Multa para quem descumprir determinação judicial é de R$10 mil por dia, segundo a decisão da Justiça Federal de Alagoas
A Justiça Federal proibiu qualquer construção dentro da Terra Indígena Xukuru-Kariri, em Palmeira dos Índios, município alagoano onde o Parque Aquático Graciliano Ramos era edificado sem autorização. A decisão foi proferida na segunda-feira (5) após a Funai (Fundação Nacional dos Povos Indígenas) mover uma ação civil pública contra a prefeitura e a empresa responsável pelo empreendimento. Com multa diária no valor de R$ 10 mil como pena para quem descumprir a determinação judicial, a decisão assegura ao povo Xukuru-Kariri os direitos ao território, previstos na Constituição Federal de 1988.
A decisão da juíza Camila Monteiro Pullin, da 8ª Vara Federal de Alagoas, acolheu a denuncia de que o território destinado aos indígenas, de 7.036 hectares, segundo portaria declaratória expedida pelo Ministério da Justiça, em 2010, foi desapropriado pela prefeitura de Palmeira dos Índios para a construção de um parque aquático e polo industrial. As obras do empreendimento, inclusive, já começaram dentro da reserva, que passou por quase todas as etapas de demarcação, com exceção da homologação do presidente da República.
"O prosseguimento das obras pode aumentar, inclusive, o clima de animosidade e conflito entre os não indígenas e indígenas da região, ocasionando problemas de outras ordens para além do direito de propriedade em si", diz a decisão judicial, publicada pela Justiça Federal de Alagoas.
Compra do imóvel
O anúncio do centro de lazer e turismo, que contaria com "piscinas, toboáguas, restaurantes, entre outros espaços", conforme descreveu a administração municipal, foi feito pelo prefeito Julio Cezar (PSB), em março de 2023. Nessa data, ele lançou a "pedra fundamental" que deu início à construção do "Parque Aquático Graciliano Ramos". O escritor foi prefeito da cidade, de 1928 a 1930, que serviu de cenário para o seu primeiro romance, Caetés.
O terreno, situado dentro da área declarada como indígena, foi adquirido pela prefeitura, em 19 de janeiro de 2023, por R$ 1 milhão de um posseiro e "doado" a um empresário local, segundo nota da administração. Diante da apropriação do seu território, lideranças indígenas denunciaram o caso a Funai, que interpelou a prefeitura sobre o descumprimento de uma norma que veta a aquisição de áreas "reivindicadas por grupos indígenas".
No documento apresentado, a Funai diz que nunca foi consultada pelo município de Palmeira dos Índios sobre a incidência dos imóveis dentro da Terra Indígena, o que seria, para eles, "procedimento rotineiro por meio do qual cidadãos, empresários e interessados em investir na região comumente procuram a Coordenação Regional Nordeste I da Funai a fim de saber se suas áreas incidem dentro do território Xucuru Kariri".
"Os governos devem consultar os povos interessados toda vez que houver medidas legislativas ou administrativas capazes de afetá-los", diz a decisão judicial.
A gestão municipal, por sua vez, argumentou que estava amparada em outra norma, baixada pelo governo Jair Bolsonaro em 2020, que permitia o reconhecimento de propriedade privada e comercialização de terras demarcadas ainda não homologadas. No entanto, em agosto de 2023, essa regra foi revogada pelo presidente Luiz Inácio Lula da Silva .
"Em nenhum momento a Funai, responsável por orientar e executar a política indigenista, foi comunicada pelo município, o que contraria o direito de consulta aos povos indígenas previsto na Convenção 169 da Organização Internacional do Trabalho (OIT)", disse a Funai em nota.
O povo Xukuru Kariri se divide em 10 aldeias com cerca de 2.400 indígenas, segundo a última pesquisa do IBGE de 2022. Eles utilizam as terras para plantar banana, batata doce, macaxeira, milho, couve, feijão de corda e hortaliças, além de fazer os seus rituais tradicionais. O líder indígena Gecivaldo Xukuru Kariri, em entrevista ao GLOBO, afirmou que a terra indígena já passou por todas as etapas legais de demarcação, que, segundo ele, só foi barrada por uma "questão politiqueira".
- Se eles têm dinheiro (para construir um parque), por que não compram terras para esses posseiros e fazem a desintrusão? - questionou Gecivaldo.
Em maio deste ano, o prefeito de Palmeira dos Índios Julio Cezar disse ao GLOBO que talvez seja o "único prefeito que não tem terreno" na terra indígena. Ele justificou o polo industrial e aquático como uma "iniciativa para gerar riqueza e emprego" à cidade e que, quando o comprou, tinha "amparo legal" da Funai para isso.
- Qual é o prefeito que não quer trazer uma fábrica para a sua cidade? É uma questão social e econômica. Eu não sou contra a demarcação, mas não se pode resolver um problema (a homologação da terra indígena) criando outro (o desalojamento dos posseiros) - acrescentou o prefeito.
Base aliada
O prefeito Julio Cezar é da base aliada do governo Lula. Durante a campanha de 2022, ele participou de comícios pedindo votos ao petista ao lado do governador Paulo Dantas (MDB) e do ministro dos Transportes, Renan Filho (MDB). Em janeiro de 2023, acompanhado do senador Renan Calheiros (MDB-AL), ele teve uma reunião com o então ministro da Justiça, Flávio Dino, e com a secretaria-executiva da Casa Civil, Miriam Belchior. Na ocasião, ele afirmou que a homologação não poderia ser feita sem o diálogo com o poder municipal e estadual, porque "quando dá o problema, a população bate na porta do prefeito para reclamar".
https://oglobo.globo.com/brasil/noticia/2024/08/06/justica-federal-suspende-construcao-de-um-parque-aquatico-em-terra-indigena-em-alagoas.ghtml
PIB:Nordeste
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