O Brasil cresce a taxas que se aproximam das chinesas. Os economistas fazem previsões para a elevação do PIB (Produto Interno Bruto) neste ano na ordem de 6,5%, 7% e até 7,5%. O desemprego caiu para o seu menor nível da história e a classe média brasileira teria chegado à casa de 80 milhões de pessoas, um megaprocesso de mobilidade social jamais visto.
Soma-se ao processo de representação de um país forte economicamente que resistiu com relativa facilidade a grande crise mundial, o acelerado crescimento econômico e a crescente mobilidade social para cima, a imagem de um país ativo no cenário internacional: "O Brasil de Lula luta em todas as frentes", constata o Le Monde em editorial recente. O país respira um ambiente de otimismo, próximo ao ufanismo. Especialista em publicidade mundial afirma que o "Brasil é hoje a marca mais charmosa a ser vendida ao redor do planeta", considerando-se "o senso de autoconfiança que exala no país".
Internamente o clima de contentamento com o país se manifesta nos altos índices de popularidade do presidente Lula que tem ajudado a alavancar a candidatura de Dilma Rousseff, até recentemente uma desconhecida do conjunto da população quando cotejada com o seu oponente, José Serra, que já ocupou vários cargos no cenário político nacional.
É inegável o ambiente de otimismo, confiança e entusiasmo com os rumos do país. Ao mesmo tempo é um fato, principalmente a partir dos mandatos do governo Lula, que nos últimos anos o país vem revelando avanços, mesmo que lentos, em seus indicadores sociais. Parcela substancial da população tem melhorado o seu poder aquisitivo, assiste-se a um incremento do salário mínimo, ampliação no crédito, revigoramento e fortalecimento de programas sociais de mitigamento da miséria.
Porém, esse reconhecimento, não pode omitir que permanecemos na 75 posição no ranking do Índice de Desenvolvimento Humano - IDH, um paradoxo comparado ao fato de que somos o 8 PIB mundial. Faz-se necessário também reconhecer que se de um lado, vemos um Brasil moderno, inserido globalmente, nação emergente, grande economia mundial; de outro, ainda vê-se a permanência da realidade da fome, do trabalho escravo, das metrópoles inchadas, do drama na saúde e na educação. A reforma agrária permanece truncada, a saúde pública persevera em seu estado calamitoso, a melhora na educação é lenta. Os grandes problemas brasileiros persistem.
As críticas aos problemas que persistem no país são muitas vezes recebidas com má vontade - coisa de quem não enxerga, ou não quer enxergar os avanços que já aconteceram. A interpretação crítica, porém, da realidade socioeconômica brasileira é uma característica do movimento social brasileiro. Dado a sua autonomia, a sua independência e o não atrelamento a partidos, os movimentos sociais auxiliam na interpelação de que nem tudo está tudo bem. Por isso mesmo incomodam e são muitas vezes alvos de tentativas de desqualificação.
Coerentes com o princípio de olhar a realidade a partir do movimento social, destacamos nessa conjuntura alguns temas que manifestam a existência de um outro Brasil, pouco glamourouso e desafiador para todos aqueles que lutam por uma sociedade baseada nos valores da solidariedade, liberdade, democracia, justiça e equidade. Entre os "temas" que interpelam e desafiam o Brasil potência estão: a questão agrária, a questão indígena, a questão ambiental e o trabalho escravo - todos eles, nesse momento, lutas importantes do movimento social brasileiro.
A questão agrária
A questão agrária permanece insolúvel no país. Até hoje, a democratização ao acesso à terra não foi enfrentado. Da República Velha à Nova República, chegando ao governo reconhecido como representante das forças do campo democrático popular, não se atacou de frente um dos problemas sociais mais graves do país: a concentração fundiária - o Censo de 2006 aponta que a concentração da terra é maior do que na década de 1920. As oligarquias rurais continuam poderosas e o seu mando político (ruralistas) e econômico (agronegócio) permanece intocável.
Manifestações da força política e econômica das oligarquias rurais se veem na lentidão da Reforma Agrária, no impedimento do estabelecimento de limites à propriedade da terra, na obstrução da atualização do índice de produtividade das propriedades rurais, na obstaculização da aprovação da PEC 438 de 2001 contra o trabalho escravo, no ataque a legislação ambiental, defesa dos transgênicos e agrotóxicos, defesa dos agrocombustíveis, entre outros temas, que serão abordados aqui.
Os ruralistas, a maior bancada no Congresso, age como um partido político e impede qualquer avanço na democratização da estrutura agrária e, pior ainda, procuram demonizar e criminalizar as forças sociais que lutam por reformas sociais no campo.
Reforma agrária - "a pauta amarelou"
A Reforma Agrária, uma antiga bandeira do movimento social brasileiro que remonta a luta das Ligas Camponesas nas décadas de 50 e 60, e motivação da origem do Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra (MST) não avança. Nas Jornadas anuais de Lutas pela Reforma Agrária, o MST denuncia que o Plano Nacional de Reforma Agrária anunciado em 2003 pelo governo Lula foi desfigurado.
Na Jornada desse ano, o MST declarou: "A eleição do presidente Lula abriu novas perspectivas para os trabalhadores rurais e para a Reforma Agrária. Depois da posse, acompanhamos a formulação do Plano Nacional de Reforma Agrária, que foi rebaixado por pressão da bancada ruralista e pela falta de prioridade da área econômica".
Continua o Movimento: "Em 2005, fizemos uma grande marcha de Goiânia a Brasília, com 12 mil trabalhadores e trabalhadoras rurais, que caminharam mais de 200 km, durante 17 dias. No final da marcha, fomos recebidos pelo presidente Lula e entregamos uma pauta de reivindicações, com sugestões para melhorar a política agrária. Naquela ocasião o governo se comprometeu, por escrito, com os seguintes pontos: 1. Priorizar o assentamento de todas as famílias acampadas; 2. Atualizar os índices de produtividade (ou seja, cumprir a Lei Agrária); 3. Garantir de recursos para a desapropriação de áreas; 4. Criar de uma linha de crédito específica para assentados; 5. Criar de uma linha especial de crédito no BNDES para agroindústrias e cooperativas nos assentamentos; 6. Ampliar os recursos para os programas da educação no campo.
