Conflito de Terras

A Crítica - http://www.acritica.com/ - 10/09/2010
Hostilidades verbais e muitas ameaças explícitas revelam conflito iminente entre índios mura e fazendeiros no Município de Autazes

AUTAZES, AM - A proximidade da demarcação de terras dos muras do Município de Autazes, aguardada há mais de 40 anos pelos indígenas da etnia e prevista para ainda este ano, vem causando um clima de conflito no município, agravada com a possibilidade de que fazendas de pecuaristas sejam desapropriadas. A iminência de um conflito é identificada tanto nas hostilidades verbais quanto nas ameaças explícitas entre os dois lados. A CRÍTICA publica, a partir de hoje, três reportagens sobre a relação conflituosa entre os indígenas e pecuaristas.

"O branco está invadindo nossas terras e causando desmatamento. Os rios estão ficando poluídos por causa do 'gadaral' (rebanho). Ninguém mais consegue pescar. Estamos cercados de fazendas. Morando em um ovo pequeno. Temos que reagir", alerta Raimundo Figueiredo, 38, morador da aldeia Murutinga, onde vivem, aproximadamente, 700 indígenas, segundo a Fundação Nacional do Índio (Funai), responsável pela demarcação.

O vereador Anderson Cavalcante, autor do pedido de uma audiência pública ocorrida em junho deste ano em Autazes, na qual a maioria dos participantes era composta por pecuaristas, afirmou que "tem medo" de que o assunto "descambe para o lado negativo e possa trazer um problema social". Se não houver uma discussão com todos vai ocorrer conflito. Você acha que o cidadão que tem terra há 100 anos vai ficar satisfeito? Em algum momento ele pode perder a cabeça, disse o vereador.

O fato que reacendeu a preocupação dos fazendeiros e a esperança dos indígenas foi a presença de uma antropóloga no primeiro semestre deste ano no município. Ela foi à cidade enviada pela Funai para realizar os estudos com vistas a identificação de delimitação das terras indígenas no município.

A antropóloga, segundo os indígenas muras, chegou a ser ameaçada pelos pecuaristas e, em alguns momentos, precisou de proteção da Polícia Federal. A coordenadora de identificação e delimitação da Funai, Leila Solto Maior, que esteve em Autazes esta semana para dar continuidade ao trabalho demarcação, confirmou as ameaças contra a antropóloga, mas o prefeito de Autazes, Wanderlan Sampaio, nega. "Minha irmã, não houve ameaça. Não sou a demarcação, desde que ela seja feita de forma planejada para não atender apenas os interesses de um grupo", disse o prefeito, ao ser procurado pela reportagem.

Segundo a assessoria de imprensa da Funai, o relatório elaborado pela antropóloga está em fase de análise e prestes a ser publicado no Diário Oficial da União e Diário Oficial do Estado para, então, começar o processo de demarcação e homologação, obedecendo os ritos exigidos pelo processo. O rito inclui prazo para contestação e avaliação de possível indenização. Ainda não há data confirmada para a publicação do relatório.
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"Osmar Cascais, 46 CONSELHEIRO MURA DA ALDEIA GUAPENU"

"Enquanto nossa terra não é demarcada, os fazendeiros colocam o gado deles em qualquer lugar. Quando não tomam a terra para si, deixam os búfalos entrarem na nossa área e quebrar as roças. A gente mandou vários documentos para a Funai e nada. Nessas lutas eu já foi ameaçado de morte. Fiquei sem sair de casa durante oito meses. A Funai era assim: "demarcava" hoje, 'demarcava' amanhã, e nada acontecia. De tanto demorar, a gente ficou imprensado por todos os lados, vivendo cercado."

Processo já se arrasta há décadas

Demarcação das terras dos muras remonta ao período do extinto Serviço de Proteção ao Índio, substituído pela Funai

O processo de demarcação das terras dos muras de Autazes é antigo. Remonta ao período do Serviço de Proteção ao Índio (SPI), extinto no final da década de 60 e substituída pela Funai. Incontáveis estudos foram realizados sem nunca terem sido efetivados pelo órgão indigenistas. Sem respaldo jurídico, os muras dizem que foram perdendo suas terras, incluindo as localizadas na área de várzea, considerada as mais férteis e produtivas.

A responsabilidade pela demora na demarcação, atribuída à Funai, é unânime entre os indígenas das ladeias Guapenu e Murutinga, duas das oito em processo de estudo, nas quais a reportagem esteve na semana passada. "A gente denunciava e a Funai só falava que era pra deixar como está que as coisas se resolviam. Com o tempo, fomos perdendo muita terra. Nos tiraram quase toda a área de várzea", conta Samuel Esmeraldo, 62, da aldeia Guapenu, a meia hora de lancha 40 da sede de Autazes.

Sem conhecimento, leitura e informação sobre seus direitos, o único amparo dos indígenas era "a ação do chefe" conforme lembra Wilson Corrêa, 46, tuxaua de Guapenu, referindo aos antigos chefes de postos (cargos já extinto) da Fuani, em Autazes. "Essa demarcação está sendo esperada há muitos anos. Perdemos muitas árvores de mato. Os brancos tiraram tudo", observa Wilson Corrêa.

Revoltados com a burocracia, morosidade e sucessivos adiamentos do processo de demarcação, os indígenas começaram a reagir. Uma das reações mais impactantes foi a invasão da sede da então administração da Funai, em Manaus, ocorrida em janeiro de 2005.

Outra histórica reação dos indígenas aconteceu "há aproximadamente, 20 anos quando os indígenas, cansados de serem invadidos" promoveram "queimação de boi" e expulsão de branco" de uma área de várzea, conforme lembra Wilson Corrêa, tuxaua de Guapenu. "A gente esperava que o chefe da Funai reagisse por nós. Mas como não houve providência, a gente foi lá e matou mais de 20 bois do fazendeiro que ocupava nossas terras. Hoje é uma das poucas áreas de várzea que pertence aos índios", diz o tuxaua.

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PIB:Tapajós/Madeira

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