Governo do AM terceiriza geração de créditos de carbono na amazônia e retarda consulta a comunidades
Área abrangida é de 12,4 milhões de hectares; OUTRO LADO: estado e empresas dizem que respeitarão vontade de 483 comunidades tradicionais
Vinicius Sassine
07/06/2024
MANAUS
O governo do Amazonas terceirizou a cinco empresas a geração de créditos de carbono em 12,4 milhões de hectares de floresta. Essas áreas, que estão em reservas e parques cuja preservação é de responsabilidade do próprio estado, equivalem a metade do estado de São Paulo.
A escolha dos empreendimentos privados foi feita antes de qualquer consulta livre a comunidades tradicionais nesses territórios -iniciativas de consulta foram atribuídas às empresas, o que deve ocorrer após aprovação dos projetos, segundo o edital do governo amazonense. O documento não deixa claro se haverá repartição de benefícios e recursos entre as comunidades impactadas.
Segundo o governo do Amazonas, existem 483 comunidades, com 8.050 famílias, nas áreas concedidas a empresas especializadas em geração de créditos de carbono e na venda desses créditos no mercado voluntário, formado principalmente por companhias interessadas em compensar suas emissões de gases de efeito estufa.
As empresas selecionadas poderão ficar com 15% dos valores, a título de "custos indiretos administrativos".
O modelo adotado pelo Amazonas é diferente do existente, por exemplo, no Tocantins, que fez um acordo com uma empresa de energia para geração e fornecimento direto dos créditos; no Acre, que criou uma empresa pública de capital misto para a negociação de créditos; e no Pará, que prepara um contrato de promessa de compra e venda com uma coalizão público-privada.
Em nota após a publicação da reportagem, o governo do Amazonas afirmou que todos os moradores relacionados às 21 unidades de conservação serão incluídos em consultas públicas, nos termos da convenção número 169 da OIT (Organização Internacional do Trabalho).
As consultas serão feitas em conjunto com a Secretaria do Meio Ambiente, após pré-contratos, cita a nota. Um termo para as primeiras consultas, nas reservas do Rio Negro e do Juma, foi assinado na quarta-feira (5).
"Nenhum contrato para elaboração de projeto foi assinado sem o consentimento dos beneficiários", disse a secretaria.
Os estados alegam ter um estoque de créditos de carbono a partir da redução do desmatamento da amazônia. Assim, a retenção de CO2 poderia ser vendida a quem precisa compensar suas emissões.
Os créditos de carbono são gerados a partir de atividades que evitam desmatamento e degradação da floresta. Isso passa pela atuação de comunidades tradicionais, como ribeirinhos e extrativistas, que vivem do que a floresta em pé fornece.
Empresas que atuam no ramo vêm pressionando comunidades a aceitarem acordos para geração de créditos de carbono, com cláusulas consideradas abusivas.
O instrumento que permite o mecanismo de créditos de carbono é o REDD+, desenvolvido no âmbito da Convenção da ONU sobre Mudança do Clima. Um crédito equivale a uma tonelada de CO2 que deixa de ser emitida para a atmosfera em razão do desmatamento que foi evitado.
Agora, empresas especializadas estão sendo escolhidas pelo próprio governo do Amazonas, estado que detém a porção mais preservada da amazônia, para o desenvolvimento de projetos de geração de créditos relacionados a redução de desmatamento.
O estado ofertou as 42 unidades de conservação sob sua responsabilidade, num total de 19 milhões de hectares. Houve seleção e habilitação de empresas para metade das unidades, que incluem reservas de desenvolvimento sustentável, reservas extrativistas, parques e área de preservação ambiental. O governo diz que os créditos a serem gerados valem R$ 8 bilhões.
As empresas escolhidas foram Carbonext, BR Carbon, Future Carbon, Permian Brasil e Ecosecurities do Brasil.
"As propostas dos projetos deverão seguir um dos padrões internacionalmente reconhecidos, vigentes, e que permitam a captação de recursos via comercialização dos créditos de carbono", cita o edital. A confirmação das empresas selecionadas ocorreu em março e abril.
A Carbonext afirmou que essa é a primeira parceria pública para desenvolvimento de projeto em unidades de conservação. "O processo está na fase de celebração. O edital prevê consultas após essa fase. Só então serão assinadas as parcerias."
Já a BR Carbon disse que utiliza padrões internacionais e auditorias independentes para atuar no mercado voluntário de carbono, "em prol da conservação da unidade de conservação". "A responsabilidade pela gestão e conservação da unidade não deixa de ser do estado."
A Future Carbon, por sua vez, afirmou que o processo seletivo seguiu a Constituição, com transparência e concorrência. "Comparado aos projetos de geração de créditos privados e em outros países, 85% dos recursos arrecadados em investimentos sociais e climáticos coloca o projeto entre os maiores em repartição de benefícios com comunidades."