Segundo o MST, "jornada a jornada, todos os anos, apresentamos praticamente a mesma pauta ao governo. Por isso dizemos que nossa pauta ficou amarela". Segundo o Movimento, "o resultado foi que, nesses anos, aumentou ainda mais a concentração da propriedade da terra".
Revisão dos índices de produtividade - eterna promessa
Associado a luta pela Reforma Agrária e condição para viabilizá-la têm-se duas outras antigas reivindicações não apenas do MST, mas também do movimento social brasileiro: a revisão dos índices de produtividade da terra e os limites para a propriedade da terra.
Em um país com dimensões continentais, a possibilidade da Reforma Agrária está estreitamente ligada à produtividade da terra. Ela tornou-se o critério por excelência para a desapropriação e a partilha das terras no Brasil, porém, o Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária (Incra) vem usando índices de produtividade, que fixam os parâmetros necessários para desapropriação das áreas, com dados de produção ainda de 1975. Lula logo no início do mandato prometeu que mexeria nesse tema, porém até o momento nada foi feito.
Recentemente, João Pedro Stedile fez um apelo ao presidente Lula, considerando que o ex-ministro da Agricultura Reinhold Stephanes havia deixado o ministério da Agricultura para disputar uma vaga na Câmara dos Deputados - a aprovação da portaria para revisão dos índices precisa da anuência dos ministros da Agriculta e do Desenvolvimento Agrário. "Lula, pelo amor de Deus. Essa é a sua oportunidade. Já que o Stephanes parou de incomodar e foi cuidar da campanha dele, você tem a oportunidade de cumprir o compromisso que fez conosco desde a marcha de maio de 2005, e assinar a portaria de atualização do índice de produtividade", apelou Stédile. Mas não adiantou. O governo Lula que prometeu revisar os índices no primeiro mandato e renovou o compromisso no segundo, irá terminar e o seu governo e não assinará. Vitória da bancada ruralista.
Destaque-se que sob a perspectiva da racionalidade econômica, há ruralistas que reconhecem que em nada mudaria a revisão dos índices, o tema é de essência ideológica, daí que a bancada ruralista não permite alterações e o governo cedeu.
Limites para a propriedade da terra - antiga reivindicação
O estabelecimento de limites para a propriedade da terra é outro fator importante numa política de Reforma Agrária e permitiria coibir as grandes concentrações fundiárias. Somado a revisão dos índices de produtividade da terra é decisiva para a democratização da estrutura agrária brasileira. A limitação do tamanho da propriedade da terra é também antiga reivindicação do movimento social brasileiro.
Articulado pelo Fórum Nacional pela Reforma Agrária e Justiça no Campo (FNRA), está previsto para esse ano a realização de um Plebiscito Popular sobre o tema. A idéia é consultar a população brasileira entre os dias 01 e 07 de setembro, na Semana da Pátria, junto com o Grito dos Excluídos. A questão formulada para o plebiscito é a seguinte: Você acha que as terras do Brasil devem ser priorizadas para produção de alimentos para o povo brasileiro ou para produtos voltados para a exportação? E como alternativas para respostas são apresentadas as alternativas: a) Sim, eu acho que se deve priorizar a produção de alimentos para os brasileiros por meio da agricultura familiar/camponesa; b) Não, eu acho que a produção brasileira deve ser apenas voltada para a exportação; c) Nem um, nem outro. Acho que o Brasil tem terra suficiente para os dois tipos de produção; d) Não sei, não entendo do assunto.
Segundo o Prof. Dr. Jacques Távora Alfonsín, "dois pressupostos convém serem lembrados como inspiradores da iniciativa. O Fórum pela reforma agrária parte do princípio de que a terra não é mercadoria; respeita-a como fonte natural e indispensável de vida, pretendendo garantir um direito dessa grandeza para todas/os e não somente para alguns. O Fórum também está convencido de que um direito dotado do poder de se expandir ilimitadamente, como é o da propriedade privada, sobre um espaço limitado como é o da terra, gera um efeito perverso, com raras exceções".
Agrotóxicos - um país envenenado
Relacionado à temática da questão agrária, um tema que retornou com força no noticiário nacional foi o fato de que o Brasil se tornou o campeão mundial de uso de agrotóxicos. Segundo a Anvisa, nas lavouras brasileiras são usados pelo menos dez produtos proscritos na União Europeia (UE), Estados Unidos e até no Paraguai.
Segundo a Rede Brasileira de Informação ambiental, na safra de 2008/2009, o Brasil consumiu ao redor de 700 milhões de litros de veneno. Esses 700 milhões de litros foram aplicados em 50 milhões de hectares, equivalente a 14 litros por hectares, a maior media do mundo. Estudo realizado pelo Observatório do mercado internacional de agrotóxicos aponta que o Brasil gastou US$ 7,1 bilhões na compra de agrotóxicos em 2008: "Muitos produtos entram no país registrados na categoria de 'outros'. A regularização está ocorrendo agora e vai mostrar dados surpreendentes", afirma o professor Victor Pelaez, líder de um grupo de pesquisadores que trabalha no programa.
Por detrás da lógica pesada de utilização de agrotóxicos está o agronegócio e as monoculturas. O agronegócio mantém um permanente lobby sobre o Ministério da Agricultura e sobre a Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa). O objetivo do lobby é flexibilizar a fiscalização e fazer com que a Anvisa libere a comercialização de agrotóxicos no país, como já se disse, muitos deles já proibidos e banidos na China, EUA e na União Europeia.
As maiores vítimas, porém do uso de agrotóxicos acabam sendo pequenos proprietários rurais. Há relatos diários de envenenamento de uso indiscriminado de substâncias perigosas a saúde. Os agrotóxicos ocupam o quarto lugar no ranking de intoxicações do País.
Particularmente no Paraná a situação é alarmante. Estudo do Ipardes destaca que os agricultores paranaenses utilizam 12 quilos de agrotóxicos por hectares - a média nacional é de 4 quilos por hectare (kg/ha). É em função do crescimento alarmante dessa realidade que a 9ª Jornada Agroecológica iniciou uma campanha para pôr fim à utilização de agrotóxicos: "O projeto visa denunciar esse modelo das grandes empresas, que só gera doença e, ao mesmo tempo, fazer propaganda, informar a população e explicar tudo o que os agricultores estão fazendo por uma agricultura mais soberana", explica Roberto Baggio do MST.
