Como um recordista de multa ambiental na Amazônia pode ganhar a eleição? É preciso ir lá para entender

O Globo - https://oglobo.globo.com/ - 10/10/2024
Como um recordista de multa ambiental na Amazônia pode ganhar a eleição? É preciso ir lá para entender

Por Míriam Leitão

10/10/2024

O grande problema que explica essa estranha vinculação é que a atividade criminosa, desmatamento, garimpo, vira a fonte de toda a atividade econômica da cidade. É quem gera emprego, quem sustenta o comércio, quem apoia as atividades comunitárias.

O repórter que fez a matéria que está hoje no Globo, sobre esse fenômeno, Eduardo Gonçalves, foi lá e fez muitas reportagens no primeiro turno. Eu também, em outro momento fui para pelo menos uma das cidades citadas por ele. Pode parecer que é descaso da população com a questão ambiental e não é. O problema é a impunidade e a falha do Estado.

Eduardo Gonçalves aponta cinco municípios - Apuí (AM), Marcelândia (MT), Lábrea (AM), Colniza (MT) e São Félix do Xingu (PA) - e mostrou como candidatos que têm multas por crime ambientais foram eleitos. Quando se vai ao local a gente encontra tanto com pessoas da comunidade que estão na resistência ambiental, quanto com aquelas que simplesmente vivem em torno da atividade econômica criminosa, seja garimpo, seja desmatamento.

Estive em São Félix do Xingu, que é um dos municípios citados na matéria, e lá quem ganhou foi o pecuarista Fabrício Pereira Batista (Podemos), que foi autuado em R$ 2,2 milhões pelo Ibama por desmatamento ilegal e não pagou a multa. O atual prefeito João Kleber (MDB) também tem muitas multas a pagar e é acusado de diversos crimes os quais ele alega ser inocente. Então ali não havia escolha boa. Eu o entrevistei quando eu fui a São Félix Xingu, a cidade que tem o maior rebanho do Brasil e que tinha, na época, a terra indígena mais desmatada do Brasil, Apyterewa, onde vivem os índios Parakanã. Foi uma entrevista muito tensa, porque eu o cobrei pelo desmatamento e a ocupação de terra indígena. Para se ter uma ideia, o prefeito recapeado uma estrada clandestina para facilitar a vida dos que ocuparam ilegalmente a terra indígena.

A vitória de Fabrício Pereira Batista, também acusado de desmatamento, prova que a cidade continua a viver vive em torno do desmatamento ilegal para formar pastos e para a pecuária ilegal. Outras cidades que vivem a mesma situação, candidatos foram eleitos prefeitos também com uma lista de multas e crimes ambientais.

Isso deixa claro que falta de uma presença mais forte do Estado, que é preciso criar limites e punição efetivas para esses crimes não ampliem seus domínios. A loja que vai vender equipamento para o garimpo, para o desmatamento dá emprego, dá renda, por causa do crime. E esses criminosos fazem a benemerência. São eles quem dá dinheiro para a festa da escola, para fazer a comemoração da cidade, e assim vão se transformando em líderes.



Essa mistura do crime impune com a cidade é ó que vai produzir esse fenômeno terrível de, em plena era da mudança climática, com a Amazônia vivendo dois anos de seca grave, os criminosos ambientais sejam candidatos e sejam eleitos.

É importante ainda levantar um ponto: sempre falamos que há agronegócio do bem e o do mal. O do bem é moderno, tecnológico e está no Sul do país, em parte do Centro-Oeste. Mas a verdade é que há uma conexão entre os produtores em áreas ilegais da Amazônia com os produtores do resto do país e a prova está nessa reportagem. Os prefeitos eleitos em Apuí e Marcelândia, criminosos ambientais, são fazendeiros no Paraná.

São esses elos da cadeia do crime que o Brasil precisa enfrentar para proteger o seu meio ambiente, para lutar contra as mudanças climáticas, para se integrar ao mundo, para produzir alimentos sem tantos efeitos nocivos para todos os brasileiros.

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