Nos últimos cinco anos, lideranças tradicionais e representantes de organizações indígenas locais e regionais encaminharam reivindicações à FUNAI demandando a "revisão de limites" de suas terras, já regularizadas. Tais demandas têm sido fundamentadas com a justificativa de que essas demarcações basearam-se em estudos de identificação promovidos a partir de final dos anos 1970, num contexto em que as extensões então delimitadas acabaram condicionadas por pressões de empresas "paulistas" e donos de seringais, à época apoiados por políticos acreanos e integrantes do Conselho de Segurança Nacional.
Essas novas demandas territoriais surgiram em uma conjuntura marcada pelo vigoroso crescimento demográfico dos povos indígenas no estado, bem como pelo asfaltamento das BRs 364 e 317, a revisão dos componentes indígenas dos respectivos Estudos de Impacto Ambiental (EIA-RIMA) e a negociação, junto ao governo do estadual, de planos de mitigação e compensação pelos prejuízos ambientais, sociais e culturais resultantes da pavimentação dessas rodovias federais. Dentre as quais, estão a revisão de limites das TIs Rio Gregório, Nukini, Igarapé do Caucho, Katukina/Kaxinawá, Campinas/Katukina, Mamoadate e Kaxinawá do Rio Humaitá, demarcadas em meados dos anos 1980, e Kaxinawá/Ashaninka do Rio Breu, Poyanawa e Arara do Igarapé Humaitá, a partir do ano 2000.
Revisão da TI Rio Gregório
Desde início de 2004, a presidência da FUNAI adotou a postura de evitar a revisão dos limites de terras indígenas já regularizadas, sob a alegação de concentrar esforços na identificação de "novas terras".
Em março desse ano, uma embaixada de lideranças Yawanawá esteve no Ministério da Justiça e na sede da FUNAI em Brasília, acompanhada por políticos da bancada federal do Acre, reivindicando a realização de estudos técnicos para a revisão de limites da TI Rio Gregório, que coabitam com os Katukina. Naquela ocasião, líderes Yawanawa apresentaram às autoridades federais relatório prévio, elaborado por técnicos do próprio órgão indigenista em 2003, recomendando o imediato início desses estudos.
Atendendo a essa demanda, em novembro de 2004, a FUNAI designou um Grupo ´Técnico (GT), coordenado pelo antropólogo Ney José de Brito Maciel, para realizar os estudos antropológicos, ambientais, cartográficos e fundiários necessários à revisão de limites dessa terra. O relatório decorrentes desses estudos foi encaminhado à Coordenação Geral de Identificação e Delimitação (CGID/DAF) em outubro de 2005. Foi constatado um vigoroso crescimento da população indígena no rio Gregório, que praticamente quadruplicou em 28 anos. Em 1977, quando da primeira identificação da área indígena, eram 135 Yawanawá e 65 Katukina. Em 2005, foram recenseados cerca de 530 Yawanawá, distribuídos em 87 famílias, e 76 Katukina.
À diferença das duas aldeias que existiam em 1977, há hoje na TI Rio Gregório cinco aldeias Yawanawá e uma Katukina, duas das quais na terra demandada para ampliação. Os estudos realizados pelo GT, também constataram que a primeira demarcação da terra pela FUNAI, em 1984, excluiu as cabeceiras do rio Gregório, local de reprodução e refúgio das caças e peixes, bem como áreas de antigas malocas, cemitérios tradicionais e uma considerável quantidade de igarapés, lagos, poços e barreiros atualmente utilizados pelos Yawanawá e Katukina em suas atividades de subsistência.
Confirmando a proposta resultante do "levantamento prévio" de 2003, o relatório do GT ainda estimou a nova extensão da TI Rio Gregório em 187.395 ha. Ou seja, uma área de pouco mais de 94 mil ha além da extensão da terra homologada em 1991.
A revisão reivindicada pelos Yawanawá e Katukina incide em terras arrecadadas pela União na Floresta Estadual do Liberdade, criada em março de 2004, e em áreas da antiga fazenda Paranacre. Parte desta última foi comprada pelo grupo empresarial Tinderacre, no qual é sócio majoritário o apresentador de televisão Carlos Massa, mais conhecido por Ratinho. Planos de negócio e manejo florestal, que incluíam a instalação de uma indústria de beneficiamento de madeira, foi apresentado pela empresa à Secretaria Executiva de Florestas e Extrativismo (SEFE) e sua análise estava prevista pelo Conselho de Desenvolvimento Industrial do Acre.