Segundo Baggio, "todo modelo que aí está e toda a estrutura do Estado, está formada, orientada e formatada para privilegiar só a agricultura química, do veneno, então há de se fazer toda uma luta em nível de Brasil, de estado, de região, para ir mudando essa cultura das transnacionais". Ele completa que "este novo projeto de agricultura, dos pequenos, familiares, da reforma agrária, está ganhando espaço, ganhando corpo e nós estamos avançando, e na medida em que nós formos avançando, esse conjunto de obstáculos vão sendo superados e haverá o avanço da agroecologia como a grande matriz do futuro".
Além da permissividade e política deliberada do agronegócio na defesa dos agrotóxicos poder-se-ia citar ainda a permanente política dos ruralistas na defesa dos transgênicos, dos agrocombustíveis, a defesa das teses que procuram desacreditar as pesquisas que atestam o aquecimento global e o combate às regras da legislação ambiental.
Como se pode observar a questão agrária envolve uma permanente tensão e disputa entre modelos distintos para o campo brasileiro, modelos esses que tem repercussões na vida econômica, social e política brasileira. No contexto desse embate e tendo presente a conjuntura política eleitoral, uma série de organizações lançou nesses dias a "Plataforma Política para a Agricultura Brasileira".
Segundo essas organizações e movimentos, "o atual modelo agrícola imposto ao Brasil pelas forças do capital e das grandes empresas é prejudicial aos interesses do povo. Ele transforma tudo em mercadoria: alimentos, bens da natureza (como água, terra, biodiversidade e sementes.) e se organiza com o único objetivo de aumentar o lucro das grandes empresas, das corporações transnacionais e dos bancos".
Destacam os movimentos que "precisamos urgentemente construir um novo modelo agrícola baseado na busca constante de uma sociedade mais justa e igualitária, que produza suas necessidades em equilíbrio com o meio ambiente".
Trabalho Escravo
O capitalismo agrário brasileiro vive um boom de crescimento e expansão espetacular. "O agronegócio brasileiro tem uma história de sucesso. Somos, hoje um dos maiores exportadores de commodities agrícolas do mundo. (...) Não fosse o agronegócio brasileiro, nossa balança comercial seria deficitária. É ele que equilibra o sistema de comércio externo brasileiro", analisa Sergio Abranches. Uma vitalidade de dar inveja a qualquer governante.
Entretanto, essa pujança ofusca e minimiza questões sociais a ele relacionados. Compagina aspectos antagônicos de um Brasil, por um lado, extremamente moderno, e de outro, extremamente conservador. O campo brasileiro sintetiza uma faceta obscura da história de nosso país: faz conviver um progresso tecnológico e econômico e um atraso nas relações sociais de produção; um Brasil que se projeta para dentro do século XXI, mas imiscuído num caldo cultural que o mergulha nas sombras mais profundas do século XIX escravocrata.
Como o agronegócio ganhou peso na economia nacional e projeção internacional, as sequelas sociais e ambientais por ele produzidas são minoradas.
Olhar para o agronegócio é exaltar a capacidade criadora e a força exuberante do agronegócio, orgulho nacional. Referir-se aos resquícios do passado ainda presentes é descobrir-se nas mazelas deste sistema, algo sempre abjeto. Preferível olhar o vistoso, o esbelto, do que enfrentar as próprias sombras, que são sempre "chagas sociais" doloridas e difíceis de serem enfrentadas.
Mais concretamente, o capitalismo agrário brasileiro utiliza-se de trabalhadores em condições análogas às da escravidão. As denúncias de trabalho escravo ou do trabalho realizado em condições extremamente precárias e subumanas ou de maus tratos estão ligadas à expansão agropecuária em nosso país.
Poder-se-ia ser levado a pensar que o trabalho escravo seja algo que acontece em lugares do Brasil profundo e atrasado. Ledo engano. Ao contrário, as denúncias recobrem praticamente todo o mapa do país, de norte a sul, leste a oeste. Verificaram-se denúncias de trabalho escravo na Amazônia, em Goiás, mas também no Paraná, Santa Catarina, Rio Grande do Sul, Rio de Janeiro e São Paulo, entre outros Estados. A tendência é de aumento dos casos justamente nas regiões mais ricas, como o Sudeste e o Sul. Além disso, estão presentes nos setores mais modernos do capitalismo agrário brasileiro, envolvendo, pois, o setor da cana-de-açúcar, matéria-prima do etanol, que recentemente ganhou "passaporte para o mundo".
Desde 1995, mais de 36 mil pessoas foram libertadas pelo governo federal trabalhando em condições análogas às da escravidão. Um número nada desprezível para um setor que se orgulha de ser moderno. Ainda mais considerando-se que a escravidão moderna caracteriza-se justamente pela privação da liberdade e usurpação da dignidade.
Vemos, pois, um setor produtivo prosperar às custas - também - da exploração do trabalho degradante, como é o caso do trabalho escravo. Essas formas de trabalho não são, portanto, exógenas ao capitalismo mais moderno, mas sabem perfeitamente conviver com ele.
É no contexto da luta para coibir a prática e a existência dessas relações de trabalho em nosso país que nasceu, em 2001, a Proposta de Emenda Constitucional 438. Ela prevê o confisco de terras onde trabalho escravo for encontrado e as destina à reforma agrária. A PEC 438/2001 passou pelo Senado Federal, em 2003, e foi aprovada em primeiro turno na Câmara dos Deputados em 2004. Esses passos morosos são sintoma das dificuldades que a PEC encontra para ser aprovada. Como lembra a jornalista Maria Inês Nassif, "a emenda foi apresentada ainda no governo de FHC, foi votada pelo Senado em dois turnos e apenas conseguiu ser apreciada no primeiro turno pela Câmara em 2004, em meio à comoção do massacre de Unaí, quando fiscais do trabalho foram massacrados a mando de um fazendeiro. Espera a votação em segundo turno até hoje". A bem da verdade, a primeira proposta feita neste sentido remonta a 1995, com a PEC 232.
O movimento social se organizou em torno do "Movimento Nacional pela Aprovação da PEC 438 e pela Erradicação do Trabalho Escravo" para a aprovação da PEC. Para tanto, está mobilizando toda a sociedade com um abaixo-assinado.
