Indígena isolado faz contato voluntário em comunidade do Amazonas

Agencia Cenarium - https://agenciacenarium.com.br - 14/02/2025
MANAUS (AM) - Descalço, com um traje cobrindo a parte frontal da genitália, impressionado com o fogo e falando uma língua não identificada. Essas são as primeiras cenas que registram o contato de um indígena isolado com moradores da Comunidade Bela Rosa, localizada entre os municípios de Tapauá e Lábrea (AM), no Rio Purus, na noite da última quarta-feira, 12. À CENARIUM, a Fundação Nacional dos Povos Indígenas (Funai) afirmou que o contato foi feito de forma voluntária pelo indígena e que ele pertence à Terra Indígena (TI) Mamoriá Grande, área que teve o uso restrito pelo órgão indigenista em dezembro do ano passado.

De acordo com a Funai, o contato ocorreu por volta das 19h, na comunidade situada a cerca de 5 quilômetros da Base de Proteção Etnoambiental (BPE) da região restrita. Após a aproximação, a Frente de Proteção Etnoambiental (FPE) Madeira-Purus iniciou o monitoramento da situação e estabeleceu um cordão sanitário para evitar riscos de contaminação.

"A equipe da FPE está acompanhando e monitorando in loco a situação, mantendo um cordão sanitário de isolamento do indígena isolado, aguardando a chegada das equipes médicas e de servidores da fundação que já estão se deslocando para a localidade, onde irão permanecer por tempo indeterminado", informou o órgão.

Em um dos vídeos registrados por moradores da comunidade, o indígena aparece, aparentemente, desorientado com o ambiente e com as pessoas ao redor. O indígena, que não fala uma língua identificada, interage com gestos e falas, parecendo estar surpreso ao ver o fogo feito por um isqueiro.

Um morador acende o isqueiro repetidamente e, em seguida, o orienta a tentar fazer o mesmo. Ele observa o movimento e tenta imitar a ação do morador. Em outro momento, o indígena aparece sentado sobre uma mesa de madeira, em frente ao fogo ateado no chão. Ele segura o isqueiro com a mão direita, observando, como se tentasse compreender o fenômeno. Assista a seguir.

A Funai ressalta que tem intensificado as ações de proteção nas áreas de risco e que acionou equipes para um plano de contingência. "As equipes já estão se deslocando para a região e ficarão lá por tempo indeterminado, realizando as ações necessárias para garantir a segurança de todos", afirmou em nota oficial.

Além da FPE, a Coordenação-Geral de Povos Indígenas Isolados e de Recente Contato (CGIIRC) e a Secretaria de Saúde Indígena (Sesai) também foram acionadas para acompanhar o caso e garantir que o atendimento ocorra conforme os protocolos de proteção aos povos isolados.
Relatos

Moradores da região relataram que os sinais de indígenas isolados têm se tornado comuns na região. Em áudios obtidos pela reportagem, um morador afirmou que a presença deles não é um fato inédito entre Lábrea e Pauini. "Já vimos esses sinais antes. Não é a primeira vez que aparecem indígenas isolados por aqui", disse o morador não identificado.

Outro morador mencionou que há tempos se fala sobre a presença de indígenas isolados próximos à comunidade Bela Rosa. "O pessoal já tinha comentado que havia índios [sic] brabos por lá. Agora apareceu um do nada, sem roupa, e ninguém conhece. Ele não fala nada com nada", relatou.

"A gente achou três ocas, bem limpinhas, só com os buracos de entrar e sair", descreveu um dos moradores, reforçando os sinais de presença dos indígenas sem contato na região.

Recentemente, ao divulgar imagens feitas de indígenas isolados no Estado de Rondônia, a Funai chamou a atenção para o fato de a aproximação cada vez mais frequente desses povos aos limites de terras indígenas, o que os expõe ao contato direto e indireto com não indígenas.