A 13 de setembro de 2005, a Organização dos Agricultores Extrativistas Yawanawá do Rio Gregório (OAEYRG) fez circular Carta Aberta na internet, na qual negou qualquer intenção de negociar suas áreas de ocupação tradicional com a empresa, demonstrou preocupação com o possível início das atividades madeireiras no entorno da terra reivindicada e ainda reafirmou a intenção de lutar, junto com os Katukina, pelo pleno reconhecimento do território que tradicionalmente ocupam no rio Gregório. Diante da expressiva repercussão dessa carta no Acre, no país e no exterior, uma delegação Yawanawá foi recebida pelo governador Jorge Viana. Nesta audiência, o governador reiterou a posição favorável do governo estadual em relação à demanda de revisão de limites da TI Rio Gregório. Este entendimento com o governo do estado foi tornado público em nova carta dos líderes Yawanawá, também divulgada na imprensa local e circulada amplamente na internet.
Em março de 2006, estava em vias de conclusão um acordo formal entre o governo estadual e a Radan Administração e Participação Ltda., da qual a Tinderacre faz parte, garantindo a cessão de parte das terras desta empresa (cerca de 28,6 mil ha) contida na revisão de limites da TI Rio Gregório, bem como a não realização de atividades de manejo madeireiro no entorno da terra indígena. Por outro lado, o governo comprometeu-se com os Yawanawá a redefinir os limites da Floresta Estadual Liberdade, de forma adequá-los aos novos limites de sua terra.
Esse conjunto de medidas contribuiu para a publicação, no Diário Oficial da União (DOU), do dia 3 de abril de 2006, de despacho do presidente da FUNAI aprovando as conclusões do Relatório Circunstanciado de Revisão de limites da TI Rio Gregório. A publicação de seu resumo e mapa no DOU é um importante avanço no processo de regularização dessa terra, sem risco de que contestações à pretensão dos Yawanawá e Katukina sejam apresentadas pela empresa Radan e o governo estadual.
Considerando os impactos que resultarão da pavimentação da BR-364, a perspectiva do início das atividades madeireiras na floresta estadual e na área de pretensão da Radan, e ainda que a nova superfície da TI Rio Gregório fará limites com a Reserva Extrativista do Riozinho da Liberdade, criada em 2005, a revisão da terra reivindicada pelos Yawanawá e Katukina é hoje de fundamental importância para a consolidação de um mosaico de 43 terras indígenas e unidades de conservação, com extensão agregada de pouco mais de 7,9 milhões de hectares contínuos de florestas, atualmente configurado no estado. Cabe ainda destacar, que é nas proximidades dos novos limites dessa terra onde nascem os rios Gregório e Riozinho da Liberdade e vários importantes afluentes da margem esquerda do rio Tarauacá, dentre os quais, o rio Acuraua e os igarapés São Salvador, Primavera e Catuquina.
É importante agora que a administração da FUNAI em Rio Branco faça publicar também o resumo do mencionado relatório no Diário Oficial do Estado do Acre e solicite a sua imediata afixação no quadro de avisos da Prefeitura de Tarauacá. Só após este procedimento administrativo, começa-se a contar efetivamente o prazo de 90 dias para que eventuais contrariados com esses estudos contestem os novos limites da terra indígena. Encerrada essa fase, o ministro da Justiça poderá finalmente assinar a sua portaria declaratória, condição legal para a demarcação de seus novos limites.
Festival da Cultura Yawanawá
Líderes políticos e espirituais Yawanawá querem comemorar, em grande estilo, esse importante avanço no processo de regularização de suas terras, organizando o Festival da Cultura Yawanawá, nos dias 25 a 28 de julho próximos. Este festival, já em sua quinta edição, vem contribuindo positivamente para o movimemento de reafirmação étnica e cultural dos povos indígenas no vale do Alto Juruá acreano. Como diz sabiamente o cacique e pajé Biraci Brasil, o nosso festival é uma grande escola de educação de nossa cultura.
Esperam contar com a participação de embaixadas de vários povos indígenas da região e, mais uma vez, com a presença do governador Jorge Viana e do professor Binho Marques, quem, à frente da Secretaria de Educação do estado, foi responsável pela construção de um belo complexo de salas de aula da Escola Yva Styvu (nome indígena do grande patriarca Antonio Luis) na aldeia Nova Esperança.
