CB, Brasil, p. 20 - 20/04/2004
Tribos exigem encontro com Lula
Presidente assina decreto homologando oito áreas indígenas, num total de 1,29 milhão de hectares. Mas a decisão mais polêmica, sobre a reserva Raposa Serra do Sol, em Roraima, só deve ser anunciada no dia 27
Indígenas de 28 tribos diferentes que participaram ontem de uma sessão comemorativa ao Dia do Índio, no Congresso Nacional, cobraram um encontro com o presidente Luiz Inácio Lula da Silva. No final da sessão, quando restavam cem índios, seus líderes começaram a gritar que não sairiam da Casa enquanto não fossem recebidos pelo presidente Luiz Inácio Lula da Silva. Em nota, eles reivindicavam a retirada de todos os garimpeiros ilegais invasores das terras dos cinta-larga, em Rondônia, e o andamento de 40 processos de reconhecimento de reservas.
Os deputados presentes à sessão negociaram por 30 minutos e conseguiram que deixassem o plenário e se colocassem no salão verde - área que antecede a entrada do plenário. Além disso, os deputados Carlos Abicalil (PT-MT), Fernando Ferro (PT-PE) e Perpétua Almeida ( C do B-AC) agendaram no Palácio do Planalto um encontro entre o governo e os representantes indígenas. A reunião foi marcada para hoje.
No salão verde, os indígenas dançaram e cantaram músicas tradicionais. A maior parte dos índios estava com pinturas de guerra. Eles afirmaram que não deixariam o prédio da Câmara sem ter uma posição clara do governo sobre a política para seus povos. Desde quinta-feira, cerca de cem índios estão acampados em frente ao Ministério da Justiça. Eles pedem a homologação da reserva Raposa Serra do Sol, em Roraima.
Promessa
Como parte das comemorações do Dia do Índio, o presidente Lula assinou decreto homologando oito áreas indígenas, sete no Amazonas e uma no Espírito Santo, num total de 1,29 milhão de hectares. Segundo o porta-voz da Presidência da República, André Singer, apenas no dia 27 o governo deverá anunciar a decisão sobre a reserva Raposa Serra do Sol, em Roraima, onde índios de cinco etnias lutam pela homologação da área.
No Amazonas foram homologadas as reservas Coatá-Laranjal (dos índios mundurucus e satarés-mawés), Porto Praia e Tupã-Supé (tikunas), Fortaleza do Patauá (apurinãs), Juma (jumas), Igarapé Grande (cambebas) e Tenharim Igarapé Preto (tenharins).Já no Espírito Santo, o presidente reconheceu o território de Caieiras Velha 2, onde vivem tupiniquins e guaranis.
A maior área homologada é a dos mundurucus e saterés-mawés, no município de Borba, no Amazonas, com 1,1 milhão de hectares. Singer informou que Lula também assinou decreto tornando o Brasil signatário da convenção da Organização Internacional do Trabalho (OIT) que estabelece normas de respeito às culturas indígenas.
O presidente da Fundação Nacional do Índio (Funai), Mércio Pereira Gomes, afirmou que Lula deve homologar de forma contínua a reserva indígena Raposa Serra do Sol. ''O presidente [Lula] não tem outra possibilidade, pois não homologá-la de forma contínua significaria retroceder e anular um trabalho de dez anos de demarcação das terras'', disse. ''Eu recebi esse indicativo do presidente.'' A Presidência da República, contudo, não confirmou a informação.
Protesto
Em Mato Grosso do Sul, cerca de 400 índios bloquearam a rodovia MS-156 na manhã de ontem para protestar por melhores condições de vida na reserva indígena de Dourados, a 224 km de Campo Grande, onde ficam as aldeias de Jaguapiru e Bororo. A estrada corta as aldeias e permaneceu fechada entre as 10h e as 11h20. O protesto reuniu três etnias - caiuá, terena e guarani - que formam um contingente de mais de 10 mil índios que vivem nos 3.600 hectares da reserva de Dourados.
A PF não registrou incidentes durante a manifestação. A Polícia Rodoviária Estadual informou que os indígenas reivindicaram ainda o direito à produção e à terra, alegando que as condições de tráfego no local são ruins e eles têm dificuldade para conseguir emprego e sustentar as famílias. Os índios aproveitaram a presença do prefeito Laerte Tetila e do vice-governador Egon Krakhecke, ambos do PT, para cobrar mais atenção. Eles chegaram a ameaçar fazer invasões de terra na região, mas, de acordo com a PF, a situação já havia sido controlada no início da tarde.
Entenda o caso
Discutido desde 1977, o processo de demarcação da reserva Raposa Serra do Sol está na última fase. Falta apenas a assinatura do presidente Lula para que a terra indígena seja homologada. Adiada várias vezes, a homologação foi prometida pelo presidente da Funai para o próximo dia 28.
Em janeiro, um grupo de fazendeiros aliados a índios macuxi (e etnias associadas) protestaram contra a homologação. O comércio de Boa Vista e as vias de acesso à cidade foram fechados. Padres e missionários foram feitos reféns. Os prédios do Incra e da Funai, invadidos
Indigenistas, ONGs e missionários católicos ligados aos índios mobilizam campanha pedindo a Lula a demarcação contínua da área, uma promessa de campanha. No projeto da Funai, a reserva Raposa Serra do Sol é uma área que engloba as cidades da região. Funai e governo federal também defendem essa tese.
Por outro lado, fazendeiros, índios macuxi (e etnias associadas), políticos da região e o governador de Roraima, Flamarion Portela, querem que a área seja demarcada com faixas descontínuas. Na reserva, os municípios e as estradas de acesso a ele ficariam de fora.
CB, 20/04/2004, Brasil, p. 20
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