Proprietário de fazenda onde indígenas foram espancados no MS é filho de presidente de cooperativa paranaense

De Olho Nos Ruralistas - https://deolhonosruralistas.com.br - 29/11/2023
Dono da Fazenda Maringá é filho de Valter Pitol, fundador e presidente da Copacol, uma das 100 maiores empresas do agronegócio brasileiro; antropóloga e jornalista canadense foram torturados por pistoleiros durante cobertura de ataque à retomada Pyelito Kue

A Assembleia Geral do Povo Kaiowá e Guarani, realizada entre 22 e 26 de novembro, foi marcada pela denúncia de novas violações de direitos humanos contra indígenas no Mato Grosso do Sul, após a tentativa de retomada do território tradicional de Pyelito Kue, no município de Iguatemi, próximo à fronteira com o Paraguai.

Em 17 de novembro, membros dessa comunidade retomaram uma parcela da Fazenda Maringá, um imóvel de 424 hectares inteiramente sobreposto à área delimitada para a criação da Terra Indígena (TI) Iguatemipeguá I. No dia seguinte, o grupo foi cercado por jagunços, que realizaram disparos contra a retomada, obrigando os indígenas a se refugiarem na mata. "Eles ficaram ilhados de três a quatro dias nessa situação, com fome e sem acesso à água", aponta Matias Benno Rempel, integrante do Conselho Indigenista Missionário (Cimi).

Ao tomar conhecimento do cerco, a antropóloga e cineasta Ana Carolina Mira Porto e o jornalista canadense Renaud Philippe, que realizavam a cobertura da assembleia, se dirigiram até Iguatemi, mas foram impedidos de chegar à área da retomada. Ainda na estrada, o casal foi abordado por homens encapuzados. Os dois foram torturados e tiveram seus equipamentos roubados. O caso ganhou repercussão imediata e foi exibido no Jornal Nacional, da Rede Globo.

A partir das bases de dados fundiários do Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária (Incra), De Olho nos Ruralistas identificou a titularidade da Fazenda Maringá, palco dos ataques recentes contra os Guarani Kaiowá.

O imóvel está registrado em nome do cardiologista Ranieli Pitol. Residente em Cascavel (PR), ele é filho de Valter Pitol, diretor-presidente e um dos fundadores da Cooperativa Agroindustrial Consolata (Copacol), uma das 100 maiores empresas do agronegócio brasileiro, de acordo com a revista Forbes. Com mais de 7 mil cooperados, o grupo registrou faturamento de R$ 9,2 bilhões em 2022.

TI IGUATEMIPEGUÁ AGUARDA DEMARCAÇÃO HÁ 10 ANOS
A retomada do território tradicional de Pyelito Kue tem como objetivo pressionar o governo federal para concluir o processo de demarcação da TI Iguatemipeguá I, paralisada há dez anos, desde a identificação do território pela Funai. Atualmente, dos 41,6 mil hectares delimitados para a criação da TI, 28 mil são ocupados por fazendas de pecuária bovina. Ali, cerca de 1,7 mil indígenas que vivem confinados em pequenas aldeias entremeadas por pasto degradado e sem qualquer segurança, como no caso da comunidade Pyelito Kue, disposta sobre uma área de 90 hectares.

Historicamente, a TI Iguatemipeguá I tem sido disputada por grandes fazendeiros, entre eles o deputado federal Dilceu Sperafico (PP-PR), um dos líderes da Frente Parlamentar da Agropecuária (FPA). Os dados integram os dois relatórios da série Os Invasores, publicada pelo De Olho Ruralistas, que revelou os nomes de empresas e políticos responsáveis por 1.692 sobreposições em terras indígenas, a exemplo da Fazenda Maringá.

Pela sua importância para as comunidades indígenas da região, o território de Pyelito Kue foi alvo de outras tentativas de retomada, sempre marcadas por ameaças de morte e represálias por parte dos fazendeiros. Em 2015, segundo o jornal A Nova Democracia, cerca de 300 Guarani Kaiowá adentravam as Fazendas Maringá e Santa Rita, quando capangas dos latifúndios disseram que "todos seriam mortos".

Além de Ranieli Pitol, proprietário da Maringá, outro nome relevante da Copacol possui um imóvel sobreposto à TI Iguatemipeguá I. Ex-gerente de unidades e superintendente agrícola da cooperativa, Rubem Marco de Salles Santos é proprietário da Fazenda Saturno II, cujos 364,73 hectares de extensão estão inteiramente dentro dos limites da área delimitada em 2013 pela Fundação Nacional dos Povos Indígenas (Funai).

