Terras indígenas "a identificar" e novas demandas territoriais no Acre
Em 2001, a Diretoria de Assuntos Fundiários (DAF), da FUNAI, promoveu viagem do antropólogo Walter Coutinho Júnior ao Acre para reunir informações preliminares sobre as áreas que constavam como "a identificar" e "a definir" na listagem de terras indígenas elaborada pelo órgão.
Mesmo ressaltando o alto índice de terras indígenas já regularizadas, ou com processos de regularização em vias de conclusão, o relatório que resultou dessa viagem sugeriu a identificação de várias áreas de ocupação indígena ainda não reconhecidas pela FUNAI: as dos Nawa, Manchineri do Seringal Guanabara, Kaxinawá do Seringal Curralinho, "isolados" do Xinane, Jaminawa do Guajará, Jaminawa da Asa Branca e Jaminawa do Rio Caeté. Recomendou, ainda, a "revisão de limites" de três terras regularizadas (Nukini, Mamoadate e Jaminawa-Arara do Rio Bagé).
Desde então, cinco terras indígenas tiveram iniciados seus processos de identificação: Riozinho do Alto Envira (antiga Xinane), Nawa, Kaxinawá do Seringal Curralinho, Arara do Rio Amônia e Manchineri do Seringal Guanabara. Destas, apenas a primeira foi efetivamente identificada e destinada a grupos "isolados", enquanto as quatro últimas encontram-se ainda em identificação. Outras duas áreas, ocupadas pelo povo Jaminawa nos rios Caeté e Iaco (Guajará), ambas em Sena Madureira, constam atualmente como "a identificar" na listagem da FUNAI.
O Plano Operativo Anual (POA) para 2004, do Projeto Integrado de Proteção às Populações e Terras Indígenas da Amazônia Legal (PPTAL), previu a constituição de grupos técnicos (GTs) para a identificação das Tis Jaminawa do Rio Caeté e Jaminawa do Guajará. Editais para a seleção de dois antropólogos e dois ambientalistas que integrariam esses Gts foram abertos pelo PPTAL em 2003 e 2004, sem que a contratação desses profissionais tenha sido concluída. Novo edital para a contratação do antropólogo que coordenará o GT de identificação da TI Jaminawa do Rio Caeté foi aberto pelo PPTAL a 6 de junho de 2006. As inscrições estão abertas até o próximo dia 14.
Demandas Jaminawa
A fixação da população Jaminawa no rio Caeté é decorrente de conflitos faccionais ocorridos nas Tis Cabeceira do Rio Acre e Mamoadate a partir dos anos 1990, que provocaram a migração de várias famílias extensas para Rio Branco, Sena Madureira, Assis Brasil e Brasiléia.
Setores da opinião pública e a imprensa passaram a questionar a política indigenista oficial e os processos de regularização de terras indígenas no Acre, argumentando que ambos se provavam inócuos, pois "os índios" começavam a abandonar terras já regularizadas para viver de mendicância, subemprego e prostituição nessas cidades. O Juizado da Infância e da Adolescência anunciou publicamente que, caso a FUNAI não tomasse providências para a definitiva solução do problema, mandaria recolher aos abrigos de menores as crianças Jaminawa que andassem pelas ruas de Rio Branco, acompanhadas ou não.
Pressionada, a Administração Executiva Regional da FUNAI em Rio Branco (AER-RBR) promoveu, de maio a agosto de 1997, a transferência de 67 Jaminawa para a TI Mamoadate e de outros 17 para a TI Cabeceira do Rio Acre.
Não estando de acordo com uma mudança para essas terras, cerca de 60 Jaminawa aceitaram, em setembro de 1997, transferir-se para o seringal Boa Vista, no rio Caeté, após entendimento firmado pela AER-RBR com o seu proprietário. Este concordou que a FUNAI tomasse "posse do imóvel" e ali instalasse os Jaminawa, mediante o compromisso de que, no prazo de um ano, o órgão indigenista desapropriaria o seu seringal.
Em novembro de 1999, o proprietário encaminhou à AER-RBR "Carta Proposta para a venda do Seringal Boa Vista", com área então estimada em 22.366 ha. Estudos realizados pela AER constataram, no entanto, que apenas pequena parte do seringal, cerca de 3 mil ha, constava em matrícula lavrada no Cartório de Registro de Imóveis de Sena Madureira.