Após sua aprovação em primeiro turno na Câmara dos Deputados, em 2004, a PEC está parada no Congresso, esperando aprovação. Após seis anos "congelada", ela corre sério risco de ser esquecida. Talvez isso já tenha acontecido se o movimento social não cutucasse permanentemente o Congresso e a sociedade para a urgência de sua aprovação.
Algumas ações mais recentes. No final de maio passado, aconteceu o I Encontro Nacional pela Erradicação do Trabalho Escravo. Nele se coloca o problema como política pública que envolve Executivo, Legislativo e Judiciário, por demanda de setores sociais engajados em apagar a escravidão da triste história brasileira.
Antes disso, em março, a Conferência Nacional dos Bispos do Brasil (CNBB) havia realizado a "Mesa de Diálogos da CNBB: Trabalho Escravo no Brasil hoje: O que fazer?", para discutir proposições.
As resistências mais duras e firmes à aprovação da PEC são interpostas justamente pelos ruralistas, "o setor mais conservador da sociedade brasileira e mais super-representado no Congresso Nacional. É enorme o poder de veto da bancada, no que se refere a qualquer assunto que envolva a propriedade rural", avalia a jornalista Maria Inês Nassif.
O ministro da Secretaria Especial dos Direitos Humanos da Presidência da República, Paulo Vannuchi, admitiu durante o I Encontro Nacional pela Erradicação do Trabalho Escravo que a questão da erradicação do trabalho escravo não é unanimidade no Brasil. Segundo ele, alguns nichos da sociedade alegam que há exageros quando se fala em exploração de mão de obra e, por isso, não aderem à política dos direitos humanos para o setor.
Mas, o monstro também tem seus pés de barro. Uma das fragilidades reside no "pacto empresarial firmado em torno da Lista Suja divulgada pelo Ministério do Trabalho, com o nome de empresas e pessoas físicas que tenham feito uso do trabalho escravo. Os integrantes dessa lista são excluídos do rol de fornecedores das duas centenas de empresas e os bancos oficiais têm suspendido crédito a eles", comenta ainda Nassif. A Lista Suja tem o apoio de aproximadamente 200 empresas, que representam uma boa fatia do PIB nacional, e representa um passo importante para a erradicação da irresponsabilidade empresarial.
As forças sociais progressistas se mobilizam pela aprovação da PEC do Trabalho Escravo por acreditar na sua importância como instrumento de desestímulo a essa prática ainda vigente em pleno século XXI, mesmo sabendo que a PEC não será definitiva na erradicação do trabalho escravo em nosso país.
Código florestal - Debate para além da questão ambiental
A possível alteração do Código Florestal brasileiro é outro fato da conjuntura nacional, na agenda nesses dias, que manifesta o debate de modelo de sociedade que se deseja. Ofuscado pelo boom econômico, o tema ambiental não tem recebido atenção por parte do governo, pelo contrário, é visto como um empecilho para o crescimento econômico. Há um visível desconforto e até má vontade por parte do governo em debater o tema, e nesse sentido o debate do Código Florestal é apenas um dos muitos temas que faz parte da denominada agenda ambiental.
A temática ecológica já não se constitui mais em uma novidade na sociedade, mas o tema veio à tona e ganhou espaço muito em função do esforço do movimento ambientalista, movimento esse que já irrompe como um dos principais movimentos sociais do século XXI. O movimento ambientalista - pouco compreendido até muitas vezes por seus parceiros do movimento social - alerta para os limites do paradigma do crescimento econômico fundado na idéia da exploração ilimitada dos recursos naturais. É ele, o movimento ambientalista, que exprime de forma mais contundente que o atual modo de produzir e consumir não é compatível com as possibilidades do Planeta.
Destacar o tema do Código Florestal nesse momento é dar visibilidade a um debate que para além dos atores envolvidos: governo, parlamentares, ruralistas e movimento social diz respeito ao Brasil que se quer - conteúdo aliás central do encontro da Assembléia Popular.
A bancada ruralista pressiona o presidente da Câmara, Michel Temer (PMDB-SP), a colocar em discussão e votação, ainda neste mês, o relatório do deputado Aldo Rebelo (PCdoB-SP) - cada vez mais próximo da bancada ruralista - que modifica o Código Florestal. A pressão dos ruralistas vai além da abordagem direta ao presidente da Câmara. O deputado Moreira Mendes (PPS-RO), da Frente Parlamentar da Agropecuária, disse, que se for necessário organizará uma manifestação de produtores rurais em Brasília. "A Frente pretende reunir 50 mil manifestantes para fazer um panelaço a favor das mudanças no Código Florestal", disse ele em tom exagerado.
As medidas propostas, na opinião do movimento social, vão no sentido de flexibilizar a legislação ambiental para favorecer o agronegócio, fazendeiros e exportadores de commodities. As propostas sugerem: reduzir a Reserva Legal na Amazônia de 80% para 50%; reduzir as Áreas de Preservação Permanente como margens de rios e lagoas, encostas e topos de morro; anistia aos crimes ambientais, sem tornar o reflorestamento da área uma obrigação e - medida considerada extremamente grave pelo movimento social -, transferir a legislação ambiental para o nível estadual, removendo o controle federal.
Segundo o movimento social os objetivos dos ruralistas são muito claros com a proposta de retalhar o Código Florestal: "consolidar o desmatamento que já promoveram no Cerrado, Mata Atlântica, Pampas e Caatinga; avançar na destruição da Amazônia e consolidar as áreas que já desmataram", avalia Luiz Zarref, engenheiro florestal, especialista em agroecologia e militante do MST.
O ambientalista Mário Mantovani, coordenador da ONG SOS Mata Atlântica, afirma que o que se quer com o projeto de Rebelo é "massacrar a legislação ambiental brasileira". Raul do Valle, coordenador do Programa de Política e Direito Socioambiental do Instituto Socioambiental (ISA), tem opinião similar ao de Mantovani. Segundo ele, "a proposta dos ruralistas é acabar com o Código Florestal''.
A SOS Mata Atlântica é uma das organizações que ao lado de outras lançou a campanha ''exterminadores do futuro'', numa referência aos principais defensores da mudança da legislação ambiental.
