Índio é enterrado em clima de revolta em Pau Brasil

Correio da Bahia-Salvador-BA - 20/07/2002
Inconformados, pataxós ameaçam fazer justiça com as próprias mãos


O enterro do índio pataxó hã-hã-hãe Raimundo Rosa Neres, na tarde de ontem, na área
indígena de Caramuru Catarina-Paraguaçu (município de Pau Brasil), aconteceu em clima de revolta e manifestações da comunidade. Inconformada com o assassinato do índio, na madrugada de quarta-feira, na Fazenda São Francisco, a comunidade pataxó clama por justiça e apela para que o Supremo Tribunal Federal (STF) julgue a ação de nulidade de títulos de terras, que tramita há 20 anos no Congresso Nacional, para por fim aos conflitos na região.
O clima em Pau Brasil, no extremo sul da Bahia, é muito tenso e os índios ameaçam fazer justiça com as próprias mãos, preocupando as entidades indigenistas e a Comissão Pastoral da Terra (CPT). O povo pataxó alega não suportar mais a espera pela decisão do governo federal, pois enquanto o tempo passa aumentam os conflitos e o número de índios executados por pistoleiros.
O corpo de Raimundo Neres só foi retirado na noite de quinta-feira de uma área de difícil acesso da Fazenda São Francisco, ocupada pelo fazendeiro Valdir Alves. O corpo foi levado para o Instituto Médico-Legal (IML) de Itabuna, onde permaneceu até o início da tarde de ontem, quando foi levado para o cemitério de Caramuru Catarina-Paraguaçu. Ele tinha 42 anos.

Os pataxós chamam a atenção das autoridades, lembrando que, enquanto aguardam o
julgamento da Ação de Nulidade de Títulos, 17 índios já foram executados por pistoleiros na região de Pau Brasil, onde existem 54,1 mil hectares de terras indígenas disputadas por fazendeiros.
Apreensão - No início desta semana, outro índio, Carlos Silva, foi baleado com nove tiros e continua em estado grave. Integrante da equipe do Conselho Indigenista Missionário (Cimi), Alda Oliveira conta que os índios estão apreensivos em função dos crimes e constantes
ameaças de mortes nas comunidades indígenas de Pau Brasil. Ela diz ainda que os pataxós hã-hã-hães podem mesmo partir para um confronto, pois estão inconformados com a violência contra seu povo e a indiferença da Justiça federal.
Em nota divulgada à imprensa de todo o país e órgãos internacionais, o Cimi relata: "A
violência imposta ao povo pataxó hã-hã-hãe é o quadro mais real da situação atual vivenciada pelos povos indígenas no Brasil, ao longo desses 502 anos. A morosidade da Justiça e a impunidade revelam uma cronologia de terror que, nos últimos anos, tomou proporções alarmantes".
Os caciques Gerson de Souza Mello e Nailton Muniz relatam que Raimundo Neres, conhecido como Sota, foi vítima de uma emboscada de pistoleiros no local conhecido como do Braço da Dúvida, na Fazenda São Francisco, na região do Taquari, em Pau Brasil. Segundo eles, a dificuldade de se chegar ao local foi muito grande, principalmente devido à grande quantidade de pistoleiros na área.
Policiais cercam a cidade
A Polícia Militar da Bahia acionou um contigente de 60 homens na sede de Pau Brasil, na tentativa de acalmar os ânimos. Já a Polícia Federal está atuando com quatro agentes na cidade. Ainda assim, de acordo com informações do Cimi, o clima é bastante tenso. Um batalhão da Polícia Militar deve chegar ainda hoje na cidade, com objetivo de cercar toda a cidade e evitar a entrada de armas nas áreas indígenas.
O Cimi divulgou ainda que o assassinato de Raimundo Neres foi mais uma morte anunciada, pois as lideranças pataxós hã-hã-hães vêm solicitando há mais de seis meses providências enérgicas para conter o clima de conflito na região. Mas as denúncias e os apelos não foram atendidos. O ex-prefeito de Pau Brasil e fazendeiro Durval Santana é acusado de enviar capangas para atacar a área retomada pelos índios e atirar contra o pataxó Carlos Silva, na Fazenda Letícia. Durval e um dos pistoleiros foram ouvidos pela Delegacia Federal de Ilhéus,
mas ninguém foi preso.
Segundo as lideranças indígenas, os fazendeiros argumentam que a Justiça não resolve nada e por isso eles vão solucionar o problema à bala. Tanto Durval Santana, quanto Valdir Alves, não foram encontrados pela reportagem do Correio da Bahia para explicar as acusações. As lideranças indígenas acreditam que eles estejam fora de Pau Brasil.
Os novos conflitos, conforme as lideranças pataxós, têm se acirrado devido à produção do cacau. Alguns fazendeiros, que já tinham concordado em deixar as terras indígenas, após aceitarem o acordo de indenizações das benfeitorias propostas pela Funai, mudaram de idéia depois de perceberem a produção do cacau.
PIB:Leste

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