Em dezembro de 2000, os Jaminawa encaminharam documento à FUNAI, solicitando apoio para combater as invasões de caçadores, pescadores e madeireiros no seringal Boa Vista. A demanda motivou o então administrador da AER-RBR, Antonio Pereira Neto, a demandar da DAF, em caráter urgente, o início da identificação da TI Jaminawa do Rio Caeté. O administrador alegou, na justificativa da solicitação, que havia uma grave situação a solucionar, já que os Jaminawa não desejavam mais abandonar a área, e que "não foram eles que escolheram sozinhos o local nem o invadiram, mas foram levados para lá sob a responsabilidade da FUNAI, sob promessas da área ser regularizada".
Em setembro de 2002, por decreto presidencial, foi criada a Reserva Extrativista (Resex) Cazumbá-Iracema, com extensão de 750.494 ha. A Resex circundou toda a área ocupada, desde 1997, pelos Jaminawa no rio Caeté. A extensão da área circunscrita e excluída pelo decreto é de 9.878 ha. As lideranças Jaminawa, que não foram consultadas em nenhum momento durante o processo de criação da Resex, tornaram, à época, a demandar uma terra indígena correspondente à área inicialmente proposta pela AER-RBR, com extensão de mais de 21.000 ha.
No rio Iaco, as migrações de grupos familiares Jaminawa seguiram uma dinâmica diferente, após conflitos internos ocorridos na TI Mamoadate em final dos anos 1980. Algumas famílias Jaminawa migraram então para a TI Cabeceira do Rio Acre, enquanto outras passaram a ocupar as colocações Guajará e Asa Branca, no seringal Catianã, no alto rio Iaco.
Na década seguinte, por ocasião dos trabalhos de regularização fundiária promovidos pelo INCRA, um lote de 600 ha foi cedido a essas comunidades Jaminawa. Desde 2000, representantes de ambas comunidades vêm reivindicando da FUNAI o início do processo de regularização da TI Jaminawa do Guajará.
Por meio do Ofício no 123/CGID/DAF, de agosto de 2005, a FUNAI, em resposta a uma solicitação de informações feita pelo IBAMA, tornou a reconhecer a ocupação indígena no Guajará, mas informou não ter ainda iniciado os trabalhos de identificação de uma terra indígena para os Jaminawa que ali vivem.
Em janeiro de 2006, os Jaminawa do Caeté enviaram documento à Presidência da FUNAI e à Coordenação Técnica do PPTAL, assinado por 34 lideranças e representantes, exigindo a pronta identificação das duas terras Jaminawa. Alegaram, no documento, que a demora na sua regularização tem, nos últimos anos, levado muitas famílias a migrar e mendigar em várias sedes municipais do Vale do Acre/Purus. Em março deste ano, lideranças Jaminawa encaminharam à AER-RBR e ao IMAC dois relatórios denunciando invasões de caçadores profissionais da cidade de Sena Madureira e de moradores da própria Resex nas cabeceiras do igarapé Canamari e do próprio rio Caeté, bem como invasões de castanhais e retiradas de madeiras nobres na área reivindicada por suas comunidades, além de pescarias predatórias praticadas nos poços e lagos deste rio.
Desse modo, a população Jaminawa do rio Caeté, hoje com 128 habitantes distribuídos em três aldeias (Boca do Canamari, Extrema e Buenos Aires) e duas colocações (Paciência e Volta Rápida), vem assim demostrando sua intenção de permanecer na terra que tradicionalmente habita desde 1997, antes, portanto, da criação da Resex Cazumbá-Iracema, e reforçando ainda a reivindicação reiterada, nos últimos seis anos, pelos 70 Jaminawa que atualmente vivem no Guajará.