Levantamentos prévios: o caso Nukini
Em meados de 2003, uma outra equipe designada pela DAF/FUNAI realizou levantamentos prévios das novas demandas fundiárias nas TIs Nawa e Nukini. O relatório resultante desses levantamentos recomendou a imediata identificação da primeira terra indígena e atestou a legitimidade das demandas das lideranças e organizações de representação do povo Nukini. Essa terra e a do Rio Gregório foram, então, incluídas para revisão de limites no planejamento operacional da DAF para 2004.
Identificada em 1977, e reestudada em 1984, a TI Nukini foi demarcada em 1986, com 27.533 ha. O levantamento prévio estimou a revisão de limites em mais 72.276 ha sobre a extensão da terra regularizada, incorporando duas glebas (Timbaúba e Moa Azul) que o INCRA declarou estar disposto a doar aos Nukini, além de pequena parcela do Parque Nacional da Serra do Divisor (PNSD), que, pela margem esquerda do rio Moa, alcança o igarapé Capanaua. Com essa ampliação, a nova extensão dessa terra poderia alcançar pouco mais de 99 mil ha, para uma população hoje estimada em 624 índios.
Após dissidência em relação à sucessão da chefia da comunidade Nukini, o ex-cacique Paulo César de Oliveira abandonou a terra indígena acompanhado por uma centena de índios, passando a ocupar outra parte da área norte do PNSD. Em abril de 2005, a Procuradoria do IBAMA impetrou ação de reintegração de posse na Justiça Federal, da qual resultou a instauração de processo em que figuravam como réus o ex-cacique e a FUNAI. Em cumprimento a decisão judicial de 16 de julho de 2005, uma força tarefa das Polícias Federal e Militar, apoiada pelo Exército e o órgão ambiental, realizou a destruição da aldeia formada por essas famílias Nukini na área do PNSD. A violência da ação policial então empregada contra os índios foi veementemente condenada em documento divulgado pela OPIN (Organização dos Povos Indígenas do Acre, Sul do Amazonas e Noroeste de Rondônia), em fins de julho de 2005,e assinado também por representantes de outras oito organizações indígenas locais e regionais.
Os Nukini continuam esperando o início dos estudos de revisão de limites de sua terra. No entanto, desde início de 2004, nenhuma outra providência foi adotada pela DAF/FUNAI para cumprir os seus próprios planejamentos.
Terras de domínio indígena
Nos últimos cinco anos, no âmbito do Projeto Apoio às Populações Indígenas Impactadas pelas Rodovias BRs 364 e 317, financiado pelo Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES), iniciativas pontuais do governo estadual, por meio de parcerias com o governo federal e organizações indígenas e indigenistas, resultaram na legitimação de duas terras de domínio indígena: a TI Kaxinawá do Seringal Independência, bem como dois lotes desapropriados na adjacência da TI Kaxinawá da Colônia 27. A transformação dessas terras dominiais em terras reservadas, regularizadas pela FUNAI e partes do patrimônio da União, é medida relevante, para cuja concretização o governo estadual deve assumir papel central.
Lotes doados pelo governo do estado aos Kaxinawá da Colônia 27
Como desdobramento de demandas das lideranças Kaxinawá da Colônia 27, amplamente debatidas durante a definição das medidas de compensação e mitigação pelo asfaltamento da BR-364, o governo estadual encomendou ao Instituto de Terras do Acre (ITERACRE), em 2001, estudos para a aquisição de terras para ampliar a TI Kaxinawá da Colônia 27. Originalmente um lote de 105 ha doado pelo INCRA a seis famílias Kaxinawá em 1972, foi regularizada como terra indígena pela FUNAI em 1991.
Nas negociações com as lideranças Kaxinawá, o governo estadual informou sobre a possibilidade de adquirir uma área com cerca de 2 mil ha, parcialmente coberta de florestas, mais distante da cidade de Tarauacá, para onde a comunidade poderia se transferir. Esta proposta, no entanto, foi declinada sob a justificativa de que famílias Kaxinawá moram há três décadas na Colônia 27, e ali preferiam permanecer.
Dois lotes contíguos à terra indígena, um com 94 ha e outro com 63 ha, ou seja, uma extensão agregada de 157 ha, dos quais 29 ainda com cobertura florestal, foram então desapropriados de particulares pelo ITERACRE. Apesar da relevância inegável dessa iniciativa, tendo em vista as condições em que se encontravam essas famílias indígenas, confinadas por fazendas e privadas de fontes sadias de água potável, uma questão de ordem jurídica deve ser levantada: qual é a situação fundiária atual desses dois lotes desapropriados pelo governo estadual e hoje sob uso dos Kaxinawá?