De acordo com observações dos agentes, essa aproximação, muitas vezes, ocorre pela necessidade de expandirem sua área de ocupação em busca de recursos para sua sobrevivência, já que aparentemente têm apresentado crescimento demográfico.
Mamoriá Grande

Em resposta ao caso, a Funai publicou e ressaltou a publicação de uma portaria de restrição de uso da área de Mamoriá Grande, no Amazonas, com o objetivo de proteger os povos indígenas isolados que habitam a região. A presença desses grupos foi oficialmente confirmada pela Funai em 2021.

"A proposta de interdição é resultado dos trabalhos criteriosos e minuciosos de localização e monitoramento de povos indígenas isolados, por meio da Frente de Proteção Etnoambiental Madeira Purus (FPW MadPur). Tal proposta contou também com um intenso diálogo com os moradores da Resex e baseou-se no plano de manejo da reserva, garantindo o menor impacto possível para a população local, enquanto garante a proteção dos povos isolados", diz o texto.

Na publicação do órgão, destaca-se que a área de Mamoriá Grande enfrenta uma série de desafios que tornam sua interdição legal urgente. Entre as principais ameaças estão "a especulação fundiária, os conflitos locais, sob a forma de ameaças provenientes de moradores da Resex Médio Purus contra indígenas e servidores da Funai, e a ausência de respaldo legal para fiscalização", uma vez que, antes da publicação da portaria, a Funai não possuía a base legal necessária para realizar fiscalizações adequadas na área.

Em 2024, o Ministério Público Federal (MPF) já havia recomendado que a Funai interditasse a área de Mamoriá Grande, por conta dos relatos de possíveis avistamentos de indígenas isolados na região. A decisão também foi direcionada ao Igarapé do Caribi, localizado entre os municípios de Silves e Itapiranga, após circular na internet imagens de um possível indígena de povo isolado feitas no local, o que seria um registro inédito no Amazonas.

Em dezembro, após investigação, a Funai acatou o pedido do MPF e determinou, por meio da Portaria 1.256, a interdição de 343 quilômetros de uma área florestal nos municípios de Tapauá e Lábrea, no Sul do Estado. A área abrange uma superfície de 259 mil hectares. A interdição restringe o direito de ingresso, locomoção e permanência de "pessoas estranhas aos quadros da Funai" na área descrita. A decisão também veda a exploração de qualquer recurso natural existente no local.

A matéria de capa da Revista Cenarium, da edição de outubro de 2024, detalha a posição da Funai sobre o avistamento de indígenas isolados no Amazonas. O órgão destacou a complexidade da confirmação de tais avistamentos, que exigem investigações de longo prazo.

Parlamentares

Os senadores do Amazonas e de Roraima, Omar Aziz (PSD-AM) e Hiran Gonçalves (Progressistas-RR), respectivamente, apresentaram, em dezembro do ano passado, um Projeto de Decreto Legislativo (PDL), no Senado, para suspender a decisão da Fundação.

Aziz justificou o pedido alegando que a Funai está "atropelando todo mundo". "E eles, com um decreto, acham lá uma porcelana - e a gente não sabe nem se essa porcelana é indígena ou não - e já fazem restrições", disse.

Ambos parlamentares justificaram ainda que a Portaria causaria impactos socioeconômicos, uma vez que "as comunidades tradicionais que vivem nessas áreas dependem diretamente dos recursos naturais para sua subsistencia e cultura. A restriça~o de acesso pode, também, impactar negativamente a economia local, resultando em perda de empregos e diminuiça~o da renda para familias que dependem dessas atividades".

