A Assembléia Geral dos Povos Indígenas de Roraima reuniu 702 lideranças na aldeia do Barro [Surumu], nos dias 6 a 9 de fevereiro de 2007, para debater propostas com base no tema "Desenvolvimento sim, mas com respeito e não de qualquer jeito".
Os tuxauas (caciques) presentes debateram com convidados de instituições públicas sobre a "Situação Fundiária, Meio Ambiente, Sustentabilidade, Direitos Humanos, Saúde, Educação" e avaliaram a situação financeira da entidade. A Assembléia também deu posse à nova coordenação e fez o lançamento do CD com Cantos Tradicionais Wapichana.
A carta final da Assembléia anual do CIR contém 60 itens (veja abaixo), entre propostas, sugestões, cobranças, protestos e reivindicações. O documento será encaminhado às autoridades públicas que atuam diretamente com as questões indígenas, como Funai, Ministério da Justiça, Funasa, Comitê Gestor da Casa Civil, Ministério Público, Polícia Federal e outros.
O evento ocorreu de forma pacífica, apesar de ser realizado na antiga vila de Surumu, local de tensão na terra indígena Raposa Serra do Sol, devido a retira de não-índios que vivem naquela localidade e, principalmente, por ser próximo às maiores lavouras de arroz irrigado da região.
O único incidente grave foi o espancamento do indígena Sérgio da Silva Alves. Ele atuava na Assembléia como segurança e teria impedido a entrada de dois jovens não-indios que são os suspeitos de terem praticado a agressão, juntamente com outros rapazes que vivem no local.
A Polícia Federal chegou a prender os suspeitos mas os liberou por serem menores de idade. A vítima recebeu atendimento médico de emergência no hospital São Camilo, em Surumu, e teve que ser removida para o Pronto Socorro de Boa Vista, mas por apresentar um quadro estável foi encaminhada à Casa de Saúde Indígena e depois retornou à comunidade.
Nova coordenação assume para mandato de dois anos
Dionito José de Souza é o novo coordenador geral do Conselho Indígena de Roraima - CIR. Aos 39 anos de idade, pertencente à etnia Macuxi, ele exercerá o mandato por dois anos ao lado de Terêncio Wapichana [vice-coordenador] e Luciana Pinto Macuxi, secretária de mulheres.
Os eleitos tomaram posse no encerramento da Assembléia Geral dos Povos Indígenas numa cerimônia que emocionou todos os presentes. Cada etno-região que compõe o CIR apresentou a sua liderança eleita, e, simbolicamente, levou de volta aqueles que concluíram o mandato.
O coordenador que toma posse é da aldeia Maturuca, terra indígena Raposa Serra do Sol, o vice é morador da aldeia Marupá [Serra da Lua] e a secretária das mulheres é da aldeia Câmara [Baixo Cotingo].
Na solenidade de posse, Dionito Macuxi empenhou todos os seus esforços para reestruturar a administração da entidade que enfrenta dificuldades financeiras, principalmente para a contratação de pessoal, manutenção do escritório e dos transportes.
Dionito Macuxi também prometeu ser "implacável" contra a venda e o consumo de bebida alcoólica por indígenas, além de trabalhar para acelerar o processo de retirada de não-índios das terras demarcadas e homologadas.
A saúde indígena receberá atenção especial do novo coordenador que até a posse era coordenador dos agentes de saúde da região das Serras e é um dos articuladores em nível nacional do movimento pela saúde indígena.
Perfil
Dionito José de Souza, já atuou como catequista, capaz, agente de saúde (microscopista), segundo tuxaua, coordenador regional dos agentes de saúde, membro do Conselho do Distrito Sanitário Leste de Saúde, membro da Comissão Pós-Conferência Nacional dos Povos Indígenas.
Conheça as propostas aprovadas na Assembléia
36ª ASSEMBLEIA DOS POVOS INDIGENA DE RORAIMA
"Desenvolvimento sim, mas com respeito e não de qualquer jeito!"
