Carta do Araçá é divulgada na íntegra

CIR - http://www.cir.org.br/ - 31/03/2010
Documento é resultado de cinco dias de intenso debate com a participação de quase 700 indígenas e convidados de todo o Estado de Roraima
A Coordenação-Geral do Conselho Indígena de Roraima (CIR) divulgou, na íntegra, o documento final da 39ª Assembleia Geral dos Povos Indígenas do Estado de Roraima, realizada na Comunidade do Araçá, região do Amajari, de 06 a 10 de março deste ano. Confira o teor da "Carta do Araçá" e o nome das autoridades para quem foi enviada.


CONSELHO INDÍGENA DE RORAIMA
39ª Assembléia Geral dos Povos Indígenas de Roraima


Excelentíssimos Senhores:

LUIS INACIO LULA DA SILVA
Presidente da República

CARLOS MINC
Ministro do Meio Ambiente

TARSO GENRO
Ministro da Justiça

FERNANDO HADDAD
Ministro da Educação

JOSÉ GOMES TEMPORÃO
Ministro da Saúde

ROBERTO MONTEIRO GURGEL SANTOS
Procurador Geral da República

DEBORAH DUPRATT DE BRITO MACEDO
Coordenadora da Sexta Câmara

MARCIO AUGUSTO FREITAS DE MEIRA
Presidente da Fundação Nacional do Índio

FRANCISCO DANILO BASTOS FORTE
Presidente da Fundação Nacional de Saúde

BASILEU ALVES MARGARIDO NETO
Presidente do IBAMA

PAULO VANUCCI
Ministro da Secretaria Especial dos Direitos Humanos

LUIZ FERNANDO CORREA
Diretor da Policia Federal

ILMA XAUD
Secretaria Estadual de Educação-RR


E demais autoridades.





Excelentíssimos Senhores,

A 39ª Assembléia Geral dos Povos Indígenas de Roraima, com a participação de 750 líderes dos povos Macuxi, Ingaricó, Taurepang, Sapará, Sanumá, Patamona, Wai Wai, Wapichana, Yanomami, Yekuana, das Comunidades Indígenas: Mutamba, Três Corações, Ponta da Serra, Araçá, Urucuri, Maturuca, Serra do Truaru, Aningal, Cantagalo, São Francisco, Ouro, Maracanã II, Arapuá, Raimundão, Sucuba, Serra da Moça, Mangueira, Limão, Novo Paraíso, Julia, Cachoeirinha, Raposa, Ilainã, Pedra Preta, Morro, Leão de Ouro, Uiramutã, Jawarí, Sawí, Mutum, Santa Rosa, Cajueiro, Morcego, Canauani, Maloquinha, Imbaúba, Lameiro, Matiri, Pedra do Sol, Pedreira, Wixi, Barro, Morro, Que-quem, Santa Tereza, Lage, Barreirinha, Pium, São Gabriel, Cumarú, Wilimom, Juraci, Popó, Bananal, Waromadá, Enseada, Tamanduá, Lago da Praia, Cobra, Samaúma, Jatapuzinho, Kumapai, Triunfo, Mudubim, Nova Felicidade, Rego Fundo, Cedro, Ananás, Urucuri, Sapo, Garagem, Santa Inês, Canavial, São Jorge, São Mateus, Tucumã, Central, Barata, Macaco, Jabuti, Prainha, Jacarezinho, Macuxi, Maravilha, Linha Seca, Beija Flor, Nova Santa Cecília, Sorocaima, Urubu, Jibóia, Cararual, Malacacheta, Socó e Tabalascada, com ausências de outras comunidades por falta de transporte e com a participação dos irmãos macuxi da Guiana Inglesa, reunidos nos dias 06 a 10 março de 2010, na Comunidade Indígena ARAÇÁ, região do Amajari, Terra Iindígena Araçá, amparados pelos dispositivos constitucionais do artigo 176, 231 e 232 da Constituição Federal, na Convenção 169 da OIT e na Declaração da ONU sobre Direitos dos Povos Indígenas, após amplo debate e avaliação sob o tema "Garantir a Produção Sustentável Preservando o Meio Ambiente", assim declaramos:

