Centro de Trabalho Indigenista - https://trabalhoindigenista.org.br/ - 06/01/2025
O ano de 2025 começou do mesmo jeito que terminou 2024 para o povo Ava Guarani na região Oeste do Paraná. Desde 29 de dezembro, a comunidade da aldeia Yvy Okaju (antigo Y'hovy) sofre uma nova onda de ataques promovidos por pistoleiros não indígenas que queimaram casas e deixaram diversos feridos por armas de fogo. Os ataques tiveram seu momento mais critico na última sexta-feira (03/01) à noite, quando quatro pessoas foram alvejadas, dentre elas uma criança de 7 anos. Este ultimo ataque repercutiu rapidamente e ganhou destaque nos principais jornais do país, gerando reações tardias do governo federal, mas a iminência de uma tragédia já vinha sendo anunciada pelos Ava Guarani.
No caso da aldeia Yvy Okaju, os ataques estão partindo de um grupo de moradores de Guaíra que não aceitam a presença dos Ava Guarani em uma área que faz parte de suas terras tradicionalmente ocupadas e foi retomada em julho de 2024. Desde quando os Ava Guarani recuperaram essa área, moradores do bairro Vila Eletrosul passaram a fazer ameaças e ataques que já resultaram em pelo menos 13 indígenas feridos. A área em questão é contígua à aldeia Y'hovy, onde falta espaço para as muitas famílias que vivem espremidas. A área para onde a comunidade expandiu está dentro da Terra Indígena Tekoha Guasu Guavirá que foi identificada e delimitada em relatório publicado pela Fundação Nacional dos Povos Indígenas (Funai) em 2018.
Os Ava Guarani passaram todo o ano de 2024 denunciando os ataques sofridos ao Ministério da Justiça e Segurança Pública (MJSP), ao Ministério dos Povos Indígenas (MPI), à Funai, ao Ministério Público Federal (MPF), todos sabiam que as comunidades estavam em risco. A Força Nacional, que foi deslocada para garantir a segurança na região durante todo o ano de 2024, também não agiu de maneira preventiva e não deu nenhuma atenção para o que os Ava Guarani traziam de informações sobre as constantes ameaças. Como bem relatou Vilma Verá Rios, uma jovem liderança Ava Guarani após os ataques da ultima sexta-feira, ninguém parece levar a sério o que os Ava Guarani tem a dizer ou parecem pouco se importar com as vidas indígenas que estão em jogo.
O ano de 2024 foi marcado por diversos episódios de violência contra os indígenas nos municípios de Guaíra e Terra Roxa, onde estão atualmente 21 aldeias do povo Ava Guarani. Os estudos para identificação da Terra Indígena Tekoha Guasu Guavirá tiveram início em 2009. Foram quase 10 anos até a publicação do relatório de identificação e delimitação da área em 2018. Desde então nada avançou no sentido de garantir a posse da terra para os Ava Guarani que seguiram vivendo nos pequenos espaços das atuais aldeias. É justamente essa morosidade do Estado brasileiro em reconhecer o direito indígena às terras tradicionalmente ocupadas que alimenta a violência contra as comunidades que resistem à própria sorte.
Sem terra demarcada, os Ava Guarani vivem sob a absurda acusação de serem invasores de suas próprias terras. As atuais comunidades são formadas em grande parte pelas famílias que sobreviveram ao histórico esbulho territorial intensificado com a ocupação do Oeste ao longo do século XX e que teve episódio decisivo com a construção da Usina Hidrelétrica de Itaipu, inaugurada em 1984, que alagou grande parte do território indígena na beira do rio Paraná. Expulsos de suas terras, os Ava Guarani tiveram que se espalhar pelas aldeias que restavam no Mato Grosso do Sul e no Paraguai e hoje são acusados como invasores estrangeiros. A falta de uma iniciativa de Estado que garanta memória, verdade, justiça, reparação e não repetição tem condenado os Ava Guarani a viverem uma eterna repetição de violações de direitos, a uma condição de sub-cidadania e ao racismo e violência que já causou diversas mortes.
A mudança de gestão no governo federal e da direção da Itaipu Binacional trouxe esperanças de alguma abertura para o diálogo com o povo Ava Guarani. Na Ação Cível Pública (ACO) 3.555, que está no Supremo Tribunal Federal (STF) sob a relatoria do ministro Dias Toffoli, a postura da Itaipu Binacional tem sido a de minimizar sua responsabilidade nos danos causados ao território indígena. Os representantes da empresa se negam a ouvir as demandas dos Ava Guarani e insistem em apontar a criação de pequenas reservas como a solução, seguindo um modelo do século passado que já se mostrou ineficaz. O ministro Dias Toffoli, por sua vez, ignora um pedido liminar das comunidades, representadas pela Comissão Guarani Yvyrupa, que em 2022 requisitaram a aquisição emergencial de áreas para compor um perímetro de segurança no entorno das aldeias a fim de evitar conflitos com os não indígenas. No âmbito do Governo Federal nenhum esforço foi feito para retomar o processo de demarcação iniciado em 2009 e que se encontra suspenso pela Justiça Federal desde a publicação do relatório em 2018.
Em 2024, cansados de esperar vivendo em condições de extrema vulnerabilidade, de fome, de acesso precário à água, sem espaço para plantar, sendo constantemente humilhados nas cidades do entorno, os Ava Guarani retomaram diversas porções de suas terras tradicionalmente ocupadas. A reação violenta foi imediata. Foram seguidos episódios de lideranças ameaçadas, comunidades cercadas para que nenhuma ajuda material pudesse chegar, pessoas feridas com armas de fogo e uma grande propaganda promovendo o racismo e a violência contra os Ava Guarani nos municípios de Guaíra, Terra Roxa e outras cidades do entorno, com forte participação de sindicatos rurais e políticos locais. Todo esse caldo culminou nos ataques do início de 2025 e na tragédia anunciada do dia 03 de janeiro.
Não existe saída fácil para pacificar de vez o conflito na região. Demarcar a Terra Indígena Tekoha Guasu Guavirá exige vontade política e coragem do atual governo e de um verdadeiro compromisso da Itaipu Binacional em lidar com a verdade histórica e com a justa reparação do povo Ava Guarani.
O Centro de Trabalho Indigenista, enquanto organização da sociedade civil, reafirma o compromisso com o povo Ava Guarani na região Oeste do Paraná e repudia os ataques promovidos pelo discurso de fazendeiros e políticos locais, repudia a falta de iniciativa do governo federal em garantir os direitos territoriais em questão, repudia a falta de compromisso da gestão de Itaipu Binacional com um verdadeiro processo de reparação histórica, repudia a morosidade do poder judiciário em atuar na garantia de direitos constitucionais e repudia as iniciativas de parlamentares oportunistas do Congresso Nacional que aguardam a desgraça e agem para acabar com os direitos indígenas garantidos em nossa Constituição Federal.
https://trabalhoindigenista.org.br/nota-cti-ataques-ava-guarani-2025/
PIB:Sul
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