A luta contra as mudanças no Código Florestal torna-se nesse momento de grande importância porque manifesta em seu interior interesses antagônicos que dizem respeitos a formas de conceber a relação com o meio ambiente. De um lado estão as forças econômicas que vêem os recursos naturais como mercadorias. A estratégia dos ruralistas e do agronegócio é uma estratégia auto-destrutiva destaca Sérgio Abranches: "O agronegócio brasileiro adota as piores práticas sócio-ambientais. Despreza a tendência do mercado global de adotar práticas de sustentabilidade em toda a cadeia de suprimentos. Um projeto economicamente suicida". Sequer o agronegócio saber utilizar racionalmente a "mercadoria" que tanto preza. De outro, temos as forças sociais que percebem que a utilização indiscriminada da biodiversidade é uma ameaça a vida humana e de todos os seres. Esses movimentos não aceitam a mercadorização dos recursos naturais.
Povos Indígenas
Eles pareciam estar definhando à medida que o "desenvolvimento" se expandia e ocupava todo o território nacional. E ninguém, a não ser alguns poucos grupos e pessoas, estava preocupado com as condições em que os remanescentes viviam. Dada a visão hegemônica de "progresso", eles andavam na contramão e eram - são - tidos como empecilho para o pleno desenvolvimento econômico. E seu ressurgimento do ostracismo e suas resistências e organização só fazem aumentar a tensão entre dois modelos de desenvolvimento.
A luta dos povos indígenas por seus direitos, tanto no Brasil como na América Latina, faz deles um dos movimentos sociais mais inovadores. Desconsiderados como movimento social revolucionário, emergem com força em um contexto de crise ecológica, trazendo em seu bojo uma nova maneira de se relacionar com a natureza e o outro e de ver o desenvolvimento.
A distribuição geográfica dos indígenas é inversamente proporcional à ocupação dos brancos. Progressivamente, mas de forma mais intensa na segunda metade do século XX, houve um processo de "redução territorial e confinamento" dos indígenas em pequenas extensões de terras reservadas a eles, com sérias e profundas consequências sobre as suas vidas, a organização social e formas de subsistência, como aponta o indigenista Antonio Brant, em entrevista à Revista IHU On-Line desta semana.
O assédio às terras ocupadas por povos indígenas sempre foi enorme. Terras remanescentes e ricas, foram alvo de mineradoras, mas depois de fazendeiros para a expansão do agronegócio - soja, arroz, cana-de-açúcar, eucalipto - e da pecuária. Por fim, também de obras de infra-estrutura - como estradas ou hidrovias - e de produção de energia - etanol e hidrelétricas, com enormes impactos ambientais e sociais. Não raro essas obras são ou contam com recursos públicos provenientes do Plano de Aceleração do Crescimento (PAC).
Neste contexto, a situação dos indígenas vai se degradando. Desaldeados ou não, são alvo fácil da ganância de fazendeiros que os fazem trabalhar em condições hostis em usinas ou em condições similares à escravidão no corte e desgalho de pinus e eucalipto, por exemplo.
A terra é vital para a vida e a sobrevivência dos indígenas. A subnutrição e morte de crianças, problemas de violência, risco de perda de línguas, estão estreitamente relacionados à temática da terra dos povos indígenas.
Mas, a importância da terra ultrapassa a dimensão meramente produtiva. Ao menos para os Guarani, "povo da palavra" ou do "caminho", a terra assume também características espirituais. "Os vínculos dos guarani com seu território são profundos e envolvem elementos materiais e espirituais (...) Para os guarani, a vida, em toda a plenitude e potencialidade, só pode se concretizar em um tekoha - um espaço específico onde se pode viver ao estilo guarani", dizem Roberto Antonio Liebgott e Iara Tatiana Bonin em entrevista à Revista IHU On-Line.
Portanto, seguem os dois indigenistas, um tekoha "não é um lugar qualquer, e sim um espaço assim identificado com a intervenção dos espíritos, que orientam o olhar do xamã (o Karaí). Neste lugar é que se dão as condições para que se realize o modo de ser guarani, e ele deve apresentar uma série de características que envolvem aspectos ambientais, sociais e sobrenaturais. É necessário que o Karaí sonhe com este local e, em geral, um tekoha deve ter água e matas, campos, animais, ervas, espaço para plantar e cultivar alimentos (o milho, a mandioca, batata doce, amendoim, feijão, melancia, abobora)".
Isso ajuda a entender um aspecto curioso dos guarani - o fato de acamparem à beira de rodovias. "Neste sentido, quando os guarani ocupam um espaço ínfimo, à beira de uma rodovia, o que estariam nos dizendo? Quase sempre essa ocupação é, na verdade, o limite mais próximo que eles conseguem estar de uma área mais ampla, identificada como um tekohá, e que quase sempre se situa 'do lado de dentro' das cercas que dividem certas propriedades", concluem os pesquisadores.
Até 1988, predominava a política de integração dos indígenas à cultura e ao modo de viver dos brancos. Nesse contexto, o pedaço de terra em que moravam era provisório. Isso muda com a Constituição, quando os indígenas têm direito à terra demarcada e à cultura próprias.
Mas, como se observa, a distância entre o direito constitucional e a prática é abismal. Isso pode ser visto comparando-se o número de terras indígenas e as já demarcadas: das 943 terras indígenas 620 ainda aguardam por demarcação.
Neste caminho, a demarcação das Terras Indígenas Raposa Serra do Sol, homologada em 19 de março de 2009, representa sem sombra de dúvida uma grande conquista. Após mais de 30 anos de luta, os povos indígenas de Roraima finalmente conquistam um espaço exclusivamente deles, apesar das 19 condições impostas pelo Supremo Tribunal Federal (STF). A ferrenha oposição do agronegócio atrasou uma decisão já tomada em 2005 pelo presidente Luiz Inácio Lula da Silva, pois gigantescos interesses econômicos estavam em jogo.
O eixo desloca-se agora para o Mato Grosso do Sul, onde se trava outra luta, desta vez, envolvendo especialmente os Kaiowá-Guarani. No final de julho de 2008, a Funai publicou uma série de seis portarias que constituíam o ponto de partida de um processo de identificação e delimitação de terras tradicionalmente ocupadas pelos guaranis em Mato Grosso do Sul. O objetivo era ampliar as áreas ocupadas atualmente por esse grupo indígena. Os trabalhos foram interrompidos apenas cinco dias após terem começado. Só foram reiniciados um ano depois, em agosto de 2009.