A Permian Brasil disse que cumpriu os requisitos do edital e que as áreas para as quais foi escolhida não têm comunidades tradicionais. "Caso haja populações impactadas no entorno das áreas, a empresa seguirá rigorosamente os protocolos de consulta livre."
A Ecosecurities não respondeu aos questionamentos da reportagem.
Os créditos gerados nas unidades de conservação devem ser aplicados nas próprias unidades, em zonas de amortecimento e ainda no fundo estadual de mudanças climáticas, conforme a proposta do governo do Amazonas.
"Após a aprovação da proposta do projeto pela comissão de seleção, o proponente deverá realizar consultas prévias, livres e informadas com os beneficiários do projeto, nos termos da Convenção 169 da OIT [Organização Internacional do Trabalho], antes da celebração de parceria junto à Sema [Secretaria de Estado de Meio Ambiente]", afirma o edital da secretaria.
Entre as áreas para as quais foram selecionadas empresas especializadas em créditos de carbono, estão as reservas de desenvolvimento sustentável Mamirauá e Amanã. Na primeira, existem cerca de 200 comunidades e 15 mil pessoas; na segunda, cerca de 10 mil pessoas, conforme o Instituto de Desenvolvimento Sustentável Mamirauá.
O instituto, sediado em Tefé (AM) e voltado a atividades de pesquisa e manejo sustentável na Amazônia, atua nas duas reservas. É vinculado ao Ministério da Ciência, Tecnologia e Inovação.
A empresa escolhida pelo governo do Amazonas para geração de créditos nas duas reservas foi a Ecosecurities do Brasil. O Instituto Mamirauá foi contatado pela empresa para atividades de consulta às comunidades. O entendimento no instituto, hoje, é que o projeto só vai adiante se houver transparência, consulta livre e clareza sobre repartição de benefícios às comunidades.
Conforme gestores do instituto, é preciso que as ações contemplem atividades já existentes, como monitoramento de biodiversidade e manejo florestal e na pesca.
Outra empresa selecionada, a Carbonext, cuidará de projetos em duas áreas de preservação ambiental, em região mais próxima de Manaus.
A empresa já abandonou uma parceria com indígenas da terra Kayapó, no Pará, depois de promessas de "milhões de reais" em projeto de crédito de carbono, e firmou contratos com associações de trabalhadores de reservas extrativistas no estado, em que cláusulas foram consideradas abusivas por órgão ambiental do governo federal. Contratos previram repasses de 50% à empresa.
A Carbonext também é parceira em projetos de uma empresa suspeita de grilagem, esquentamento de madeira e geração de créditos de carbono irregulares no valor de R$ 180 milhões. O suposto esquema é investigado pela PF (Polícia Federal) e foi alvo de operação policial nesta quarta (5). A Carbonext não foi alvo de mandados de busca ou prisão.
Segundo a Carbonext, protocolos de consulta são seguidos de forma transparente e respeitosa, termos de contrato são válidos e, no caso da investigação da PF, pode vir a figurar como vítima se as acusações forem comprovadas.
CRÉDITOS DE CARBONO EM OUTROS ESTADOS
No Tocantins, que integra a Amazônia Legal, um acordo com a Mercuria, empresa suíça do setor de energia, incluiu créditos futuros até 2030, segundo o secretário do Meio Ambiente, Marcello Lelis. O estado estruturou uma SPE (sociedade de propósito específico) com a Mercuria para a geração dos créditos.
Segundo o secretário, há previsão de repartição de 20% dos benefícios com as comunidades tradicionais. "Recursos já chegaram, no valor de R$ 7 milhões, para estudos, validação e certificação de créditos."
No Acre, houve a estruturação da CDSA (Companhia de Desenvolvimento de Serviços Ambientais), que desenvolve os projetos para geração e comercialização de créditos de carbono. Uma empresa, a Global Environmental, foi contratada para a oferta nos mercados nacional e internacional.
"Detalhes sobre volume e valor dos ativos são confidenciais por razões estratégicas de mercado e não devem ser expostos por ora", disse o presidente da CDSA, José Luiz Gondim. "Mecanismos de desenvolvimento do mercado de carbono são cruciais para a redução das emissões de gases de efeito estufa."
O governo do Pará afirmou, em nota, que fará a primeira emissão de créditos de carbono jurisdicionais em 2025. "Em 2024, o Pará deve firmar o seu primeiro contrato de promessa de compra e venda de emissões reduzidas (conhecidos popularmente como créditos de carbono jurisdicionais). Essa primeira transação se dará com a Coalizão LEAF."
Segundo o governo paraense, recursos arrecadados serão repartidos entre quem contribui para redução do desmatamento, como quilombolas, extrativistas, indígenas e agricultores familiares. "São atores que possuem boa parte do estoque e do fluxo de carbono no estado."
https://www1.folha.uol.com.br/ambiente/2024/06/governo-do-am-terceiriza-geracao-de-creditos-de-carbono-na-amazonia-e-retarda-consulta-a-comunidades.shtml
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