Como arqueólogos usam radares a laser em busca de civilizações perdidas na Amazônia

OESP - https://www.estadao.com.br/ - 19/01/2025
Como arqueólogos usam radares a laser em busca de civilizações perdidas na Amazônia
Com o apoio das comunidades locais, pesquisadores buscam sítios arqueológicos para estudá-los e protegê-los do desmatamento

Por Gonçalo Junior
19/01/2025 | 17h18

Há vestígios da ocupação humana na Amazônia de pelos menos 13 mil anos atrás, muitos escondidos pela densa vegetação. A busca por sítios arqueológicos na maior floresta tropical do mundo une arqueólogos e os povos da floresta - indígenas, quilombolas, beiradeiras e ribeirinhas - em uma iniciativa de R$ 10 milhões.

Pode parecer um paradoxo, mas o trabalho arqueológico do projeto Amazônia Revelada começa nas alturas.

Helicópteros, drones ou aviões sobrevoam a floresta com sensores remotos que usam a tecnologia Lidar (Light Detecion and Ranging), do inglês para detecção e alcance de luz.
Milhares de feixes de lasers penetram nas copas das árvores, como se o aparelho "enxergasse" abaixo da vegetação arbustiva e arbórea, fazendo varredura do solo.
Medindo as distâncias e os diferentes ângulos formados entre a fonte de luz e a superfície, a tecnologia permite criar imagens tridimensionais.
Os dados são enviados para o Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (Inpe), do Ministério de Ciência e Tecnologia. Eles são convertidos nessas imagens, que podem revelar antigas estradas, valas, aterros, elevações artificiais de terra e moradas indígenas - todo tipo de área escavada e construída.

É a tecnologia tentando escanear o passado. Os vestígios, que podem ser das últimas décadas ou milenares, são pistas para futuras escavações.

É a mesma tecnologia que permitiu desvendar antigos centros urbanos e pirâmides encobertas pela mata na Amazônia boliviana, em 2022, e mais de 60 mil construções, entre casas, palácios, rodovias elevadas e outros recursos arquitetônicos, na Guatemala, em 2018.

"A captura das imagens nos sobrevoos é como uma tomografia. Fazemos o exame inicial e, em seguida, é preciso fazer a biópsia para buscar mais informações", compara Eduardo Neves, diretor do Museu de Arqueologia da Universidade de São Paulo (USP) e um dos coordenadores do projeto.
Entra aí um dos diferenciais da pesquisa: um trabalho colaborativo entre pesquisadores e comunidades tradicionais.

Depois de lecionar como professor visitante nos Estados Unidos (Harvard) e em universidades da França, Espanha, Argentina e Peru, e trabalhar na região amazônica desde 1986, Neves ajudou a articular uma rede de pesquisadores locais que atuam em instituições de ensino e centros de pesquisa da Região Norte.

E eles têm relação estreita com as comunidades. Com isso, os primeiros achados dos sobrevoos são compartilhados com os povos que vivem em cada região, comunidades indígenas, quilombolas e beiradeiras.

O consentimento das comunidades é imprescindível. "Queremos fazer parte do projeto. Temos pontos de terra preta, locais sagrados, com potencial arqueológico. Mas é preciso passar pelo crivo do povo Tenharin. Precisa ser autorizado", diz Antônio Enésio Tenharin, representante de povos indígenas em Humaitá, no sul do Amazonas.

Em alguns locais, como no Médio Tapajós, no Pará, o conhecimento indígena orienta os cientistas para locais mais significativos. Já os Kuikuro, do Alto Xingu, não autorizaram sobrevoos por entender que seus locais sagrados não devem se tornar públicos. Eles participam da pesquisa com imagens em pontos específicos.

Trata-se de um projeto com financiamento de R$ 10 milhões da National Geographic Society, organização global sem fins lucrativos de proteção e conservação ambiental. Além do Inpe, participam do projeto o Museu da Amazônia, Instituto Arapyau, Mapbiomas, Instituto Socioambiental, entre outras instituições.

Já foram investidos R$ 2 milhões para sobrevoar cinco regiões até agora, que totalizam 1,6 mil km². Para mapear a Amazônia brasileira toda, seriam necessários R$ 500 milhões, na avaliação de Neves.

Pesquisadores querem proteger áreas em risco
A Amazônia vai além do patrimônio natural e abrange um arcabouço construído ao longo de milênios pelos povos da floresta, na visão dos pesquisadores. Por isso, a pesquisa pretende resgatar esse patrimônio biocultural, resultado da intervenção humana na natureza. É o resgate de uma história ancestral não escrita, mas marcada na terra.