1. CONSIDERANDO que a União dos Povos Indígenas do Estado de Roraima é nossa Assembléia, e que temas relevantes para o Movimento Indígena e a consolidação dos nossos direitos "A Produção Sustentável e ao Desenvolvimento das Comunidades Indígenas" neste território tradicional, que é nosso;
2. CONSIDERANDO o debate das políticas públicas e atuação das entidades governamentais na área de etnodesenvolvimento, fiscalização e vigilância das terras indígenas já demarcadas e ainda por demarcar; considerando os processos de ampliação das terras com áreas insuficientes, e os debates sobre saúde e educação indígena;
3. CONSIDERANDO os mais recentes atentados ao direito ao território tradicional enfrentadas pelas terras indígenas ANARO, região do Amajari, e LAGO DA PRAIA, região do Murupu, em decorrência de decisões judiciais em caráter liminar que afastam as comunidades da terra que lhes pertence por direito;
4. CONSIDERANDO que esta última comunidade, LAGO DA PRAIA, havia sido expulsa de seu território por meio de violência, agressões, destruição de propriedades e prisões - ações que assombraram sempre os povos indígenas e causam repulsa ao movimento e a toda comunidade nacional -, e perdeu, pois, em juízo, o direito de regressar à sua terra e reclamar a justiça frente ao que lhe foi cometido;

5. CONSIDERANDO que permanecem invadidas por não índios, algumas vezes sob os auspícios da própria FUNAI, as terras já demarcadas e homologadas, que o governo crê e propagandeia já haverem sido desintrusadas e pacificadas pela Polícia Federal; e considerando a reinvasão do território;
6. CONSIDERANDO que paira ainda contra os povos indígenas a ameaça de uma nova invasão do seu território, dessa vez por parte do Governo Federal Brasileiro, que discute no Congresso Nacional a construção das hidrelétricas em terras indígenas por proposição de sua própria bancada aliada de Roraima, com suas atuação ati--indígenas, sem consulta prévia aos povos que lá habitam conforme lhes garante a Lei Federal e Convenção 169 da OIT, inclusive com destinação de recurso no PAC 2, amplamente anunciada, ignorando totalmente os povos indígenas;
7. CONSIDERANDO ainda que o governo do Estado de Roraima viola os direitos territoriais dos povos indígenas do Estado com projetos de construção de Pequenas Centrais Hidrelétricas nos rios e igarapés das TI Raposa /Serra do Sol e São Marcos, tendo já sido feita inclusive pesquisa e prospecção sem autorização das comunidades interessadas, e com a autorização da FUNAI, órgão cuja competência é a de proteger e assegurar esses mesmos direitos;
8. CONSIDERANDO que a postura que o Governo Federal mantém, através do Instituto Chico Mendes de Biodiversidade - ICMBio, para com os Parques Nacionais e os povos que estas áreas sempre habitaram de forma sustentável em relação à natureza, criando áreas de proteção ambiental sem qualquer consulta, muitas vezes sobre terras já demarcadas e protegidas, expulsando-os dessas áreas, limitando seu acesso aos recursos naturais, impondo programas de manejo alheios à suas vontades e necessidades, como acontece na TI Yanomami e tantas outras Brasil afora; e considerando que é isto que se tem feito ao povo Ingarikó e o Parque Nacional do Monte Roraima, e é o que se tem tentado fazer com o Parque Nacional do Lavrado;
9. CONSIDERANDO que a adoção do modelo assistencialista adotado pelo Governo Federal em relação às políticas de desenvolvimento sustentável, e a completa ausência do Governo do Estado em promover ações desta mesma natureza, demonstra tão somente que o compromisso com a preservação do meio ambiente foi sempre assumido unicamente pelos povos indígenas;
10. CONSIDERANDO que a burocracia e as exigências técnicas impostas pelo Governo Federal no acesso aos recursos destinados à promoção do desenvolvimento sustentável afastam completamente a possibilidade de nossas comunidades usufruírem destas políticas, direcionadas justamente aos empreendimentos indígenas;
11. CONSIDERANDO ainda a discussão a respeito da educação escolar indígena a partir do diagnóstico apresentado pelas próprias comunidades, que faz referência à falta de implementação de recursos financeiros para a construção e reforma de Escolas, falta de material permanente, e contratação de pessoal de apoio; considerando também a falta de transparência na aplicação desses mesmos recursos;