TI Raposa Serra do Sol, Aldeia do Barro (Surumu), 9 de fevereiro de 2007.
Documento Final
Nós povos indígenas de Roraima, reunidos no dia 6 a 9 de fevereiro de 2007, na comunidade indígena Barro, região Surumu, terra indígena Raposa Serra do Sol, Estado de Roraima, com a presença de 702 lideranças indígenas, pertencentes aos povos Macuxi, Wapichana, Ingarikó, Taurepang, Wai Wai, Sapará, Yekuana, Yanomami, Xirixiana, Pemón e Patamona, após discutimos sobre o tema desta Assembléia - "Desenvolvimento sim, mas com respeito e não de qualquer jeito" - vimos apresentar nossas demandas, propostas, sugestões e reivindicações amparados pela Constituição Brasileira:
A TERRA
Exigimos a saída imediata dos ocupantes não índios, principalmente dos arrozeiros para termos o direito exclusivo sobre a terra Raposa Serra do Sol;
Não aceitamos o Distrito Municipal de Surumu e a ampliação da zona urbana da sede de Pacaraima por afrontar nossos direitos constitucionais. Por isso, queremos revogação das leis municipais 110 e 111/2006, aprovada pela Câmara dos Vereadores do Município de Pacaraima;
Queremos a imediata desintrusão dos moradores não-índios da Vila Surumu, Socó, Água Fria e Mutum por trazerem para as comunidades indígenas a bebida alcoólica e gerar crimes contra o patrimônio indígena. Que a Funai retire com urgência urgentíssima os que já receberam a indenização e adote providencia medidas para que não retornem a nossa terra;
Não autorizamos a realização de festejos em nossa área, tal como São José (Surumu), São Sebastião (Uiramutã) promovido pelas Prefeituras municipais. Discordamos, também, dos Festejos no Lago Caracaranã por ser uma forma disfarçada de invasão das nossas terras;
A ampliação de algumas terras indígenas demarcadas em ilhas nos anos 1970/80/90 é extremamente necessária para a sobrevivência física e cultural dos povos. Até o momento, apesar de todos os anos solicitarmos das autoridades competentes, não temos qualquer resposta. Por isso, queremos que haja respostas aos pedidos de ampliação: TI Truarú, Sucuba (na região do Taiano), Aningal, Ponta da Serra e Araçá (na região Amajari), Canauani, Malacacheta, Manoá/Pium, Bom Jesus, Jabuti (na região Serra da Lua);
Solicitamos a identificação da TI Arapuá -Taiano;
Os Yanomami reclamam da invasão de fazendeiros, pescadores e garimpeiros em sua área. Exigimos respostas a essas demandas o mais breve possível, pois a morosidade em agir coloca em risco a vida Yanomami.
A presença do ocupante Dílson Cabral na TI Ponta da Serra, Jose Ribeiro na TI Pium, são exemplo que mesmo após a terra está registrada e os ocupantes terem recebido indenização não há a posse indígena. Que acelere a reintegração de posse às comunidades indígenas.
MEIO AMBIENTE
Não consentimos à construção da Usina Hidrelétrica no nosso rio Cotingo - um patrimônio natural das nossas comunidades -, por prejudicar nosso meio ambiente, nossos campos, a caça e a nossa vida tradicional,
Denunciamos que mesmo após a homologação da terra, continua a plantação de arroz e soja nas ocupações Fazenda Deposito/Paulo César Quartiero, e demais arrozeiros, Repudiamos a licencia ambiental concedida aos arrozeiros e solicitamos que sejam punidos os responsáveis por tal ato;
Que o Ibama e as Prefeituras de Pacaraima e Uiramutã adotem providencias imediatas para os lixões a céu aberto que são instalados no interior das TIs Raposa Serra do Sol e São Marcos;
Que o Ibama verifique a denúncia de morte de urubus por envenenamento nas mediações dos lixões em Pacaraima, no alto do rio Miang;
Denunciamos o desmatamento da mata ciliar nas mediações da TI Murirú;
Denunciamos a extração ilegal de piçarra na terra São Marcos;
Queremos uma equipe de peritos agrônomos para fazer o levantamento dos danos ambientais provocados pelas plantações de arroz para posterior indenização e recuperação das áreas degradadas;
Parque Nacional Kaané (NÃO) - Essa é a forma mais apropriada para expressar o sentimento do povo Ingarikó que não reconhece o referido Parque. Por isso queremos a revogação do Decreto de criação do Parque Monte Roraima.