COOPERATIVA RECEBEU BENESSES DO GOVERNO BOLSONARO
Fundada em 1963, com sede em Cafelândia (PR), a Copacol comercializa seus produtos em centenas de supermercados ao redor do país. Através da Central Frimesa - uma parceria com as cooperativas paranaenses Lar, C. Vale, Copagril e Primato -, o grupo distribuiu 201 milhões de aves, 352 mil suínos e mais de 10 milhões de litros de leite em 2022. A empresa também é patrocinadora oficial do Athletico Paranaense, estampando o uniforme do clube há cinco anos.

Em 2022, último ano do governo Bolsonaro, a Copacol recebeu o Selo Verde do Ministério da Agricultura, iniciativa de certificação de boas práticas para produtos com ciclo de vida "socioambientalmente responsável". Embora tenha conquistado a certificação, a cooperativa não divulga informações sobre sua cadeia de fornecedores. No último balancete anual, consta apenas a afirmação genérica de que a Copacol investe em propriedades que "respeitam a natureza, com equilíbrio e uso racional das nossas riquezas".

A cooperativa foi procurada pela reportagem para comentar sobre os episódios de violência na Fazenda Maringá e se o imóvel consta em sua base de fornecedores. Não houve retorno até o fechamento da matéria.

Em dezembro de 2022, a empresa obteve um financiamento de R$ 28 milhões para a implantação de painéis solares via Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES). Tanto o financiamento quanto o selo de conformidade foram garantidos à Copacol no mesmo ano em que seu presidente, Valter Pitol, se engajou na campanha de reeleição de Jair Bolsonaro.

As vantagens garantidas à cooperativa paranaense durante o último governo vão além: a Copacol está entre as empresas que obtiveram o direito à "segurança orgânica", isto é, de treinar e armar seus próprios agentes de vigilância patrimonial. O relatório "Oligarquias Armadas", publicado pelo De Olho nos Ruralistas em 2022, analisou uma base de dados inédita do Departamento de Polícia Federal (DPF) relativa a 1.051 pessoas jurídicas que obtiveram autorização para exercer a "segurança orgânica" de seu patrimônio, com a permissão expedida pelo Exército Brasileiro para compra e venda de armas de fogo, inclusive as de grosso calibre.

DOCUMENTARISTAS RELATAM CONIVÊNCIA DE POLICIAIS
De acordo com informações do Conselho Indigenista Missionário (Cimi), o jornalista Renaud Philippe e a cineasta e antropóloga Ana Carolina Mira Porto foram agredidos, ameaçados e tiveram pertences roubados enquanto apuravam as violências contra os indígenas.

"Renaud foi brutalmente espancado e teve parte de seu cabelo arrancado", informa o Cimi, em nota. "Carolina foi ameaçada com uma faca e arrastada pelos homens, que disseram que marcariam seu rosto e cortariam seu cabelo". Os agressores roubaram documentos, equipamentos de filmagem, celulares e cadernos de anotações.

Há dois anos, Carolina e Renaud trabalham em um fotodocumentário sobre a luta dos Guarani Kaiowá em defesa dos seus territórios. Eles registravam a assembleia quando foram informados sobre as agressões contra os indígenas e seguiram para a comunidade Pyelito Kue. Na rodovia MS-386, rumo ao local da retomada, foram abordados por agentes do Departamento de Operações de Fronteira (DOF), ligado à Polícia Militar do estado do Mato Grosso do Sul. Identificaram-se como jornalistas e disseram ter recebido relatos de conflitos em Iguatemi.

"Os agentes do DOF afirmaram a eles, com ironia, que nada estava ocorrendo ali", afirma o Cimi, em nota.

A dupla optou, então, por retornar ao perímetro urbano de Iguatemi, onde havia sinal de internet, e enviaram mensagens a órgãos públicos sobre a estranheza da situação. Menos de uma hora depois da abordagem, os documentaristas retomaram o trajeto e, na mesma altura da rodovia, encontraram a estrada bloqueada por dezenas de caminhonetes. O casal desceu do veículo e foi cercado por homens encapuzados e armados. Carolina e Renaud se identificaram como jornalistas, mas foram hostilizados e agredidos.

No último mês de agosto, o Supremo Tribunal Federal (STF) aceitou uma ação proposta pela Articulação dos Povos Indígenas do Brasil (Apib), denunciando as ações da Polícia Militar do Mato Grosso do Sul contra comunidades indígenas. Segundo a ação, o governo do estado utiliza a PM como "milícia privada a serviço dos fazendeiros da região", dando apoio a ações violentas de desocupação forçada. Além de investigar a conduta da corporação, o Supremo deverá decidir quanto a uma série de pedidos formulados pela Apib, entre eles a instalação de câmeras nas fardas e viaturas dos militares e a obrigação de notificar a Funai e o Ministério dos Povos Indígenas com antecedência de 24 horas em caso de operações policiais.

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PIB:Mato Grosso do Sul

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