Líderes de acampamento indígena no DF criticam chefe da Casa Civil ao pedir demarcações
Em carta endereçada aos Três Poderes, organização afirma que promessas da gestão continuam pendentes e que o ministro Rui Costa 'segue mandando' nas homologações
Luis Felipe Azevedo
22/04/2024
O Acampamento Terra Livre (ATL) divulgou nesta segunda-feira uma carta com críticas à condução da política de demarcação de terras adotada pelo governo do presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT). No documento endereçado aos Três Poderes, as lideranças afirmam que as promessas da gestão federal continuam pendentes e que o ministro chefe da Casa Civil, Rui Costa, "segue mandando" nas homologações. A vigésima edição do evento foi iniciada nesta semana no Distrito Federal (DF), tendo como prioridade a luta contra o marco temporal.
"Já estamos no segundo ano de governo, e as suas promessas sobre demarcações continuam pendentes. Rui Costa, ministro Chefe da Casa Civil, segue 'mandando' sobre as homologações de Terras Indígenas e não podemos admitir esta situação", diz o ATL.
O documento é assinado pela Articulação dos Povos Indígenas do Brasil (Apib), em conjunto com organizações regionais de base. A carta pede por medidas efetivas que assegurem a proteção e o fortalecimento dos direitos dos povos indígenas.
Apesar da mudança de governo, o documento ressalta que as ameaças aos territórios, culturas e direitos indígenas persistem no país. A organização aponta que as terra indígenas continuam sob ameaça, "enquanto se discute marcos temporais e se concede mais tempo aos políticos".
O documento destaca a "contínua emergência indígena" e a necessidade de urgência no empenho federal na demarcação de terras. O ATL aponta que a importância desse trabalho é reforçada pelo "contexto de ano mais quente já registrado na história".
"Na iminência da Amazônia brasileira sediar a COP 30, temos pouco a comemorar enquanto nossos direitos territoriais e nossos saberes ancestrais não forem compreendidos como a principal solução para a emergência climática", afirma o ATL.
Com o lema "nosso marco é ancestral, sempre estivemos aqui", o evento deste ano também denuncia uma nova escalada de violações contra indígenas, com destaque para a violência que atinge os povos originários. A expectativa da Articulação Nacional dos Povos Indígenas é que esta seja a edição do ATL com maior público, superando os mais de 6 mil participantes no ano passado.
Outro tópico em discussão é o suicídio entre indígenas. Um estudo citado pela Apib, realizado por pesquisadores da Escola de Medicina de Harvard, nos Estados Unidos, e pelo Centro de Integração de Dados e Conhecimentos para Saúde da Fundação Oswaldo Cruz (Cidacs/Fiocruz), aponta que a população indígena lidera os índices de suicídio e autolesões no país, entretanto, tem menos hospitalizações.
Exigência por demarcações
No documento, a organização pede ao Executivo maior empenho no trabalho para "interromper a agenda anti-indígena no Congresso Nacional" e no fortalecimento do Ministério dos Povos Indígenas (MPI), da Funai e do Subsistema da Saúde Indígena. O ATL também aponta a necessidade da demarcação imediata das Terras Indígenas Morro dos Cavalos (SC), Toldo Imbu (SC), Xucuru Kariri (AL) e Potiguara de Monte-Mor (PB).
Além disso, pedem a finalização do processo de demarcação das 23 TIs cujos processos administrativos de demarcação aguardam apenas a portaria declaratória, e que estão na relação enviada pelo MPI ao Ministério da Justiça à época da reforma ministerial de 2023.
Ao Legislativo, a carta pede a retirada de tramitação e arquivamento definitivo das Propostas de Emenda à Constituição (PEC) que desconstitucionalizam os direitos indígenas.
Já ao Judiciário, a organização exige a declaração imediata da inconstitucionalidade do marco temporal pelo STF para conter as violências contra os povos originários. O ATL também pede a regulamentação da Consulta em que o Tribunal Superior Eleitoral (TSE) reconheceu o direito de candidaturas indígenas à reserva de fundos e propaganda partidária.
O MPI afirmou ao GLOBO que "houve, desde o início de 2023, uma forte retomada de homologações de terras indígenas" e que a pasta vem atuando junto a outros ministérios e órgãos para avançar sobre questões pontuais e problemáticas dos territórios pendentes.
