Refém de índios do sul do Amazonas durante oito dias (de 14 a 22 de maio) o funcionário da Funai lotado na Coordenadoria Regional de Humaitá, Pedro Nazareno Oliveira da Silva, concedeu ontem uma entrevista exclusiva ao Diário e relatou o sofrimento que passou na aldeia e as dificuldades dos índios que vivem naquela região. A aventura do indigenista se passou durante o 10 congresso organizado pela entidade Oppittamp, que reúne os povos parintintis, tenharins, pirah`ans, mura e torá, sendo que a maior parte vive ao longo do rio Mahtauará (afluente do Madeira), onde estão localizadas 42 aldeias com uma população de 3.500 pessoas. Apesar do desconforto e da "pressão psicológica" que sofreu durante o período em que permaneceu prisioneiro dos índio, Nazareno acredita que o sacrifício a que foi submetido não foi em vão porque eles conseguiram negociar com Brasília a principal reivindicação, que é a instalação de uma unidade gestora da Funai em Manicoré.
Nazareno explica que dentro do organograma elaborado dentro da reforma administrativa feita no órgão recentemente, os povos que vivem no sul do Amazonas poderiam escolher se ficariam jurisdicionado a uma unidade gestora de Manaus ou de Humaitá, sendo que as duas opções ficam muito distantes das aldeias, que só contam com acesso fluvial. "Para chegar ao local onde foi feito o congresso e onde nós permanecemos seqüestrados, saímos de Humaitá às 6 hora da tarde para chegar na aldeia às 12 horas do outro dia em Manicoré, de onde começamos outro trajeto de 7 horas navegando rio acima", relata o indigenista.
Junto com Nazareno, também permaneceram reféns os funcionário da Funai Domingos Sávio e João Melo. Segundo Nazareno, participavam do Congresso cerca de 300 índios e representantes da Funai, da Associação de Defesa Etnoambiental Kanindé , do Conselho Indigenista Missionário (Cimi) e das entidades indígenas Oppittamp e Oppipam. A pauta principal do Congresso foi a reestruturação da Funai, determinada pelo Decreto 7053, de 28 de dezembro de 2009, que provocou uma revolta geral entre indígenas de todo o Brasil, que fizeram uma série de manifestações em Brasília.
Nazareno conta que durante o Congresso, ele e os outros representantes da Funai fizeram um relato para os índios sobre as mudanças ocorridas no órgão. Depois disso, os índios fizeram uma reunião particular e decidiram que os três funcionários da fundação ficariam reféns na aldeia até que a Funai garantisse a instalação de uma unidade gestora em Manicoré. Os outros participantes do congresso foram liberados.
Negociações
As negociações com a Funai foram feitas pelo único telefone disponível na região, instalado numa ilha chamada de Ponta Natal, onde existe uma aldeia indígena, distante 40 minutos de voadeira do local onde estava os prisioneiros. Os índios foram em comissão até o telefone para se comunicar com as coordenadorias regionais de Manaus e Humaitá. As negociações prosseguiram durante os oito dias e só nos dois primeiros os funcionários seqüestrados puderam entrar em contato com as famílias. Depois disso ficaram incomunicáveis.
A vida no cativeiro não foi fácil. Eles foram alojados numa casinha, onde dormiam em redes. A alimentação era feita pelos índios e se resumia a peixe cozido, farinha d´água e água."É uma comida muito diferente da nossa", diz Nazareno. Outra dificuldade foi a falta de banheiro. "A gente fazia as necessidades fisiológicas no mato", relata ele. Para espantar os mosquitos, os prisioneiros passavam polpa de andiroba no corpo. Mas o pior mesmo era a sensação de insegurança. "O frio que a gente sentia na espinha por não saber se as negociações surtiriam resultados"
Só depois de oito dias de negociação via telefone, chegou na aldeia uma equipe de técnicos da Funai que garantiu aos índios que seria instalada uma unidade gestora em Manicoré.
Dificuldades
Pedro Nazareno é funcionário público federal há cerca de 30 anos e há seis está lotado na Funai. Ele reconhece as dificuldades dos índios, "que vivem praticamente abandonados", lamenta. "Tanto a Funai como as entidades de apoio aos índios, que fazem o que podem, precisam de mais recursos para melhorar a vida nas aldeias". Pelo trabalho realizado em prol dos índios, Nazareno foi "batizado" - o equivalente a conquistar o título de cidadão - pelos índios tenharins, que vivem na Transamazônica. A mesma homenagem foi feita aos indigenistas Apoena Meireles e Osman Brasil e a um advogado Alex, do qual Nazareno só conhece o pré nome.
Segundo Nazareno, os índios do sul do Amazonas só contam com posto da Funai em Manicoré, que está praticamente desativado. Ele reconhece que os índios passam por um grande número de problemas. A principal é o atendimento à saúde, que está a cargo da Fundação Nacional de Saúde (Funasa). "Existe muita dificuldade para contratação de médicos e enfermeiros, que se recusam a permanecer durante vários dias nas aldeias". A educação indígena é feita pelos governos estadual e municipal. Já a Funai presta assistência social, com emissão de documentos, aposentadorias e outras questões, além da fiscalização das terras.
"Infelizmente, os índios sofrem com um grande número de problemas, sendo que a desnutrição é um dos mais graves", relata o indigenista. Para ele a solução dos problemas deveria começar com a instituição de um Plano de Cargos Indigenista, para que fossem definidas as funções de cada funcionário. A criação do PCI é uma promessa antiga do governo federal, que procedeu uma reestruturação da Funai e fez concurso público para contratação de funcionários para o órgão. "Acreditamos que com o PCI poderíamos oferecer uma melhor assistência para os índios".
Enquanto não é oferecida a assistência necessária aos índios, os funcionários do órgão ficam sujeitos a situações como a que viveram Nazareno e os outros dois colegas, o que não é novidade entre os servidores da Funais. Vários deles já passaram pela mesma situação, "sendo que outros também poderão ser seqüestrados, já que esta é uma das poucas armas que os índios dispõe para fazer suas reivindicações", lamenta Pedro Nazareno.
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PIB:Tapajós/Madeira
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