A pressão exercida para impedir o trabalho das equipes técnicas foi imediata e cerrada. Reuniu desde o governador do Estado, André Puccinelli, outros políticos, até fazendeiros e pecuaristas. Reacendeu-se assim o clima de conflito entre fazendeiros e indígenas. A pressão surtiu efeito, pois semanas depois a Funai suspendeu, ainda que temporariamente, os estudos antropológicos para a demarcação das terras indígenas.
Em setembro de 2009, para alvoroçar ainda mais o clima já tenso, pessoas não identificadas queimaram cerca de 35 casas de indígenas Guarani Kaiowá, da aldeia Laranjeira Ñanderu, próxima do município de Rio Brilhante, no Mato Grosso do Sul. Os indígenas não estavam na aldeia, pois foram obrigados a sair da terra por ordem judicial e estavam acampados à beira da BR-163. Os indígenas estão acampados na beira da estrada, em frente à fazenda Santo Antônio de Nova Esperança, onde está a terra tradicional do povo, à espera de demarcação. De acordo com a professora Iara Tatiana Bonin, o ato de violência é mais um sinal de uma política de extermínio praticado conta esse povo. Relatório da Funai aponta participação de funcionários da Usina São Fernando, parceria do Bertin e da Agropecuária JB (Grupo Bumlai).
Mas, há na sociedade um consenso em que a luta pela demarcação das terras é fundamental para a redução dos índices de violência contra os povos indígenas em nosso país. "É fundamental que o Estado brasileiro aceite e respeite a reivindicação indígena por demarcação de terras. Isso é nítido no caso de Mato Grosso do Sul e em estados como Maranhão, Rio Grande do Sul e Bahia. É preciso demarcar terras, e de forma suficiente, para essa gente viver, se reproduzir, fazer crescer a população", defende a antropóloga Lúcia Helena Rangel, professora da Pontifícia Universidade Católica (PUC) de São Paulo e assessora do Cimi.
Os índios, sabendo disso por experiência, por sua vez, também não ficaram de braços cruzados diante das objeções de seus opositores. Em setembro de 2008, cerca de 300 índios Guarani Kaiowá fizeram uma caminhada no centro da cidade de Dourados, em Mato Grosso do Sul, pela demarcação das terras indígenas na região.
Em meados de outubro, um novo encontro, que ocorreu na Terra Indígena Yvy Katú, localizada no município de Japorã/MS, e que também reuniu cerca de 300 índios, pressionaram pela aceleração do processo de demarcação de suas terras. No encontro, os indígenas deram um prazo de 30 dias para que suas terras sejam finalmente demarcadas.
Paralelamente, o clima tenso, de hostilidades e de violência contra os indígenas continua. No final de outubro, algumas famílias Guarani-Kaiowá retomaram uma parcela de suas terras tradicionais, ocupada pela fazenda Triunfo, no município de Paranhos. No dia seguinte, um grupo de homens brancos, armados e encapuzados entrou no acampamento, insultou e agrediu violentamente os guarani, expulsando-os da área. Dois jovens professores que também participaram da retomada - Genivaldo Vera e Rolindo Vera - foram arrastados pelos cabelos e sequestrados pelos agressores. Dias depois o corpo de Genivaldo foi encontrado com perfurações e marcas de violência, preso a um galho de árvore, no córrego Ypoi, distante 30 quilômetros do local do crime.
Em dezembro, novo incidente, envolvendo seguranças de uma fazenda da região do município de Iguatemi. No confronto, 20 índios ficaram feridos.
Dias depois, é a vez dos bispos católicos que atuam no Mato Grosso do Sul solicitar providências às autoridades. Em nota, criticaram a relutância das autoridades em "buscar políticas públicas que sanem, de uma vez por todas, o clima de desespero e de ódio entre produtores rurais e índios" no Estado.
A notícia mais aguardada pelos indígenas veio, finalmente, depois de quatro anos de espera e luta, no dia 21 de dezembro de 2009. Neste dia, o presidente Luiz Inácio Lula da Silva homologou nove Terras Indígenas. Somadas as Terras ocupam uma área superior a cinco milhões de hectares.
Entretanto, passado exato mês, o presidente do STF (Supremo Tribunal Federal), ministro Gilmar Mendes, suspendeu a demarcação de mais de 90% da reserva indígena Arroio-Korá, em Mato Grosso do Sul, e 5% da reserva indígena Anaro, em Roraima, a pedido de fazendeiros locais que argumentam serem os donos das terras. Os fazendeiros, que deveriam deixar a região para dar espaço às comunidades indígenas, poderão permanecer no local até a decisão final do STF, que deverá ocorrer neste ano. Aqui vale o ditado: qualquer semelhança com o que aconteceu com a Reserva Indígena Raposa Serra do Sol, em Roraima, é mera coincidência. O ministro tomou a decisão por achar que os argumentos dos fazendeiros eram "plausíveis".
Mas, enfim... O decreto do presidente, assinado em dezembro, chegou, segundo alguns, tarde. Ele reflete a morosidade com que o poder público vem tratando de questão tão importante para uma maior democratização das terras em nosso país.
E, finalizando, esta análise estaria incompleta sem ao menos uma menção a outro aspecto da luta dos indígenas, aquela que se trava especialmente na região amazônica e que tem como alvo os mega-projetos de implantação de hidrelétricas no coração da selva amazônica, com graves e irreversíveis impactos ambientais e sociais. Em torno da luta contra a construção de enormes usinas, os indígenas têm sido incansáveis e tenazes, articulando-se para isso ao movimento ambientalista também contrário a essas iniciativas.
Movimento social. Uma semana de grandes eventos
Os temas analisados anteriormente - questão agrária, ambiental, trabalho escravo e indígena - manifestam, entre outros, como dissemos na introdução dessa conjuntura, o outro Brasil que pouco se vê nos noticiários e são reveladores de que há muito ainda por se fazer para de fato transformar o Brasil em um país justo e sustentável. Pior ainda, revelam realidades de um país profundamente conservador e atrasado.