Segundo informa o Ofício no 123/CGID/DAF, de agosto de 2005, a FUNAI encaminhou solicitação formal ao IMAC para que o governo estadual promova a regularização desses lotes e repasse-os ao patrimônio da União, de maneira que o órgão indigenista possa incorporá-los à TI Kaxinawá da Colônia 27.
Essa terra indígena, situada a 8 Km da cidade de Tarauacá, continua sendo a menor do estado, com extensão de 262 ha, e destinada a uma população de 150 Kaxinawá. A plena regularização desses dois lotes é tarefa urgente para coroar com êxito essa iniciativa, evitando assim futuros questionamentos jurídicos à ação do governo estadual e à efetiva posse dessas terras pelos Kaxinawá.
TI Kaxinawá do Seringal Independência
Caso único no Acre, essa terra dominial é composta pelos seringais Independência e Altamira, comprados pela Associação dos Seringueiros Kaxinawá do Rio Jordão (ASKARJ), em 1993-94, e, à época, registrados em cartórios de Rio Branco e Tarauacá. A FUNAI procedeu com seu registro, em cartório, como terra de domínio indígena, a 30 de novembro de 2000.
Por meio de emenda parlamentar apresentada pelo então Senador Júlio Eduardo (PV-Acre) e de convênio com o Ministério do Meio Ambiente, no âmbito do Projeto Gestão Ambiental em Terras Indígenas do Acre, a Secretaria de Estado de Meio Ambiente (SEMA) canalizou recursos, em 2001, para que as lideranças e os agentes agroflorestais das três terras Kaxinawá situadas no Município de Jordão, com apoio da ASKARJ, da Comissão Pró-Índio do Acre e da FUNAI de Rio Branco, promovessem a autodemarcação dos dois seringais. Em 2003, com recursos do Projeto do BNDES, o assentamento dos marcos, medições topográficas e a formalização dos documentos técnicos foram concluídos pela GETEC, empresa de agrimensura contratada pelo governo estadual. Atendidas as exigências do Manual de Normas Técnicas para Demarcação de Terras Indígenas, a Coordenação Geral de Demarcação (CGD/DAF), da FUNAI, aprovou o resultado dos trabalhos demarcatórios.
Nos últimos anos, gestões foram feitas pela ASKARJ, junto à CGID e à DAF/FUNAI, para transformar essa terra de domínio indígena em terra reservada. Duas são as principais razões a fundamentar essa demanda da Associação Kaxinawá. A primeira, a desobrigação do pagamento do Imposto Territorial Rural (ITR) referente aos dois seringais, o que, a médio prazo, poderá colocar riscos reais à sua propriedade pela ASKARJ e ao seu uso pelos Kaxinawá, dado que a Associação não dispõe de receita regular para arcar com essa despesa. A segunda, a incorporação dos seringais ao patrimônio da União, pré-condição para o registro de uma terra reservada, constitui uma salvaguarda que impede que eles possam, no futuro, ser objeto de nova transação imobiliária junto a particulares.
Conforme recomendado em ofício da Coordenação Geral de Assuntos Fundiários (CGAF/DAF), em fevereiro de 2004, para que FUNAI regularizasse os seringais Independência e Altamira como terra reservada, a ASKARJ deveria mobilizar assessoria jurídica para: a) proceder com a unificação dos registros dos seringais Independência e Altamira no Cartório de Tarauacá; b) requerer uma averbação, no registro unificado, especificando os limites já demarcados da área; e c) apresentar documento à presidência da FUNAI, autorizando providências para a expedição de decreto da área como reserva indígena, com vistas ao seu cadastro na Secretaria de Patrimônio da União.
Ao contribuir com a autodemarcação e demarcação física da TI Kaxinawá do Seringal Independência, o governo estadual abriu uma relevante alternativa para a sua regularização como terra reservada. Um novo apoio do governo estadual e da própria FUNAI à conclusão desse processo administrativo, com a prestação de assessoria jurídica à ASKARJ, continua a ser recomendado.
Cabe ainda enfatizar que a regularização dessa terra Kaxinawá constou, em 1999, como indicativo do Zoneamento Ecológico-Econômico do Acre-Fase I, que recursos públicos estaduais e federais foram investidos nessa demarcação e, ainda, que as mobilizações protagonizadas pelos Kaxinawá na aquisição e autodemarcação dos seringais Altamira e Independência, em meados da década de 90, constituíram experiências participativas bem sucedidas e inovadoras em âmbito nacional.
Índios:Terras/Demarcação
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