12. CONSIDERANDO a vigência das Portarias 62/10/SEGAD/GAB, 063/10/SEGAD/GAB e 003. E/05, todas da Secretaria Estadual de Roraima, que impedem a implantação de novas modalidades de ensino e a criação de escolas indígenas, o que não está de acordo com a realidade e as particularidades de cada comunidade;
13. CONSIDERANDO, que as principais dificuldades enfrentadas pelas comunidades com a falta de recursos para a infra-estrutura em saúde, comprometendo duramente a prevenção e o atendimento nas ações junto aos indígenas, inclusive presenciado pelo Secretário de Gestão Participativa do Ministério da Saúde, Dr.Antonio Alves, a precariedade de estrutura dos postos de saúde;
14. CONSIDERANDO a indefinição da responsabilidade nas políticas de saúde em prol das comunidades indígenas, dividida entre o município, o Estado de Roraima, o Governo Federal e as instituições conveniadas; e considerando a falta de informação a respeito da dita reestruturação do Ministério da Saúde;
15. CONSIDERANDO, a reestruturação da Funai, editado pelo Decreto da Presidência da Republica, que extingue alguns postos de atendimento nas regiões do Taiano, São Marcos e Serra da Lua e criação de comitê regionais;
16. CONSIDERNADO, o ano eleitoral em 2010, bem como aliciamento e crimes eleitorais nas comunidades indígenas pelos candidatos, que não tem respeito pela organização social das comunidades indígenas;
17. CONSIDERANDO, por fim, tudo o que foi acima relatado, assim como o descaso e a omissão das autoridades para com as políticas públicas voltadas aos povos indígenas, bem como a falta de compromisso político do Congresso Nacional e das Assembléias Estaduais na melhoria de vida das comunidades indígenas; e considerando a falta de representatividade dos povos indígenas na formação das políticas estatais;


Nós, povos indígenas de Roraima, reunidos em Assembléia Geral, resolvemos que:

- É preciso fortalecer e dotar de recursos os sistemas comunitários de vigilância das terras indígenas para prevenção de invasões e entradas de pessoas não autorizadas; os órgãos públicos, notadamente a FUNAI e a Polícia Federal, devem cumprir sua função com eficiência e transparência, elaborando um plano de fiscalização em conjunto com as comunidades indígenas.
- Essas ações, bem como quaisquer outras necessárias à segurança dos direitos indígenas, devem sempre ser articuladas em conjunto entre os diversos órgãos responsáveis pela fiscalização das terras, a saber, a Polícia Federal, o Ministério Público Federal, com a colaboração da FUNAI, e a participação do movimento indígena; esta rede de atuação só é possível com a aproximação dos entes públicos e organizações indígenas.


