Povo Jiahuí: Índios não querem mais fumaça

Diário da Amazônia - http://www.diariodaamazonia.com.br/ - 25/08/2010
Você quer comprar um colarzinho de sementes de buriti com penas de arara feitas por alguma tribo da Amazônia? Talvez um anelzinho de casca de babaçu pintado com urucum? Ou preferirá um 'cinturão de carbono' que terá valorização triplicada na Bolsa do Clima Européia? Principalmente a partir de 2012. O 'cinturão de carbono' é a nova onda entre as tribos da Amazônia, e o povo Jiahuí está avaliando a adesão a essa tendência.

Os sinais de fumaça agora são outros, bem diferentes dos de 43 anos atrás, quando do primeiro contato com os brancos, apesar da floresta ainda ser queimada para o avanço do progresso.

O contato com o homem e também com o modo de vida dito civilizado afetou os índios não só por estes serem alvo de doenças dos brancos, por lhe roubarem a floresta, mas também por conhecerem a moeda utilizada pelo homem. O dinheiro.

Segundo o cacique Jiahuí, "a gente não precisava de vocês. Era melhor terem deixado índio na cultura deles. Foi homem branco que mostrou dinheiro para a gente e índio passou a precisar dele."

O artesanato indígena tido como fonte de renda, aliado a venda de produtos como a macaxeira, a farinha, frutas, peixe, entre outros, foi a iniciação deste povo no mercado financeiro.

Mas a sobrevivência do povo Jiahuí ainda depende de outras alternativas criadas pela necessidade de obter mais dinheiro. O pedágio no valor de R$ 70,00, cobrado para cada veículo na faixa Transamazônica, próxima a aldeia, é também fonte importante de renda. Mas fica por isso.

Programas de qualificação feitos por organizações indígenas governamentais e não-governamentais possibilitam a formação de agentes da própria tribo, para atuarem como professores, agentes de saúde e multiplicadores junto à comunidade. A iniciativa destes órgãos tem dado a oportunidade de muitos indígenas estudarem, se profissionalizarem e obterem uma fonte de renda digna.

De qualquer forma, o modo de vida do homem branco, implacavelmente, acabou sendo absorvido aos poucos pela comunidade indígena. Ainda assim, os mais antigos da tribo, como a anciã Ariaí, não aceitam algumas 'benesses' do mundo moderno. Ela e outros poucos não gostam, por exemplo, de luz elétrica.

Os índios mais jovens querem a chegada da luz, que se anuncia no Projeto Luz para Todos, do Governo Federal. O chefe da tribo revelou que se postes forem colocados próximos a aldeia para o fornecimento da energia elétrica, e mesmo alguns afirmando que não querem e decidirem pela derrubada dos postes, crêem que no dia seguinte o exército ou a polícia federal virá até eles. A decisão é então para que deixem a energia entrar.

A sobrevivência e desenvolvimento da comunidade dos Jiahuí, mesmo assim, é uma preocupação pontuada pela luta incessante, desde seu primeiro contato com o branco. Sobrevivência não só referente aos aspectos sócio-culturais, como também de autonomia econômica, ou seja, um modelo de auto-sustentabildade. Para os Jiahuí a mata é sua casa e necessita de cuidados.

As transformações que sofrem os povos amazônicos - assim como os Jiahuí - necessitam de uma especial atenção. Qual será a melhor opção: vender um 'colarzinho de sementes' ou um 'cinturão de carbono'?

Cinturão de carbono é opção ainda incerta

Os rituais e cerimônias que relembraram o contato, ganharam novos significados com a belíssima e emocionante coroação de alguns convidados especiais que estão auxiliando o povo Jiahuí na tomada de decisão sobre o modelo de susbsistência.

O antropólogo Clode Correia, integrante do Instituto de Estudos Brasileiros (IEB), a indigenista e conselheira da Associação Kanindé, Ivaneide Bandeira, e o holandês Vasco van Roosmalen, da Amazon Conservation Team (ACT Brasil), que receberam o título simbólico de guerreiros da tribo, por suas atuações nas questões indígenas.

Vasco van Roosmalen é presidente da entidade ACT Brasil, que faz o mapeamento de áreas indígenas da Amazônia em parceria com a empresa Google.

Em seu discurso de agradecimento à tribo enfatizou a opção de alternativas para a proteção das florestas, como a venda de créditos de carbono. Dando como exemplo a positiva atuação que a entidade ACT Brasil tem feito junto à etnia Suruí, no Sul de Rondônia, neste sentido.

