Projeto leva tecnologia para aldeia em MT

FSP, Brasil, p.A6 - 09/01/2005
Ministério da Cultura doou 10% do orçamento de R$ 3 mi; aldeia terá telefone, energia elétrica e esgoto
Projeto leva tecnologia para aldeia em MT
Lílian Christofoletti
Da reportagem local
Uma aldeia tradicional de madeira e palha adaptada às condições atuais de vida, com telefone fixo, energia elétrica e rede de água e esgoto. Essa integração é o principal objetivo do projeto Meri Ore Eda ("Morada dos Filhos do Sol") destinado aos bororos, povo que virou referência do descaso com a questão indígena no Brasil.
Cercados pela miséria e pela falta de infra-estrutura, cerca de 1.100 índios bororos vivem no sudoeste de Mato Grosso. Ocupam os noticiários pelo alto índice de suicídios e de alcoolismo e pelo acelerado processo de perda cultural. Os jovens da tribo não conhecem mais seu idioma nem suas histórias.
O projeto de resgate cultural foi orçado em R$ 3 milhões. Mesmo contando com cerca de 10% desse valor -doado pelo Fundo Nacional de Cultura, órgão do Ministério da Cultura-, neste mês terá início a primeira parte do empreendimento, com a recuperação arquitetônica da aldeia.
Arquitetos e engenheiros irão trabalhar sob a orientação dos bororos mais velhos para tentar reconstruir a tradicional aldeia de palha trançada, com uma sede central, oito casas para os clãs e cinco casas de moradia.
A novidade é que a aldeia ganhará rede de energia, de captação de água, de saneamento e de telefonia. Serão instalados ainda poços artesianos.
"Não queremos voltar no tempo, mas conciliar o tradicional com o moderno, viver a nossa cultura sem abdicar das conquistas do mundo moderno", disse Jurandir Siridiwê Xavante, presidente do Ideti (Instituto das Tradições Indígenas), um dos responsáveis pelo projeto ao lado da Associação Pemo, formada por índios bororos.
Reconstruída a aldeia, o passo seguinte será o resgate cultural. Nas oficinas, estão programadas aulas de língua bororo, de dança, de artesanato, de cerâmica, de mitologia e de pintura corporal.
Todo o processo será documentado em áudio, vídeo e fotografia por profissionais e por jovens da aldeia que passarão por cursos de capacitação.
Os cantos, sempre presentes nos ritos e cerimônias, serão registrados em CDs. As histórias dos mais velhos, que preservam antigas crenças sobre a criação do mundo ou sobre o significado da vida e da morte, serão resgatadas em livros e cartilhas ilustradas pelos bororos mais jovens.
Em 1998, os xavantes participaram de projeto similar. As histórias dos cinco homens mais velhos da aldeia Pimentel Barbosa foram parar em um livro com ilustrações feitas pelos jovens.

Entre as narrativas, há histórias sobre a criação do mundo, sobre o surgimento do sol e das estrelas e até sobre a descoberta do "primeiro amor" -entre um menino índio e uma "menina-estrela".
Outros povos
Hoje há 215 diferentes sociedades indígenas no Brasil que somam cerca de 350 mil pessoas (cerca de 0,2% da população brasileira) e 180 línguas distintas. Há também indícios da existência de outros 53 grupos isolados.
Nesse contexto, os bororos são apenas o primeiro alvo do projeto. O ideal, segundo Siridiwê Xavante, seria reproduzir o mesmo trabalho com todos os povos.
"Esse é um trabalho realizado a partir da vontade dos povos indígenas em se fazer conhecer, de sua estratégia de aproximação e conquista de espaços e de direitos. Mas nós precisamos do patrocínio de empresas e empresários que se sensibilizem com o projeto", disse.

Enterro de ossos é feito duas vezes pelos bororos
Entre as tradições dos índios bororos, é a cerimônia do funeral que mais chama a atenção por conta do ritual meticuloso de ornamentação dos ossos e de luta contra o espírito da morte.
Quando um bororó morre, ele é enterrado no pátio central da aldeia em cova rasa, que passa a ser regada diariamente para acelerar a decomposição do corpo. Dois ou três meses depois, os ossos são removidos, limpos, pintados e ornamentados para serem enterrados novamente.
Depois, um homem da aldeia é escolhido para representar o morto. Seu corpo é recoberto por penugens e pinturas e em sua cabeça é colocado um enorme cocar de penas. O escolhido terá de passar por um ritual de dança organizado no centro da aldeia. Ele será o representante do morto no mundo dos vivos.
Como os bororos acreditam que, após a morte, a alma passa a habitar o corpo de um animal, a função mais importante desse representante será caçar um grande felino, cujo couro será entregue aos parentes do morto.
Para a tribo, a caçada garante a vingança do morto contra o bope, espírito considerado responsável pela morte. Esse momento marca o fim do luto para os bororos.



FSP, 09/01/2005, p. A6
PIB:Leste do Mato Grosso

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