Não, uma aldeia remota da Amazônia não se viciou em pornografia

New York Times - https://www.nytimes.com/pt/2024/06/11/world/americas/nao-uma-aldeia-remota-da-amazo - 11/06/2024
Não, uma aldeia remota da Amazônia não se viciou em pornografia
Uma reportagem do New York Times sobre a chegada da internet de alta velocidade em uma aldeia remota da Amazônia acabou trazendo um alerta sobre o lado sombrio da própria web.
Uma antena Starlink em uma aldeia Marubo em uma visita do New York Times em abril.Credit...Victor Moriyama for The New York Times

Por Jack Nicas
Jack Nicas escreveu a reportagem original sobre como se deu o processo de conexão com a internet para o povo Marubo.
June 11, 2024

Em abril, caminhei mais de 80 quilômetros pela floresta amazônica para visitar as aldeias remotas do povo Marubo. A etnia de 2.000 indígenas tinha se conectado à internet de alta velocidade recentemente, e eu queria entender como isso havia afetado suas vidas.
Em uma visita de uma semana, vi como eles usavam a internet para se comunicar entre as aldeias, conversar com pessoas queridas distantes e pedir ajuda em casos de emergência. Muitos Marubo também me disseram estar preocupados que a conexão com o mundo exterior abalasse sua cultura, a qual eles vêm preservando por gerações na floresta. Alguns idosos reclamaram de adolescentes grudados em celulares, participando de grupo cheios de fofocas e vendo pornografia.
Como resultado da apuração, a reportagem que o New York Times publicou no dia 2 de junho foi, em parte, sobre a introdução do povo Marubo aos males da internet.
Mas, após a publicação, essa perspectiva tomou uma dimensão totalmente diferente.
Na semana passada, mais de cem sites em todo o mundo publicaram manchetes que afirmaram falsamente que os Marubo se viciaram em pornografia. Junto a essas manchetes, os sites publicaram imagens do povo Marubo em suas aldeias.
O New York Post, um tabloide de Nova York, foi um dos primeiros a dizer, na semana passada, que o povo Marubo estava "viciado em pornografia". Rapidamente, dezenas de veículos seguiram esse mesmo caminho. A manchete do site TMZ talvez tenha sido a mais contundente: "CONEXÃO DE TRIBO À STARLINK PROVOCA VÍCIO EM PORNÔ!!!"
O Post e o TMZ não responderam aos pedidos de posicionamento feitos pelo Times.
Manchetes parecidas se proliferaram em todo o mundo, inclusive em países como Reino Unido, Alemanha, Austrália, Índia, Indonésia, Malásia, Turquia, Nigéria, México e Chile. A RT, mídia estatal russa, publicou um texto com a alegação em árabe. Foram inúmeros vídeos, memes e posts nas redes sociais.
No Brasil, o boato se espalhou rapidamente, inclusive nas pequenas cidades amazônicas onde alguns Marubo hoje vivem, trabalham e estudam.
O povo Marubo não é viciado em pornografia. Não havia nenhuma sugestão disso nas aldeias, nem na reportagem do New York Times.

Um indígena Marubo usando a internet.Credit...Victor Moriyama for The New York Times
Em vez disso, a reportagem citou a reclamação feita por um líder Marubo de que alguns adolescentes tinham compartilhado pornografia em grupos de WhatsApp. Isso é especialmente preocupante, ele disse, porque a cultura Marubo desaprova até mesmo o beijo em público.
Muitos sites que distorceram essa informação são agregadores de notícias, o que significa que seu modelo de negócios gira, em grande parte, em torno do reempacotamento de reportagens de outros veículos jornalísticos, muitas vezes usando manchetes sensacionalistas com o objetivo de vender anúncios.
Como esses sites também divulgam links para a reportagem original, eles geralmente estão protegidos por lei, mesmo que deturpem o conteúdo.
Hoje, esses tipos de sites e manchetes enganosas se tornaram mais uma parte da economia da internet. Para um usuário experiente da web, essas táticas são conhecidas.
Para os Marubo, porém, a experiência foi desconcertante e enfurecedora.
"Essas alegações são infundadas, mentirosas e só refletem uma corrente ideológica enviesada que desrespeita a nossa autonomia e a nossa identidade", disse Enoque Marubo, líder Marubo que trouxe a Starlink às aldeias de sua aldeia, em um vídeo postado em suas redes no domingo à noite.
Segundo ele, a reportagem do Times enfatizou excessivamente os aspectos negativos da internet e "resultou numa disseminação de uma visão distorcida".
Alfredo Marubo (todos os Marubo usam o mesmo sobrenome), líder que disse na reportagem do Times que estava preocupado com a pornografia, também se manifestou nesta terça-feira em um comunicado por meio de sua associação indígena. Ele disse que as manchetes enganosas têm o potencial de gerar "exposições irreversíveis à imagem das pessoas e, por isso, nos sentimos expostos diante da má interpretação da notícia verdadeira".
Eliesio Marubo, advogado e ativista pelos direitos indígenas, é uma das figuras mais conhecidas do povo Marubo. Por isso, quando as manchetes viralizaram, Eliesio disse que recebeu dezenas de milhares de mensagens e marcações em comentários nas redes sociais. Muitos zombavam do povo Marubo, disse ele.
Eliesio disse que a reportagem abriu um debate importante sobre a chegada repentina da internet de alta velocidade a grupos indígenas remotos. Essa discussão mostra as promessas da internet, mas ilustra seus perigos com a desinformação.
"A internet, de fato, traz muita facilidade", disse ele, "mas ela também traz muita dificuldade".

Jack Nicas is the Brazil bureau chief for The Times, based in Rio de Janeiro, where he leads coverage of much of South America. More about Jack Nicas

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