Esses temas vêm à tona pelo movimento social. Apesar da fragilidade em que se encontram os movimentos sociais - conferir aqui a Conjuntura da Semana Especial. Movimentos sociais: Perspectivas e desafios - continuam sendo uma referência importante na consciência crítica dos modelos em curso na sociedade e, ao mesmo tempo, estão na dianteira do processo civilizatório, ou seja, são eles que chamam a atenção para os temas a serem enfrentados, como os destacados.
Nessa perspectiva é que destacamos três eventos importantes acontecidos nos últimos dias: A realização do encontro nacional da Assembleia Popular, a assembleia nacional da Coordenação dos Movimentos Sociais (CMS) e a Conferência Nacional da Classe Trabalhadora.
Essas três iniciativas organizadas pelo movimento social tiveram como conteúdo principal formular propostas para um Projeto para o Brasil. Cabe, entretanto, uma matização desses encontros e articulações. O primeiro - Assembleia Popular - hegemonizado pelas pastorais sociais e seguimento da dinâmica das Semanas Sociais, tem tido a preocupação de manter uma mínima vida orgânica nas bases, nos bairros, nas comunidades. Está convencido de que o processo de transformação social será resultado da ampliação da consciência popular e da gestação desde a base de experiências alternativas que manifestam que uma outra sociedade é possível.
A Coordenação dos Movimentos Sociais (CMS), por sua vez, é bastante diferenciada nas diferentes regiões do país - propõem-se ser uma articulação dos movimentos sociais com o objetivo de garantir o mínimo de unidade nas lutas sociais e coordenar o calendário nacional de lutas. Desempenha um papel importante de superação das lutas corporativas. Participam da CMS, o movimento popular, sindical e estudantil.
A assembleia da CMS realizada nessa semana teve, entretanto, uma característica específica que pode ter desequilibrado um pouco a sua "composição" - a grande participação de sindicalistas. O número surpreendente de pessoas, próximo a três mil pessoas, deve-se ao fato da Assembleia da CMS ter sido realizada às vésperas do Encontro Nacional da Classe Trabalhadora. Hegemonizada pelos sindicalistas, a Assembleia da CMS virou, sobretudo, palanque eleitoral para a candidata Dilma Rousseff. Várias lideranças nacionais se revezaram no microfone para defender a continuidade do projeto nacional desenvolvimentista.
A explícita defesa de uma candidatura, mesmo condicionada a um programa, afasta-se de uma das características mais importantes que a CMS cultiva: a autonomia. Nessa perspectiva, a assembleia da CMS desse ano perdeu uma ótima oportunidade, a de reafirmar o caráter autônomo dos movimentos sociais e deixar bem claro quais são os projetos que defende para o Brasil. O programa do movimento social foi ofuscado pela agitação eleitoral.
Finalmente, a ideia da Conferência Nacional da Classe Trabalhadora remonta aos encontros da Conclat do início da década de 80, entretanto, como a conjuntura mudou radicalmente, também mudou o caráter e o objetivo do encontro das centrais sindicais realizado trinta anos depois. O encontro, assim como a assembleia da CMS, mas de forma ainda mais explícita, serviu muito mais de palanque para a defesa da continuidade do governo Lula do que para efetivamente construir de forma orgânica a agenda de luta dos trabalhadores. O movimento sindical e suas atuais orientações exigem outra análise de conjuntura.
Conjuntura da Semana em frases
Ataque indiscriminado
"Eu esperava que eles atirassem nas pernas ou para o alto, só para aterrorizar as pessoas, mas eles foram atirando direto, alguns foram atingidos na cabeça" - Iara Lee, cineasta brasileira, integrante da Frota atacada por Israel - Folha de S. Paulo, 02-06-2010.
Não dá pra ficar só olhando
"O que eu posso dizer ao mundo é que reaja. Não dá pra ficar só olhando pela televisão essas coisas. Israel tem se comportado de uma forma muito abusiva, e o mundo inteiro fica calado" - Iara Lee, cineasta brasileira, integrante da Frota atacada por Israel - Folha de S. Paulo, 02-06-2010.
Novos desastres
"Cada tentativa de usar a força não para fins preventivos, ou de autodefesa, e sim como forma de esmagar problemas e esmagar ideias conduzirá a novos desastres, como aquele que causamos para nós mesmos em águas internacionais, no alto-mar, ao largo das costas de Gaza" - Amós Oz, escritor e jornalista israelense - Folha de S. Paulo, 02-06-2010.
Demonizar
"Se Israel tem a bomba e o Irã não, se Israel ataca pacifistas estrangeiros e o Irã não, se Israel não ouve ninguém para decidir atos assim e o Irã pelo menos tenta um acordo, como é que Barack Obama e as potências vão demonizar um e ignorar o outro?" - Eliane Cantanhêde, jornalista - Folha de S. Paulo, 01-06-2010.
Centro-esquerda
"Todos os políticos no Brasil são de centro-esquerda" - Jerome Booth, da Ashmore, empresa baseada em Londres que administra US$ 33 bilhões nos mercados emergentes - Valor, 31-05-2010.
"No Brasil, as políticas econômicas sensatas são a regra" - Jerome Booth,da Ashmore, empresa baseada em Londres que administra US$ 33 bilhões nos mercados emergentes - Valor, 31-05-2010.
Crescer demais
"O problema da economia brasileira não é o de crescer. É o de crescer demais" - Luciano Coutinho, presidente do BNDES - O Estado de S. Paulo, 29-05-2010.
Rebolation ideológico
"Lula (ou seria Serra?) provoca um rebolation ideológico no velho dilema "esquerda/direita". Caetano é eleitor de Marina. Mas disse em sua coluna no jornal O Globo que entre Serra e Dilma acha que prefere a petista, já que, lamenta, "Serra está à esquerda da política econômica de Lula". Em 2006, o artista votou em Alckmin" - Ancelmo Gois, jornalista - O Globo, 31-05-2010.
Enterro do DEM
"Na contabilidade da oposição, uma eventual vitória de Dilma Rousseff em outubro vai somar 20 anos do PT na Presidência e resultar no enterro do DEM. Aliás, do DEM e do PPS, com sérias avarias no PSDB. Eis a aritmética em caso de Dilma vencer: Lula oito anos, Dilma mais quatro, a volta de Lula para mais oito" - Eliane Cantanhêde, jornalista - Folha de S. Paulo, 30-05-2010.