- Que a Procuradoria Geral da Republica, através da 6ª Câmara, adote medidas urgentes para que de fato o governo federal agilize ações de proteção e fiscalização das terras indígenas e de suas comunidades, haja vista a ausência do poder público em favor das comunidades e várias ameaças e invasão das terras indígenas;
- Ao Ministério Público Federal cabe apurar as irregularidades na emissão de registros indígenas para não-índios, e tomar as medidas necessárias à responsabilização da FUNAI e dos servidores envolvidos em possíveis casos de fraude, encaminhando judicialmente os processos de anulação dos registros e desintrusão da área.
- Manifestamos nossa insatisfação quanto à gestão de Gonçalo Teixeira dos Santos frente à Coordenadoria Regional da FUNAI em Roraima, pela ineficiência em solucionar os problemas apresentados pelos tuxauas e falta de transparência na gestão; exigimos a nomeação de um novo coordenador regional mais comprometido com os interesses do movimento.
- Repudiamos os atentados cometidos contra as comunidades Anaro e Lago da Praia, as comunidades indígenas de Roraima exigem a tomada imediata das medidas judiciais para a reparação do mal que lhes foi imposto; para tanto, solicitam ao Ministério Público Federal que tome as medidas necessárias à revogação das dezenove condicionantes - de inconstitucionalidade evidente - impostas pelo Supremo Tribunal Federal à existência das terras indígenas; à Advocacia Geral da União, na Procuradoria Especializada da FUNAI, propõe-se uma parceria com a assessoria jurídica do CIR para solução do conflito da forma mais rápida e eficiente possível.
- O Conselho Indígena de Roraima se solidariza com a luta do povo Ingarikó e Yanomami contra a imposição dos Parques Nacionais em suas terras tradicionais, e subscreve as resoluções que estes povos tomaram em suas Assembléias. E que o Governo Federal respeite os direitos dos povos indígenas declarados na convenção 169 da OIT e na declaração da ONU sobre os direitos dos povos indígenas, e cumpra o compromisso assumido perante a comunidade internacional.
- Que o Instituto Chico Mendes deve discutir conjuntamente com todas as lideranças da Raposa Serra do Sol o plano de gestão do Parque Nacional do Monte Roraima, haja vista que a mesma faz parte da referida terra e a responsabilidade é de todos os indígenas;
- Quanto à tão comentada criação do Parque Nacional do Lavrado, o Conselho Indígena de Roraima exige que seja convocada com urgência uma audiência pública, com a participação do Ministério Público Federal, Ministério Público Estadual, Instituto Chico Mendes, IBAMA, INPA, Governo Federal, FEMACT, FUNAI e Governo Estadual para que seja devidamente esclarecida a situação.
- O Conselho Indígena de Roraima repulsa contundentemente a discussão encampada no Congresso Nacional a respeito da construção das usinas hidrelétricas no Estado de Roraima, sem antes a consulta dos povos indígenas afetados; apoiamos a pesquisa de alternativas energéticas de menor impacto ambiental, como a energia eólica e solar.
- Solicitamos que a Procuradoria Geral da Republica, adote medidas urgentes a fim de paralisar e discutir o tal projeto de Lei da Usina Hidroelétrica no rio Cotingo, que inclusive já tem recursos destinados para tal construção;
- Que o Governo Federal adote medidas políticas para proteger os direitos dos povos indígenas, para que os povos indígenas sejam ouvidos antes da votação na Câmara dos Deputados do projeto de Lei da Usina Hidroelétrica no rio Cotingo.
- Manifestamos também nossa veemente repulsa à excessiva burocracia para o acesso aos recursos federais indispensáveis ao desenvolvimento sustentável de nossas comunidades indígenas.
- Desenvolvimento sustentável não deve ser assistencialista, mas baseado no etnodesenvolvimento e na educação; manifestamos nosso apoio à Coordenação de Apoio ao Etnodesenvolvimento da FUNAI, que tem realizado um bom trabalho mas necessita de recursos para a implantação de novos projetos.
- O Governo Federal e o Governo Estadual devem estimular e financiar as atividades de estudo e educação ambiental nos institutos públicos que trabalham junto às comunidades, como o INPA.
- O Instituto Insikiran tem realizado um bom trabalho junto a Universidade Federal de Roraima, mas é preciso ampliar o número de vagas e recursos para a promoção da educação superior indígena, e promover o estímulo à pós-graduação.
- Os órgãos responsáveis devem apoiar com recursos financeiros às atividades do Centro de Formação e Cultura Raposa Serra do Sol, tendo em vista a sua contribuição para o desenvolvimento das comunidades indígenas nas áreas de educação, agropecuária e manejo ambiental;
- Reivindicamos que sejam dados os primeiros passos nos órgãos públicos para a construção de uma Universidade Pública Indígena dentro das terras indígenas.
- Exigimos autonomia e recursos para o Departamento de Educação Indígena dentro da Secretaria do Estado de Roraima, e a criação de um sistema diferenciado de ensino, onde a própria Secretaria seja capaz de gerir os recursos.
- Revogação imediata das portarias 062/10/SEGAD/GAB, 063/10/SEGAG/GAB e 000.3/05, da Secretaria de Educação do Estado de Roraima, que impedem a implantação de novas modalidades de ensino e a criação de escolas indígenas, o que não está de acordo com a realidade e as particularidades de cada comunidade.
- Solicitamos do Ministério da Saúde maiores esclarecimentos relativos ao novo sistema de saúde e a criação da Secretaria Especial de Saúde Indígena,
- Exigimos a autonomia imediata do Distrito Sanitário do Leste - DSL, já prevista em decreto, e que seja coordenado por um indígena.
- Solicitamos a reestruturação e maior suporte à saúde indígena nos sistemas geridos pelas Prefeituras Municipais.
- Apoiamos o convênio para atenção à saúde com a Missão Kaiowá tão somente como uma solução temporária até a conclusão da urgente reforma da saúde indígena.
- Que o MPF e AGU promovam a responsabilização penal por discriminação frente à declaração do Governador do Estado de Roraima, Sr. José de Anchieta Júnior, a respeito dos povos indígenas do Estado de Roraima, que em entrevista a imprensa nacional classificou a T.I. Raposa Serra do Sol como "zoológico humano".
- Com a reestruturação da Funai, que seja respeitada a organização social das comunidades indígenas e suas etno-regiões, por isso devem ser criados os sub-comitês nas etno-regiões, que deverão indicar seus representantes para compor o Comitê Regional. E que os representantes dos povos indígenas tenham o poder de voz e voto.
- Que sejam criadas as coordenarias técnicas nas etno-regiões descobertas pelo atual modelo da reestruturação da Funai.
- É necessário que a Funai, Polícia Federal, Ministério Público Federal, e demais órgãos competentes, façam planejamento das ações que venham combater crimes eleitorais nas comunidades indígenas, haja vista que muitos candidatos não respeitam a organização social das comunidades indígenas.

Nossa assembléia está organizada e unida. Não toleramos mais tanto sofrimento e espera. Estamos cansados de documentos sem respostas, queremos ação!


C.I. Araçá, Terra Indígena Araçá, 09 de março de 2010.


Abaixo assinado, ASSEMBLÉIA GERAL.

(relação de participantes em anexo)



Dionito José de Souza - Coordenador Geral


Terêncio Salamão Manduca - Vice Coordenador


Marizete de Souza - Secretária do Movimento das Mulheres Indígenas

Conselho Indígena de Roraima

http://www.cir.org.br/noticias.php?id=701
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