Hiran Gonçalves disse considerar a portaria da Funai extremamente nociva para o Estado de Roraima, porque 67% a 70% da energia elétrica vêm do gás liquefeito proveniente do Campo de Azulão, localizado no Amazonas. "E a Funai, com essa portaria, inviabiliza esse projeto. Inclusive, inviabiliza investimentos que vão gerar muito mais energia para o Amazonas e para o Brasil", afirmou.
Povos isolados

De acordo com a Funai, os povos indígenas isolados como aqueles que não mantêm relações constantes com a sociedade nacional ou que interagem de forma limitada com não indígenas e outras etnias. O órgão afirma que a escolha de viver isolado geralmente decorre de encontros anteriores com impactos negativos, como doenças, violência ou exploração de seus territórios, ameaçando sua sobrevivência e cultura.

A Funai destaca pontos críticos para a proteção dos povos isolados:

A falta de ações específicas e diferenciadas para a atenção à saúde e prevenção de doenças infectocontagiosas;
A introdução de sistemas educacionais inadequados, que não consideram modelos metodológicos específicos e respeitam outras formas de alteridade;
A presença de missionários que promovem o proselitismo religioso nas terras indígenas;
A imposição de dinâmicas de uma economia de mercado sem um processo de escuta prévio das expectativas e perspectivas dos povos indígenas, nem acompanhamento que valorize suas formas próprias de organização socioeconômica.


Conforme as diretrizes da Funai, existem registros de 114 grupos indígenas isolados na Amazônia Legal, com diferentes níveis de contato documentados. A proteção desses povos visa garantir a preservação de suas atividades tradicionais, sem a imposição do contato, respeitando a autonomia e a vida de cada grupo.

No Brasil, a Constituição de 1988 e o Decreto no 1.775/96 asseguram a proteção dos povos isolados e regulamentam o processo administrativo de demarcação das terras indígenas. O Decreto determina que as terras tradicionalmente ocupadas por esses povos sejam demarcadas com base em estudos antropológicos realizados por profissionais qualificados, com a participação das comunidades indígenas em todas as etapas do processo.

O Decreto também estabelece procedimentos para a identificação das terras, a publicação de relatórios e a manifestação de interessados, como Estados e municípios. A demarcação é formalizada por decreto presidencial e, em seguida, homologada e registrada em cartório.

"As terras indígenas, de que tratam o art. 17, I, da Lei no 6.001, de 19 de dezembro de 1973, e o art. 231 da Constituição, serão administrativamente demarcadas por iniciativa e sob a orientação do órgão federal de assistência ao indígena, de acordo com o disposto neste Decreto", diz decreto.

A Convenção 169 da Organização Internacional do Trabalho (OIT), ratificada pelo Brasil, também estabelece normas internacionais para a proteção dos povos indígenas, incluindo os isolados, como destaca o artigo 6o. "Sempre que se prevejam medidas legislativas ou administrativas suscetíveis de afetar diretamente os povos interessados, essas medidas serão adotadas após consulta prévia, livre e informada, realizada de boa-fé e com os procedimentos apropriados, com a participação dos povos em questão", destaca.
STF estabelece normas

O ministro do Supremo Tribunal Federal (STF) Edson Fachin homologou parcialmente, em outubro de 2024, um plano apresentado pelo governo federal para a proteção de povos indígenas isolados e de recente contato. Na época, a decisão exigiu que a União e a Funai cumprissem providências complementares dentro de prazos estabelecidos.

Entre as medidas, o ministro apontou a necessidade de concluir o estudo de reestruturação da Funai, principalmente nas áreas responsáveis pela proteção territorial e pelos direitos dos povos indígenas isolados.

Em relação às Terras Indígenas, o ministro Fachin ordenou que a Funai apresente mensalmente o andamento dos Relatórios Circunstanciados de Identificação e Delimitação (RCIDs) relativos às TIs Pirikpura e Pirititi. Os Estados do Amazonas e de Mato Grosso, em conjunto com a União, devem também apresentar cronogramas de ações coordenadas para conter o desmatamento na Terra Indígena Kawahiva do Rio Pardo e avaliar a possibilidade de acelerar a demarcação física do território.

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PIB:Juruá/Jutaí/Purus

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