Procurada pelo GLOBO, a Casa Civil não respondeu aos questionamentos. A reportagem será atualizada caso haja retorno da pasta.
Ameaça à isolados
Como mostrou o GLOBO, órgãos federais descumprem desde agosto de 2023 uma determinação do STF para elaborar um cronograma de identificação e delimitação das terras indígenas com referência confirmada de povo indígena isolado, entre elas Piripkura e Kawahiva, ambas em Colniza, cidade campeã de desmatamento na Amazônia em 2022.
Localizada no chamado arco do desmatamento e considerada a "porta de entrada" da Amazônia Legal, a Terra Indígena Kawahiva do Rio Pardo, em Colniza (MT), abriga um grupo isolado identificado e confirmado pela Funai nos idos de 2001. Mas de lá para cá, o processo de demarcação do território se arrasta, enquanto a floresta é derrubada por madeireiros e tomada pela grilagem em unidades de conservação que servem como zona de amortecimento ao habitat da comunidade ameaçada. Somente entre 2019 e 2022, já foram devastados mais de 5,5 mil hectares de mata nativa.
O Ministério da Justiça publicou uma portaria em 19 de abril de 2016 declarando os limites da área. Mas nada mais foi adiante. Imagens inéditas de expedições obtidas pelo GLOBO mostram a presença dos kawahiva na área a ser delimitada. Nas fotos e vídeos, foram registrados tapiris (casas e proteção de palhoça), cestos, redes e cumbucas feitas da capemba da paxiúba (folha larga de palmeiras aéreas), o que indica que algumas crianças estão entre o grupo e os usam como brinquedo.
Questionada sobre o status da demarcação, a Funai detalhou os mecanismos legais que se baseiam os processos, sem responder em que estágio está a regulação da TI Kawahiva, que aguarda ainda a demarcação física, de acordo com o cronograma ordenado pelo Supremo.
O MPI afirmou que a TI Piripikura está em fase de estudos de identificação e delimitação da área, visando a integridade física desses povos em situação de isolamento voluntário. Quanto a TI Kawahiva do Rio Pardo, a pasta diz que os trabalhos de regularização fundiária foram retomados em 2023, estando a Funai se organizando para fazer o georeferenciamento e demarcação física.
Procurado sobre o caso, o Ministério da Justiça e Segurança Pública afirmou que as homologações das demarcações das duas TI não estão na pasta, pois se encontram ainda em análise no Ministério dos Povos Indígenas. Já o Ministério Público Federal afirmou que as manifestações do órgão "são feitas pelos autos" e que o processo de demarcação é realizado pelo governo federal.
Marco temporal
No dia 12 de abril deste ano, a Procuradoria-Geral da República (PGR) defendeu a declaração de inconstitucionalidade de diversos pontos da lei que definiu a tese do marco temporal para a demarcação de terras indígenas. A PGR solicitou que o Supremo Tribunal Federal (STF) suspenda provisoriamente esses pontos, até que ocorra um julgamento definitivo.
A lei do marco temporal foi aprovada pelo Congresso no mesmo momento em que o STF rejeitou a tese, que estabelece que os indígenas só têm direito às terras que ocupavam no momento da promulgação da Constituição, em novembro de 1988.
O projeto diz que são consideradas terras tradicionalmente ocupadas pelos indígenas aquelas que em 5 de outubro de 1988 eram:
habitadas por indígenas habitadas em caráter permanente;
utilizadas para suas atividades produtivas;
imprescindíveis à preservação dos recursos ambientais necessários a seu bem-estar;
necessárias à sua reprodução física e cultural, segundo seus usos, costumes e tradições.
A manifestação é assinada pelo procurador-geral da República, Paulo Gonet, que afirmou que as regras da lei podem atrapalhar "inúmeros procedimentos de demarcação de terras indígenas que vinham tramitando regularmente em todo o país".
Em setembro do ano passado, o STF derrubou a tese do marco temporal por nove votos a dois. Uma semana depois, o Senado aprovou um projeto de lei que ia em sentido contrário ao decido pela Corte. Em outubro, Lula vetou a maior parte do projeto. O veto, contudo, foi derrubado em dezembro pelo Congresso.
https://oglobo.globo.com/brasil/noticia/2024/04/22/acampamento-indigena-comeca-nesta-segunda-feira-com-cobrancas-ao-governo-lula-por-demarcacao-de-terras.ghtml
Índios:Terras/Demarcação
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