-Wau-Wau também são conhecidos como Jupaú, nome da autodenominação, que significa na língua Kawahiva "os que usam jenipapo". A Terra Indígena Uru-Eu-Wau-Wau foi demarcada em 1991 com 1.857 hectares de área pela Funai. Além dos Jupaú, o território tradicional abriga também os povos Amondawa e os Oro Win. Há referências sobre a presença de povos isolados da sociedade nacional.
A retirada dos invasores
A Polícia Federal, com apoio da Força Nacional de Segurança Pública e da Funai, realizou no sábado (27) a Operação Tapunhas (termo indígena "tapy'inha", que significa "branco invasor") para retirar as 50 pessoas que invadiram o território. "Foram inutilizados cerca de oito barracões/tendas, além da retirada dos invasores", diz nota da polícia, que informou que não houve resistência por parte dos criminosos.
Dois mandados de busca e apreensão foram cumpridos nos municípios de Governador Jorge Teixeira e Theobroma. "A Polícia Federal realizou diligências que confirmaram o contexto criminoso da ação e qualificaram uma das lideranças da movimentação delituosa", diz a nota da PF.
https://www.nexojornal.com.br/externo/2024/02/02/invasao-terra-indigena-uru-eu-wau-wau-rondonia
PIB:Rondônia
Áreas Protegidas Relacionadas
- TI Caramuru / Paraguassu
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