Manifestamos o nosso desacordo com a forma como o Ibama vem conduzindo a elaboração de Plano de Manejo que desconsidera a forma de vida não só do Povo Ingarikó, mas dos demais povos que vivem na região;
A existência do Parna Monte Roraima está favorecendo a invasão de turistas na região da Serra do Sol sem o consentimento das comunidades da região das Serras, o que tem levado a divisão entre as comunidades indígenas;
Que todo projeto de eletrificação somente seja levado adiante a partir de consulta e consentimento das comunidades;
Queremos aprovação de projetos de capacitação de agentes indígenas ambientais pelo Ministério do Meio Ambiente.
Exigibilidade de direito
Que o governo federal cumpra o decreto de homologação de terra indígena Raposa Serra do Sol;
Que a Funai tenha respeito com as nossas comunidades e não desrespeite mais as nossas assembléias e reuniões ampliadas, pois repetidas vezes o órgão indigenista - que deveria ser o nosso parceiro - tem se ausentado das discussões mais importantes e não tem tomado providências para as nossas comunidades;
Que a participação dos povos indígenas não se dê apenas no papel, que sejamos respeitados como cidadãos brasileiros;
Repudiamos suposto o relatório da Abin que considera os indígenas como ameaças à soberania nacional e potenciais terroristas, pois atitudes como esta só prejudicam o nosso relacionamento com a sociedade como um todo;
Repudiamos as práticas da Funai, em especial do chefe de posto Pin Placa-Contão, Sr. Gilberto que não atende mais as nossas comunidades, deixando em muitos casos o posto abandonado, assim como o seu superior, o administrador Gonçalo Texeira, que trata com descaso a maioria das nossas reivindicações. Por este motivo, solicitamos a substituição do chefe de posto Sr. Gilberto e a demissão do Sr. Gonçalo do cargo de administrador regional;
Queremos que o próximo presidente da Funai seja um indígena indicado pelo movimento indígena organizado. Queremos que o próximo administrador regional da Funai seja um indígena indicado pelo movimento indígena de Roraima;
Queremos o fechamento de todos os bares que vendem bebida alcoólica dentro de terras indígenas;
Que sejamos respeitados em nossos direitos, principalmente no tratamento da faixa de fronteira, pois ali vivemos e não precisam ser "vivificadas";
Manifestamo-nos contrariamente aos projetos de lei do Congresso Nacional PL 434 (que autoriza a construção da Hidrelétrica do Cotingo) e PL 260-90 (que altera o artigo 231 da constituição federal) que afetam diretamente nossos direitos territoriais indígenas;
Estamos abertos às alianças, parcerias e diálogos, para construirmos um país melhor e mais digno. Consideramos importante o diálogo, a parceria e alianças com os demais setores da sociedade civil organizada em vista da construção de um mundo melhor onde haja respeito e dignidade para todos;
Nesta assembléia estamos feridos pelo fato absurdo da agressão ao indígena SERGIO SILVA ALVES, queremos que os agressores já identificados e expulsos não retornem a TI Raposa Serra do Sol - RR;
Queremos medidas para combater violência contra os povos indígenas e a insegura que paira enquanto tiverem não-índios em nossa terra. Que crimes como o ocorrido durante essa Assembléia, e outro tal como a destruição da Escola do Centro de Formação e Cultura Raposa Serra do Sol, e homicídios, como o Aldo Mota, não fiquem impunes;
A assembléia entende como desrespeito a presença da Policia Militar no Surumu. Além de não dar segurança à comunidade indígena, ela age somente em favor dos não-índios da vila;
Repudiamos a falta de segurança na terra indígena Raposa Serra do Sol. A morosidade na conclusão dos inquéritos policiais, a falta de condições apropriadas para atender as demandas indígenas e providências eficazes por parte da polícia federal diante a ocorrência de crimes contra indígenas;
Queremos punição aos verdadeiros culpados da destruição do Centro de Formação Indígena Raposa Serra do Sol;
