Mais velho indigenista na Amazônia já foi flechado no pulmão, no ombro e no rim

Globo Amazônia - http://www.globoamazonia.com/ - 14/11/2010
O mais velho sertanista em atividade vive hoje em Altamira, no Pará, e caminha lentamente, de preferência com o apoio de alguém. Aos 72 anos, tem a saúde de quem já recorreu às pernas em incontáveis expedições no interior da floresta amazônica. Em uma delas, pensou até em correr para fugir do ataque repentino de indígenas, mas não conseguiu evitar que uma flecha lhe atravessasse o corpo. Sobreviveu, não guarda mágoas e até virou colega de seu agressor.

Afonso Alves da Silva é o primeiro sertanista a ter parte de sua história contada no Globo Amazônia, em uma série semanal que revelará até o fim do ano, sempre aos domingos, os perfis dos mais experientes indigenistas em atividade no país.

São pessoas cuja profissão exige currículos com dose extra de espírito aventureiro, já que uma das principais metas do trabalho consiste em se embrenhar na mata tropical, usando canoas ou as próprias botas para tentar identificar áreas habitadas por indígenas vivendo em isolamento voluntário. Segundo a Funai, existem no Brasil mais de 70 grupos de índios isolados, quase todos em áreas remotas da Amazônia.

Os sertanistas atuam na linha de frente para atenuar o contato de indígenas com sociedades externas. Às vezes, até acabam lutando ao lado dos índios, tentando frear o avanço de atividades econômicas clandestinas dentro de reservas, como a extração de madeira e o garimpo. O objetivo é proteger as aldeias, que podem perder parte considerável de suas populações após um simples surto de gripe.

Sujeitos ao humor dos indígenas no meio da selva, os sertanistas também podem ser confundidos com invasores e, não raro, se tornam alvo potencial de flechas. Na consciência, porém, carregam o lema "morrer se preciso for, matar, nunca".

A frase é atribuída a Marechal Rondon, criador, em 1910, do Serviço de Proteção do Índio e Localização de Trabalhadores Nacionais (SPI). A inauguração do órgão, transformado na Fundação Nacional do Índio (Funai) em 1967, simboliza o início do indigenismo no Brasil, que comemora seu centenário em 2010.

A Funai ainda não existia quando Afonso Alves da Silva, ou apenas Afonsinho, ingressou no indigenismo. Ele entrou para o SPI aos 16 anos e foi afastado da função em fevereiro deste ano. Ficou sabendo da demissão por meio de jornais, o que não agradou a seus colegas de trabalho, autores de uma carta dirigida à Funai em que pedem a volta do sertanista.

Vivendo hoje em Altamira, Afonsinho carrega na bagagem mais de 30 contaminações por malária. Fez contato com ao menos 10 grupos isolados durante a carreira e encarou aventuras que quase lhe custaram a vida.

Confundido por indígenas Arara em 3 de julho de 1979, ele foi flechado em parte do pulmão e do rim em um ataque na região da Transamazônica. A área indígena era ocupada por colonos e eles atacavam os invasores para sobreviver. Depois, voltou ao local diversas vezes. "Sempre que passo lá, eles pedem para não falar no assunto, porque se sentem envergonhados. Eu digo para eles: 'não, vocês não sabiam de nada'", explica Afonsinho, hoje colega de seu agressor.

Afonsinho fez sua primeira expedição em 1957 para identificar indígenas kaiapó. Era iniciante e fazia parte da equipe de Chico Meirelles, considerado um dos maiores expoentes da história do indigenismo brasileiro. Anos mais tarde, também viveu com kaiapós a expedição que considera a mais difícil de sua vida, quando ficou 28 dias no mato, acabou a comida e quase sofreu outro ataque.

"Ficamos lá (na aldeia) 14 dias, mas por 9 dias não deixavam a gente sair", diz ele. Dava medo? "Dava, um amigo disse pra mim: 'tu fica atrás de mim, fica comigo aqui porque se der algum problema nós corremos os dois'. Vou te dizer, eles todos (índios) estavam assim, com arco empunhado", lembra o sertanista. "Eram 700 contra 26. Mas tinha que perder o medo porque a gente estava ali."

Com a experiência que adquiriu, Afonsinho participou de frentes de contato com diversos povos, entre eles os arara, kaiapó, kararaô e korubo. Chegou a aprender o dialeto dos arara, do qual ainda lembra de alguma coisa, e assimilou a língua kaiapó quando trabalhou por 6 meses em um posto próximo a aldeias do grupo. "Mas já esqueci", diz.

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Índios:Sertanistas/Indigenistas

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