É digno de nota, por fim, que a sobreposição entre a TI Jaminawa do Rio Caeté e a Resex Cazumbá-Iracema deverá aumentar quando da identificação dessa terra pela FUNAI. Hoje, os Jaminawa ocupam tradicionalmente uma área consideravelmente maior, compreendida entre a margem esquerda do igarapé Canamari e a margem direita do rio Caeté, tendo aos fundos uma linha seca entre suas cabeceiras, respeitando os limites com a Floresta Nacional do Macauã. Toda a área reivindicada pelos índios está inserida na Resex Cazumbá/Iracema, conforme constatado, em abril de 2006, durante as atividades de "etnozoneamento" realizadas pelas famílias Jaminawa com o apoio de uma equipe de técnicos e consultores do governo estadual. Dentre as quais destacaram-se: 1) a elaboração de mapas mentais, dos recursos hídricos e ocupação humana, de caçadas, de pesca, de extrativismo, de vegetação, de ameaças ou vulnerabilidade da área tradicionalmente ocupada e, por fim, o mapa histórico da população Jaminawa no vale do Acre/Alto Purus; 2) discussões internas para elaboração de um futuro Plano de Gestão da TI Jaminawa do Rio Caeté; 3) definição de indicativos para o estabelecimento de políticas públicas para os Jaminawa do Caeté. Todas essas atividades e levantamentos constituem referências importantes para os estudos de identificação e delimitação dessa terra indígena e deveriam ser considerados pelo órgão indigenista oficial.
No relatório apresentado pelo GT Fundiário ao Governo da Floresta, em abril de 2006, consta, como recomendação da "agenda prioritária", a imediata constituição pela FUNAI de Gts para a identificação das duas terras Jaminawa, contando com a participação de representantes da Organização Comunitária Agroextrativista Jaminawa (OCAEJ), da Secretaria Extraordinária dos Povos Indígenas (SEPI) e do Instituto de Terras do Acre. No caso da TI Jaminawa do Rio Caeté consta ainda como sugestão que a FUNAI, com o apoio do governo estadual, faça articulações prévias junto ao IBAMA e ao Conselho Deliberativo da Resex Cazumbá-Iracema para assegurar ao GT condições de realizar os estudos de identificação e, num momento futuro, para tirar os encaminhamentos necessários à discussão da sobreposição entre a terra indígena e essa unidade de conservação.
Reivindicações recentes, "sem providências"
Três novas demandas territoriais surgiram nos últimos dois anos. Estas não constam, por ora, na listagem de terras "a identificar", ou "a definir", produzida pela DAF/FUNAI. Em Marechal Thaumaturgo, na Reserva Extrativista do Alto Juruá, os Milton, grande família extensa formada a partir do matrimônio de descendentes de indígenas Kuntanawa ("gente do cocão") e Neanawa ("gente do jacamim"), têm pleiteado seu reconhecimento enquanto grupo étnico e a identificação de uma terra indígena incidente na Resex.
Em setembro de 2005, manifesto divulgado pela Organização dos Povos Indígenas do Acre, Sul do Amazonas e Noroeste de Rondônia (OPIN), além de solicitar a identificação da TI Kuntanawa, reivindicou o início, pela FUNAI, dos estudos para o reconhecimento da TI Estirão, no Município de Santa Rosa do Purus. Ambas demandas tornaram a ser feitas em novo manifesto divulgado pela OPIN em janeiro de 2006.
No mês seguinte, o sertanista Antônio Luiz Batista de Macêdo (AER-RBR) e Francisco Apurinã (SEPI), em viagem a Santa Rosa do Purus, visitaram áreas demandadas para a criação de duas novas terras indígenas. Pouco acima da sede do município, entre os igarapés Pesqueira e Chambuyaco, verificaram a existência de cinco aldeias (Estirão, do povo Jaminawa, e Morada Nova, Veneza, Cocal e São Martins, do povo Madijá), habitadas por 160 índios. Na margem esquerda do rio Purus, abaixo da TI Alto Rio Purus, visitaram ainda a aldeia Porvir, habitada por 30 pessoas, descendentes do casamento de um homem Madijá e uma mulher Ashaninka, que também reivindicaram o início dos estudos para o reconhecimento, neste local, de outra terra indígena.
A realização de "levantamentos prévios" pela FUNAI, contando com a presença de técnicos do governo estadual e de representantes do movimento indígena, foi incluída como recomendação no relatório do "GT Fundiário", visando subsidiar futuras ações do órgão indigenista em relação a essas três novas demandas territoriais surgidas no Acre nos últimos anos.
Marcelo Piedrafita Iglesias e Txai Terri Valle de Aquino
Página 20, 11/06/2006, Papo de Índio
PIB:Acre
Áreas Protegidas Relacionadas
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