A ACT Brasil é responsável por mapear mais de 15 milhões de hectares das áreas indígenas de 22 etnias da região amazônica.

A entidade não-governamental, que tem como presidente este europeu é voltada à proteção dos valores bioculturais das comunidades indígenas na Floresta Amazônica.

Sua sede executiva, inicialmente em Nova Iorque, agora está efetivamente plantada no Brasil. Possui escritórios no Amapá e nas áreas fronteiriças estratégicas brasileiras, como Colômbia e Suriname.

E na tribo Jiahuí, além deste e tantos outros rituais relembrados e as homenagens aos presentes, percebeu-se também um somatório de experiências do passado em conjunto com uma visão futura que originam transformações e novas alternativas de sobrevivência da comunidade.

De olho na moeda do futuro, o 'cinturão de carbono', mas um tanto quanto desconfiados sobre as incertezas desse novo mercado e das explicações dos consultores da ACT Brasil, os Jahuí ainda mantém o seu tradicional modo de vida, moendo mandioca para produção da farinha e fazendo artesanato para vender aos brancos.

Moeda do futuro é novo encanto para o Jahuí

Crédito de carbono é a moeda do futuro. Para os mercados europeus são uma mina de ouro. A Bolsa Européia do Clima, uma das maiores e mais importantes do setor, já efetua negociações nesta moeda ambiental e sua valorização fez até o discurso ambiental cair na moda, até entre os índios.

O crédito de carbono funciona assim: um país desenvolvido localizado na Europa ou América do Norte, com uma produção industrial que gera muitos gases nocivos à camada de ozônio e causa alterações climáticas, além de problemas ambientais, pode - através de mecanismos definidos no 'Protocolo de Kyoto' - ter a chance de se redimir da poluição comprando créditos de carbono na Bolsa Climática, mantendo assim preservadas florestas em países subdesenvolvidos ou em desenvolvimento.

As empresas multinacionais compram de países em desenvolvimento, como o Brasil, cotas que representem florestas como forma de compensação para evitarem multas e sanções impostas neste documento advindo do 'Protocolo de Kyoto'. Uma crítica a esse modelo é que ele estaria limitando o desenvolvimento de países emergentes, mas mesmo assim o Brasil assumiu o compromisso de reduzir voluntariamente suas emissões de gases de efeito estufa, no início do ano, da Conferencia do Clima de Copenhague, em 36% até 2020.

No Brasil uma negociação histórica de créditos de carbono foi feita com os índios tembé-ténêtéhar, do Pará, que assinaram um contrato com uma empresa estrangeira, onde passarão a receber dinheiro de países do exterior para manterem a floresta em pé dentro da sua reserva.

Cálculos projetam um retorno financeiro para os índios de R$ 1 milhão anuais. A oferta feita aos índios prevê que eles ficarão com 85% das vendas do crédito de carbono no mercado internacional e os 15% restantes com a empresa estrangeira.

Cada crédito de carbono representa 1 tonelada de Co2 (gás carbônico) jogado na atmosfera. Para se atingir esta tonelada são necessárias 5 árvores por ano.

Em 2012, quando haverá uma digamos 'prestação de contas' dos países desenvolvidos com os signatários do 'Protocolo de Kyoto' essas cotas poderão atingir valores estratosféricos.

Atualmente no Brasil um crédito de carbono vale em torno de U$ 3 a tonelada. Nos países europeus a mesma tonelada custa U$ 35. A Amazônia é a grande fonte mundial geradora de crédito de carbono.

Para a etnia Jiahuí - que neste final de semana realizou um evento remontando um passado que teve o homem branco como um dos protagonistas - a hora é de avaliar o contato que têm atualmente utilizando renovadas formas de comunicação e sobrevivência cultural e econômica. O dilema está entre continuar vendendo colares de sementes nas cidades amazônicas ou vender 'cinturões de carbono' para atravessadores do mercado global.

Uma reflexão pode ser retirada da fala do jovem Jiahuí, que estuda e pretende ingressar na universidade para lutar pelos seus: "Nosso povo, naquele primeiro contato ocorrido há 43 anos, utilizou o arco e a flecha para se comunicar e se defender. Eu quero que hoje nossa comunicação e defesa se façam através do conhecimento. Afinal, as armas hoje estão no papel, através de documentos".


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PIB:Tapajós/Madeira

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