Com base nas evidências arqueológicas, a ideia é proteger e conservar essas áreas, impedindo a degradação e o desmate. A Constituição e a Lei 3924/1961, conhecida como Lei de Arqueologia, protegem as áreas com sítios arqueológicos e seus entornos enquanto patrimônio cultural.

"Queremos registrar os sítios arqueológicos para criar uma camada adicional de proteção a esses territórios", diz Eduardo Neves.

Bruna Rocha, professora da Universidade Federal do Oeste do Pará (Ufopa) e também coordenadora do projeto, usa a expressão "arqueologia política" para descrever a atuação dos cientistas.

"A arqueologia pode contribuir com a luta dos povos em áreas ameaçadas pelo desmatamento", diz ela, vice-presidente da Sociedade de Arqueologia Brasileira e autora do livro Política patrimonial e política indigenista: a proteção jurídica aos lugares sagrados e sepultamentos indígenas, ao lado de Rodrigo Magalhães Oliveira.
O avanço da grilagem e do desmatamento, das monoculturas e de projetos de infraestrutura destrói, de uma só vez, a floresta, os sítios arqueológicos e o legado dos povos da floresta.

As áreas sobrevoadas estão no Arco do Desmatamento, região onde a floresta corre mais risco de ser transformada em áreas agrícolas e pastagens. Abrange partes dos estados do Pará, Mato Grosso, Rondônia, Acre e Amazonas. A Amazônia perdeu 20% de sua cobertura nos últimos 40 anos, segundo o Mapbiomas.

As áreas mapeadas pela pesquisa se concentram no sul do Amazonas, vale do Rio Guaporé (Rondônia), Médio Rio Tapajós, Terra do Meio (entre os rios Tapajós e Xingu) e a lha do Marajó.

O povo Tupari, em Rondônia, luta pelo reconhecimento de uma região conhecida como Palhal, excluída durante o processo de demarcação da Terra Indígena Rio Branco.

"Novas descobertas feitas pelo projeto trazem uma possibilidade maior de demarcar a região como uma nova área indígena. É uma coisa que estamos pelejando há anos. É uma região sagrada onde estão enterrados nossos anciãos", diz Adilson Tupari.

Projeto já encontrou sítios arqueológicos no Acre, Pará e Rondônia
Desde 2023, ano dos primeiros sobrevoos, o projeto já obteve resultados importantes:


No Acre e no sul do Amazonas, onde o desmate e a extração de madeira avançam, a tecnologia ampliou o número de geoglifos conhecidos. São grandes estruturas geométricas esculpidas na terra, com até 3 mil anos. Já documentados na parte sul do Estado, também existem ao norte do Rio Purus, no Amazonas, conforme o projeto.
Na Terra do Meio, entre os rios Xingu e Tapajós, no Pará, foram encontradas estruturas em elevações dispostas em círculos, lembrando colmeias. A função dessas estruturas ainda é incerta. Na região, há povos indígenas tradicionais em grandes áreas preservadas, mas ameaçadas pela extração de madeira e grilagem.
No Médio Guaporé, em Rondônia, nas proximidades da Bolívia, onde a ocupação humana remonta 9,5 mil anos, uma das descobertas do projeto foram vestígios do Fortim da Nossa Senhora da Conceição de Bragança, relacionado a conflitos coloniais entre espanhóis e portugueses no século 18. A reserva biológica Guaporé, as terras indígenas Tanaru e o quilombo do Forte Príncipe da Beira são ameaçadas pelo desmatamento.

No Marajó, na Foz do Amazonas, foram encontrados pela primeira vez grandes aterros artificiais que datam de mais de 1,5 mil anos. São os famosos "tesos marajoaras", aterros com até 12 metros de altura com vestígios exuberantes de cerâmicas. O projeto mapeia a presença dos tesos nas áreas florestadas a oeste. A região está ameaçada pela criação de gado, fazendas de arroz, projetos de extração de petróleo e a subida do nível do mar.
No Tapajós, próximo a Itaituba, no Pará, onde vivem os povos indígenas Munduruku e os Apiaká, beiradeiros, ribeirinhos, colonos e quilombolas, foram descobertas cerâmicas, ferramentas de pedra, lugares sagrados e caminhos antigos. Especialistas temem os impactos do plano de construir a Ferrogrão, ferrovia para conectar a região produtora de grãos do Centro-Oeste ao Pará. O Ministério dos Transportes afirma que está elaborando um estudo de impacto ambiental que passará por análise do Ibama e de mais órgãos.

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