Fica! Fica!
"As pessoas não querem o pós-Lula, querem que o Lula continue..." - Rubens Figueiredo, cientista político, no programa "Entre Aspas", da Globonews, explicando o crescimento de Dilma Rousseff nas pesquisas - O Globo, 27-05-2010.
Dá ou desce!
"A imprensa dizia: o Lula, que veio lá de Garanhuns? O cara não fala nem inglês e quer falar com árabe? Com persa? Não vai dar certo. E nós estávamos convencidos de que era possível. (...) Tem gente que em vez de conversar prefere mostrar: eu tenho força. Ou dá ou desce. Eu não sou assim" - Luiz Inácio Lula da Silva, presidente da República - Folha de S. Paulo, 27-05-2010.
Não pode elogiar
"Ele não tem que elogiar o presidente Lula. Se não quer falar mal do presidente Lula, fica quieto. Mas se começa a elogiar muito o presidente Lula, eu que estou sentado lá falo: 'Uai, então para que eu vou mudar, se o próprio candidato da oposição está elogiando?'" - Itamar Franco, ex-presidente da República, criticando José Serra por elogiar Lula - Valor, 28-05-2010.
Lula e os Clinton
"Esses Clinton são todos tucanos" - Lula fazendo chacota da amizade do casal Clinton com FH - O Globo, 29-05-2010.
Hilária Pinton
"Agora quem não sai da televisão é a Hillary. A Hilária Pinton! O chifre mal curado! A nova pitbull do Obama! Ela quer destruir o mundo com um taco de beisebol!" - José Simão, jornalista - Folha de S. Paulo, 26-05-2010.
Serra e Evo
"A cocaína vem de 80% a 90% da Bolívia, que é um governo amigo, não é? Você acha que a Bolívia iria exportar 90% da cocaína consumida no Brasil sem que o governo de lá fosse cúmplice? Impossível. O governo boliviano é cúmplice disso. Quem tem que enfrentar essa questão? O governo federal" - José Serra, candidato à presidência da República - PSDB - Folha de S. Paulo, 27-05-2010.
'Exterminador do Futuro'
"Como sempre, os tucanos mostram valentia diante de um país como a Bolívia e submissão aos EUA, que é o maior consumidor de drogas do planeta"- Fernando Ferro, deputado federal - PT-PE, sobre José Serra, segundo quem o governo do país vizinho é "cúmplice" do tráfico de cocaína para o Brasil - Folha de S. Paulo, 28-05-2010.
Inveja
"Vamos posar aqui. Vamos fazer inveja no Serra" - Lula ao convidar Evo Morales para uma foto, no Rio de Janeiro - Zero Hora, 29-05-2010.
Humoristas. Ração em extinção
"Somos uma raça em extinção. Nós, humoristas, éramos as pessoas que denunciavam situações que nem todo mundo se dava conta. Agora, o que se vai denunciar? Há vários livros denunciando de tudo na política e nada acontece. Antigamente, você desenhava algo e ia preso. Agora, nada importa" - Joaquín Salvador Lavado, Quino, humorista argentino, criador da Mafalda - Folha de S. Paulo, 30-05-2010.
Hamlet
"A realidade muda pouco, os temas são recorrentes. Você lê Hamlet e tudo o que se passava naquele castelo é o que se passa na Casa Branca ou em qualquer palácio de governo. Intrigas, assassinatos. Não muda nada" - Joaquín Salvador Lavado, Quino, humorista argentino, criador da Mafalda - Folha de S. Paulo, 30-05-2010.
Ford foi embora
"Sempre dissemos que a Ford foi para a Bahia porque o governo de lá ofereceu tudo o que o Rio Grande do Sul estava dando, mais os benefícios federais da lei do regime automotivo, com o aval do presidente Fernando Henrique" - Raul Pont, presidente do PT-RS - Zero Hora, 01-06-2010.
Defeitos
"Como titular de um blog há seis anos e refém de um computador durante dez a 12 horas por dia de domingo a domingo, digo sem medo de errar que se reproduzem na web, sobretudo em espaços reservados ao jornalismo, os mesmos defeitos apontados nos veículos convencionais de comunicação. Vou além: de fato, tais defeitos se agravam ali com freqüência" - Ricardo Noblat, jornalista - O Globo, 31-05-2010.
Ícone
"O ser humano pode muita coisa. Basta querer" - Edir Macedo, pastor da Igreja Universal do Reino de Deus, citado por Ana Hickmann, atriz da Rede Record, dizendo que ele é o seu maior ícone - Folha de S. Paulo, 30-05-2010.
"Foi uma coisa muito forte pra mim" - Ana Hickmann, atriz, comentando a frase de Edir Macedo - Folha de S. Paulo, 30-05-2010.
Amarelo?
"Qual a cor do Neymar? Pelo amor de Deus! Essa é a diferença entre o americano e o brasileiro. Americano fala: "Eu sou negro". Não tem essa de mulato. Tem raça preta, branca e amarela. Neymar é amarelo?" - Paulo César "Caju" Lima, ex-jogador de futebol, comentando a frase Neymar dizendo que não se considera negro - Folha de S. Paulo, 30-05-2010.
Hexa
"Lula não levou a taça em 2006, mas deve estar rezando a todos os santos para dar o hexa de bandeja para Dilma Rousseff em 2010. Se a seleção perder, não é com ele. Mas, se ganhar, sai de baixo!" - Eliane Cantanhêde,jornalista - Folha de S. Paulo, 27-05-2010.
Sexo e futebol
"O sexo faz parte da vida, assim como um copo de vinho, churrasco e um doce" - Donato Villani, da seleção argentina, liberando os jogadores - O Globo, 30-05-2010.
"Tem gente que não gosta de sexo, de tomar vinho ou de sorvete" - Dunga, técnico da seleção brasileira - O Globo, 30-05-2010.
Maradona nu!
"Se ganharmos o Mundial, eu fico nu no Obelisco" - Maradona, referindo-se ao monumento mais importante da Av. 9 de Julho, em Buenos Aires - O Globo, 30-05-2010.
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