Sustentabilidade
37. Criar projeto de auto-sustentação e fortalecer melhorar os projetos já existentes.
38. Que o Governo não trave os projetos de apoio e desenvolvimento das Comunidades Indígenas tal como o projeto FAUNA da TI Raposa Serra do Sol em parceria com a Universidade do Havaí e Museu Nacional do Índio já aprovado pelo CNPq, FUNAI e comunidades indígenas.
39. Que seja aprovada a proposta do CIR à FUNAI cujo objetivo é o fortalecimento dos povos indígenas da Raposa Serra do Sol.
Educação
Não aceitamos a municipalização das escolas indígenas sem haver anuência das comunidades, como reza Resolução 03/99;
Repasse das escolas: Surumu, Água Fria, Socó, Mutum para a Divisão da Educação Escolar Indígena, porque estão dentro da terra indígena Raposa Serra do Sol que agora foi homologada;
Os Centros Regionais criados por Decreto nas Serras, Malacacheta e Taiano não são apoiados pela Secretaria de Educação do Estado, mesmo recebendo recursos do Governo Federal. Os Centros continuam sem qualquer estrutura como: construção do prédio e transporte aéreo ou terrestre para fazerem acompanhamento administrativo e entrega dos materiais didáticos e permanentes, etc;
Reconhecimento dos outros Centros Regionais de Educação como: Surumu, Boca da Mata, Baixo Cotingo, Raposa, Amajari e outras;
Solicitamos apoio pedagógico e centro de informática diretamente do MEC para Centro Indígena de Formação e Cultura Raposa Serra do Sol;
Anulação do Decreto Municipal n. 7617 que transfere a Escola Estadual Padre José Anchieta para o Município de Pacaraima;
Concursos públicos específicos e diferenciados para indígenas em suas respectivas áreas;
Implantação e construção de novas escolas indígenas já solicitadas;
Federalização das escolas indígenas.
Conferencia Nacional de educação escolar indígena
Criação do Conselho Estadual de Educação Indígena de Roraima.
Permanência da Professora Natalina no cargo de coordenadora do DEI.
Saúde
Reativação do Hospital São Camilo, com uma viatura permanente;
Construção dos pólos base e dos postos de saúde nas comunidades indígenas;
Ampliação da rede de abastecimento de água nas comunidades indígenas;
Construção de um aterro sanitário no centro regional Barro;
Agilização do repasse do recurso no Convênio CIR-FUNASA;
Que sejam concedidos novos veículos para o atendimento à saúde indígena;
Queremos cursos de técnicos de enfermagem e reconhecimento dos direitos trabalhistas dos agentes indígenas de saúde;
Exigimos melhores condições de saúde para os Yanomami;
Que seja resolvida com seriedade e urgência a situação da saúde na TI Yanomami.
Durante essa assembléia vários fatos ocorreram para prejudicar o andamento da mesma. Fomos acusados de invasores dentro de nossa própria terra, agrediram nosso parente Macuxi, mandaram a Policia Militar para nos intimidar, o Prefeito de Pacaraima afrontou as lideranças ao entrar na assembléia sem ser convidado, jogaram pedras no telhado do ginásio. Contudo, nossa assembléia foi mais uma demonstração de união e fortalecimento do Movimento Indígena de Roraima que pacifica e educadamente debateu todos os assuntos da pauta e ao final apresenta essa carta e espera desde já as providências necessárias e cabíveis.
Abaixo assinamos,
PIB:Roraima/Lavrado
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